À medida que o medo e a incerteza do público crescem em torno da pandemia da COVID-19, “mais do que nunca, precisamos de solidariedade, esperança e vontade política para enfrentar essa crise juntos”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, nesta quinta-feira (19), em sua primeira coletiva de imprensa virtual.
Diferentemente de qualquer crise de saúde global nos 75 anos de história das Nações Unidas, a pandemia do novo coronavírus está espalhando sofrimento humano, infectando a economia global e prejudicando a vida das pessoas, acrescentou.
Pedindo solidariedade global, Guterres disse: “nossa família humana está estressada e o tecido social está sendo rasgado. As pessoas estão sofrendo, doentes e assustadas”.
Como as respostas no nível nacional não podem abordar sozinhas a escala e a complexidade globais da crise, ele sustentou que “é necessária uma ação política coordenada, decisiva e inovadora” das principais economias do mundo.
Guterres disse esperar participar da cúpula de emergência dos líderes do G20 na próxima semana para responder ao “desafio épico” representado pela atual pandemia.
“Minha mensagem central é clara”, disse. “Estamos em uma situação sem precedentes e as regras normais não se aplicam mais”.
Indicando que “estamos em guerra com um vírus”, o chefe da ONU enfatizou que as respostas criativas “devem corresponder à natureza única da crise – e a magnitude da resposta deve corresponder à sua escala”.
E embora a COVID-19 esteja matando pessoas e atacando economias, gerenciando bem a crise, “podemos orientar a recuperação em direção a um caminho mais sustentável e inclusivo”, disse ele.
WATCH LIVE: @antonioguterres takes questions on the #COVID19 pandemic and stresses the importance of global solidarity in response to #coronavirus crisis. https://www.pscp.tv/w/cUJEHTU1MDE5NTN8MVprS3pMcGVkdnZKdiRihfRxeOXzp_CHAyfHxHx7x1jrC0qn4S41yO4oB4EE?t=4m12s …
UN Web TV @UNWebTV
UN chief press briefing to address the global #covid19 crisis (19 March 2020)
pscp.tv
“Peço aos líderes mundiais que se unam e ofereçam uma resposta urgente e coordenada a essa crise global”, afirmou.
Emergência de saúde
O chefe da ONU disse que enfrentar a emergência de saúde é a sua preocupação número um, e defendeu a ampliação dos gastos com saúde para cobrir, entre outras coisas e “sem estigma”, testes, apoio aos profissionais de saúde e garantia de suprimentos adequados.
“Está provado que o vírus pode ser contido. Ele deve ser contido”, disse ele, aconselhando a mudança de uma estratégia de país para país a uma “resposta global coordenada, incluindo a ajuda a países menos preparados para enfrentar a crise”.
“A solidariedade global não é apenas um imperativo moral, é do interesse de todos”, afirmou Guterres, instando os governos a atender plenamente aos apelos da Organização Mundial da Saúde (OMS), dizendo: “somos tão fortes quanto o sistema de saúde mais fraco”.
Resposta e recuperação
Como segunda prioridade frente à crise, Guterres citou o impacto social e a recuperação e resposta econômica.
Ele falou sobre o novo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) projetando que os trabalhadores poderão perder cerca de 3,4 trilhões de dólares em renda até o final do ano.
Mas o mundo não está passando por um choque comum na oferta e na demanda, “é um choque para a sociedade como um todo”, disse ele.
“Fundamentalmente, precisamos nos concentrar nas pessoas – nos trabalhadores mais vulneráveis, com baixos salários, pequenas e médias empresas”, explicou o chefe da ONU. “Isso significa apoio salarial, seguro, proteção social, prevenção de falências e perda de empregos”.
Ele defendeu que “a recuperação não deve acontecer nas costas dos mais pobres – e não podemos criar uma legião de novos pobres”, insistindo na importância de apoiar os trabalhadores da economia informal e os países menos capazes de responder à crise.
Apelando a um compromisso financeiro global, ele observou que o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais terão um papel fundamental.
Guterres incentivou o desmantelamento das barreiras comerciais e o restabelecimento das cadeias de suprimentos.
Ele também falou do impacto da pandemia sobre as mulheres, dizendo que elas “carregam desproporcionalmente o fardo em casa e na economia em geral”, e sobre as crianças, observando que mais de 800 milhões delas estão fora da escola, “muitas das quais dependem da escola para sua única refeição”.
