As raízes do Brasil machista

Foto: revistadehistoria.com.br

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Acho que vale mais um comentário, em meio ao clima fascista “Bolsonaro” do momento, sobre a importância da obra de Sérgio Buarque de Holanda para conhecermos nossos desafios e nossas lutas.
O autor de Raízes do Brasil alerta amplamente sobre uma característica importante da nossa formação histórica: a economia predatória portuguesa no Brasil Colônia dependia, quase que plenamente, dos engenhos. Lá, tudo se realizava (era inclusive independente, e até os móveis ali eram feitos).
Duas características marcam o engenho: sua vertente rural e, talvez principalmente, a forma patriarcal e patrimonialista com que era liderada. A economia girava em torno do senhor do engenho, um homem que estava acima da lei. Tudo podia, e pouco se fazia para frear seu poder. Foi somente com o fim do regime escravocrata que, pouco a pouco, desde 1850, o seu poder decaiu. Sem, claro, nunca ter acabado por completo.
Um dos principais traços que os portugueses de outros tempos aqui deixaram foi justamente esse: a “família” vinha em primeiro lugar. Pouco animador: essa família tinha chefe, leis próprias e uma rigidez ímpar. Há mesmo casos na História do Brasil como o do fazendeiro que assassinara a nora por desconfiar de adultério. O homicídio contou com a mais ampla impunidade, apesar de o país já contar com legislação penal.
Essa seria a origem de expressões como “briga de marido e mulher não se mete a colher”, ou o ideário machista de que uma mulher que namora não deve sair sozinha. O patriarcado foi e continua sendo instrumento de poder. Esse limite entre o público e o privado criou aqui raízes profundas, conforme explica Buarque de Holanda.
A dificuldade de aplicar leis progressistas no âmbito familiar e de romper com o patriarcado não é tarefa menor, como pensam inclusive alguns “progressistas” (em geral homens, evidentemente). Não é menor que a economia, que a política. É economia, é política e é essa situação fruto de uma forma de pensar atrelada aos séculos XVIII e XIX. E tem consequências perversas: o feminicídio. E o âmbito do problema é fundamentalmente privado, como se vê pelas estatísticas do século XXI.
O fato de que a centralidade da questão feminista, mesmo após séculos de patriarcado agindo abertamente, precisa ainda ser “provada” ou argumentada é um dos indícios de que ainda podemos retroceder muito nesse tema, caso não fiquemos atentos.
Não é à toa, por acidente ou involuntariamente que o mais feroz machismo venha da extrema-direita. O patriarcado sempre foi de direita. No século XIX, foram os socialistas que se levantariam, em grande parte, contra o problema. Mesmo a direita mais progressista, que nesse momento eram os liberais das cidades, fechariam parcialmente olhos para a questão, a colocando como secundária.
Um pouco de contextualização histórica não faz mal a ninguém. Não para nos conformarmos, mas para serenamente sabermos que estamos numa luta que não começou ontem, ou há algumas décadas. Trata-se de uma batalha secular contra um dos males mais enraizados que o nosso país possui.

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