Rota 2014

119 comunidades estão no alvo da Prefeitura do Rio com o objetivo de “preparar” a cidade para a Copa de 2014 e, posteriormente, para as Olimpíadas em 2016. Trata-se de uma “rota” traçada pelas autoridades do Executivo que possui profundas ilegalidades. O que os órgãos fiscalizadores têm a dizer sobre isso?

Foi anunciado nesta terça-feira (07), no Rio de Janeiro, a criação de Núcleos de Justiça dentro das comunidades onde estão sendo instaladas Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. O projeto – uma ampla parceria entre diferentes poderes, em diferentes níveis do poder público – permitirá, segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “uma espécie de controle recíproco”, que evitará o desvio de conduta dos agentes públicos.

É sempre bem-vinda qualquer ação que amplie o acesso à Justiça, uma das bandeiras da sociedade civil organizada e combativa, em áreas onde tradicionalmente o Poder Judiciário não chega.

No entanto, causa estranhamento um projeto pontual, que olha apenas para um problema específico (a corrupção policial) e inicialmente apenas em duas comunidades (Cidade de Deus e Complexo do Alemão). Não seria mais eficiente o Governo do Estado solicitar ajuda na melhoria do que já existe? As corregedorias aí estão, não funcionam adequadamente e são apenas um instrumento para inglês ver.

E o pior: o próprio Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame – que é bem intencionado em relação à importância deste mecanismo de fiscalização –, não consegue o apoio político necessário para implementar mudanças, seja por parte de sua corporação, seja por parte do Palácio das Laranjeiras.

No entanto, meu estranhamento é outro. Fico um pouco incomodado quando o Governo do Estado e a Prefeitura do Rio – arrastando consigo o Judiciário e o Executivo Federal, sempre tão “bem intencionados” – buscam soluções homeopáticas no que diz respeito a um problema grave (a corrupção policial) e continua a agir ilegalmente, por exemplo, na questão dos despejos de comunidades.

No total, segundo mapa divulgado pela imprensa, 119 comunidades estão no alvo da Prefeitura do Rio – tudo para “preparar” a cidade para a Copa de 2014 e, posteriormente, para as Olimpíadas em 2016. Trata-se de uma “rota” traçada pelas autoridades que possui profundas ilegalidades.

Uma das faixas na manifestação contra o despejo de comunidades, em fevereiro de 2010, em frente à Prefeitura do Rio. Foto: Sheila Jacob/Fazendo Media.
Uma das faixas na manifestação contra o despejo de comunidades, em fevereiro de 2010, em frente à Prefeitura do Rio. Foto: Sheila Jacob/Fazendo Media.

São questões gravíssimas, pois ferem profundamente o Estado de Direito. A maior parte das comunidades – que são, diga-se de passagem, “pacíficas” sem precisarem ser “pacificadas” – possuí o direito de ali existir. Estão com os títulos em mãos. No entanto o Estado, que “vendeu” estes espaços para as autoridades desportivas a fim de atingir seus objetivos olímpicos, ignora esta situação e atropela a legalidade, em total desrespeito a preceitos constitucionais mínimos.

Não são casos de violações graves de direitos humanos estes acontecimentos? O artigo sexto da Constituição Federal não deixa claro que a moradia é um direito social? O que tem a dizer o governo do Estado, o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os tribunais de Justiça, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Estadual?

Concordam com o entendimento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – particularmente seu Núcleo de Terras e Habitação – de que trata-se de fato grave que fere direitos fundamentais? Até quando a Prefeitura ficará apresentando justificativas como “dano ambiental” para os pobres e, ao mesmo tempo, mantendo condomínios de luxo nas mesmas regiões? É correto, prefeito Eduardo Paes, expulsar famílias que moram há mais de 40, 50 anos numa região por conta dos eventos internacionais?

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@gustavobarreto_(*) Gustavo Barreto, jornalista. Contato pelo @gustavobarreto_.

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