“Enquanto a vida das pessoas é perturbada, isolada e revirada, devemos impedir que essa pandemia se transforme em uma crise de saúde mental”, continuou o secretário-geral da ONU, indicando a necessidade de manter programas de apoio aos mais vulneráveis, sublinhando que “as necessidades humanitárias não devem ser sacrificadas”.
Diante desse cenário, Guterres afirmou que temos a responsabilidade de voltarmos melhores dessa crise.
“Precisamos garantir que as lições sejam aprendidas e que esta crise seja um momento decisivo de preparação para emergências em saúde e para investimentos em serviços públicos essenciais do século 21 e a entrega efetiva de bens públicos globais”, disse ele.
Apontando para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, ele concluiu: “devemos manter nossas promessas para as pessoas e o planeta”.
Confira a coletiva na íntegra em inglês clicando aqui, e em português, em vídeo e texto, a seguir:
(Baixe em alta resolução clicando aqui)
“Estamos enfrentando uma crise global de saúde sem precedentes nos 75 anos de história das Nações Unidas, que está espalhando o sofrimento humano, infectando a economia global e piorando a vida das pessoas.
Uma recessão global, talvez de dimensões recorde, é quase certa.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) acaba de relatar que trabalhadores de todo o mundo podem perder até 3,4 trilhões de dólares em renda até o final deste ano.
Acima de tudo, é uma crise humana que exige solidariedade.
Nossa família humana está estressada e o tecido social está sendo rasgado. As pessoas estão a sofrer, doentes e assustadas.
As respostas atuais no nível nacional não abordarão a escala e a complexidade globais da crise.
Este é um momento que exige ação política coordenada, decisiva e inovadora das principais economias do mundo. Devemos reconhecer que os mais pobres e vulneráveis, especialmente as mulheres, serão os mais atingidos.
Parabenizo a decisão dos líderes do G20 de convocar uma cimeira/cúpula de emergência na próxima semana para responder aos desafios épicos da pandemia da COVID-19 – e estou ansioso para participar.
Minha mensagem central é clara: estamos em uma situação sem precedentes e as regras normais não se aplicam mais. Não podemos recorrer às ferramentas usuais em tempos tão incomuns.
A criatividade da resposta deve corresponder à natureza única da crise – e a magnitude da resposta deve corresponder a sua escala.
Nosso mundo enfrenta um inimigo comum. Estamos em guerra contra um vírus.
A COVID-19 está matando pessoas, além de atacar a economia real em sua essência – comércio, cadeias de suprimentos, empresas, empregos. Países e cidades inteiros estão fechados. As fronteiras estão se fechando. As empresas estão lutando para manter seus negócios e as famílias estão simplesmente lutando para sobreviver.
Mas, ao gerenciar essa crise, também temos uma oportunidade única.
Feita corretamente, podemos orientar a recuperação em direção a um caminho mais sustentável e inclusivo. No entanto, políticas mal coordenadas correm o risco de travar – ou até piorar – desigualdades já insustentáveis, revertendo ganhos de desenvolvimento conquistados com muito esforço e redução da pobreza.
Peço aos líderes mundiais que se unam e ofereçam uma resposta urgente e coordenada para esta crise global.
Eu vejo três áreas críticas para a ação:
Primeiro, lidando com a emergência de saúde.
Muitos países excederam a capacidade de atender casos leves até em unidades de saúde dedicadas, com muitos incapazes de responder às enormes necessidades dos idosos.
Mesmo nos países mais ricos, vemos os sistemas de saúde não resistindo à pressão.
Os gastos com saúde devem ser ampliados imediatamente para atender às necessidades urgentes e ao aumento da demanda – expandindo testes, reforçando instalações, apoiando os profissionais de saúde e garantindo suprimentos adequados – com total respeito aos direitos humanos e sem estigma.
Está provado que o vírus pode ser contido. Precisa ser contido.
Se deixarmos o vírus se espalhar como fogo, especialmente nas regiões mais vulneráveis do mundo, milhões de pessoas podem morrer.
E precisamos nos afastar imediatamente de uma situação em que cada país está adotando suas próprias estratégias de saúde para uma que garanta, com total transparência, uma resposta global coordenada, inclusive ajudando países menos preparados para enfrentar a crise.
Os governos devem dar o maior apoio ao esforço multilateral de combate ao vírus, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cujos apelos devem ser totalmente atendidos.
A catástrofe da saúde deixa claro que somos tão fortes quanto o sistema de saúde mais fraco.
A solidariedade global não é apenas um imperativo moral, é do interesse de todos.
Segundo, devemos focar no impacto social e na resposta e recuperação econômica.
Ao contrário da crise financeira de 2008, injetar capital apenas no setor financeiro não é a resposta. Esta não é uma crise bancária. E, de fato, os bancos devem fazer parte da solução.
E não é um choque comum na oferta e na demanda; é um choque para a sociedade como um todo.
A liquidez do sistema financeiro deve ser garantida, e os bancos devem usar sua resiliência para apoiar seus clientes.
Mas não vamos esquecer que isso é essencialmente uma crise humana.
Mais fundamentalmente, precisamos nos concentrar nas pessoas – trabalhadores com baixos salários, pequenas e médias empresas e os mais vulneráveis.
E isso significa apoio salarial, seguro, proteção social, prevenção de falências e de perda de emprego.
E isso também significa projetar respostas fiscais e monetárias para garantir que o ônus não incida sobre aqueles que menos podem pagar.
A recuperação não deve ocorrer às custas dos mais pobres, e não podemos criar uma legião de novos pobres.
Precisamos fornecer recursos diretamente nas mãos das pessoas. Vários países estão adotando iniciativas de proteção social, como transferências de renda e renda universal.
Precisamos levá-las ao próximo nível para garantir que o apoio chegue àqueles totalmente dependentes da economia informal e nos países menos capazes de responder.
As remessas são uma tábua de salvação no mundo em desenvolvimento – especialmente agora. Os países já se comprometeram a reduzir as taxas de remessa para 3%, muito abaixo dos atuais níveis médios. A crise exige que avancemos, chegando o mais próximo possível de zero.
Além disso, os líderes do G20 tomaram medidas para proteger seus próprios cidadãos e economias ao renunciar aos pagamentos de juros. Devemos aplicar essa mesma lógica aos países mais vulneráveis da nossa aldeia global e aliviar o peso da dívida.
Em geral, precisamos de um compromisso de garantir facilidades financeiras adequadas para apoiar países em dificuldades. O FMI, o Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais desempenham um papel fundamental. O setor privado é essencial para buscar e criar oportunidades de investimento e proteger empregos.
E devemos nos abster da tentação de recorrer ao protecionismo. É hora de desmantelar as barreiras comerciais e restabelecer as cadeias de suprimentos.
Olhando de um modo mais amplo, as perturbações na sociedade estão tendo um impacto profundo.
Temos de abordar os efeitos desta crise nas mulheres. As mulheres do mundo estão carregando desproporcionalmente o fardo em casa e na economia em geral.
As crianças também estão pagando um preço muito alto. Mais de 800 milhões de crianças estão fora da escola agora, muitas das quais dependem da escola para fornecer sua única refeição. Devemos garantir que todas as crianças tenham acesso à comida e igual acesso à aprendizagem – fechando o abismo digital e reduzindo os custos de conectividade.
Enquanto as vidas das pessoas estão sendo perturbadas, isoladas e reviradas, devemos impedir que essa pandemia se transforme em uma crise de saúde mental. Os jovens estarão em maior risco.
O mundo precisa continuar dando suporte aos programas que apoiam os mais vulneráveis, inclusive por meio de planos humanitários e de resposta a refugiados coordenados pela ONU. Necessidades humanitárias não devem ser sacrificadas.
Terceiro, e finalmente, temos uma responsabilidade de “se recuperar melhor”.
A crise financeira de 2008 demonstrou claramente que países com sistemas robustos de proteção social sofreram menos e se recuperaram mais rapidamente de seu impacto.
Devemos garantir que as lições sejam aprendidas e que essa crise proporcione um momento decisivo para a preparação para emergências em saúde e para investimentos em serviços públicos essenciais do século 21 e a entrega efetiva de bens públicos globais.
Temos uma estrutura de ação – a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Devemos manter nossas promessas para as pessoas e o planeta.
As Nações Unidas, e nossa rede global de escritórios nos países, apoiarão todos os governos para garantir que a economia global e as pessoas a quem servimos saiam mais fortes dessa crise.
Essa é a lógica da Década de Ação para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Mais do que nunca, precisamos de solidariedade, esperança e vontade política para passar por esta crise, juntos.
Obrigado.”
Fonte: Nações Unidas – Brasil
(19-03-2020)