Prevenir toda forma de violência pública ou privada, de várias maneiras, dentre elas: a criação de vínculos comunitários e o fortalecimento da auto-estima

No documento* do grupo Kairós-Nós Também Somos Igreja, apresentado à reunião do Movimento Internacional Somos Igreja (IMWAC) realizada em Lisboa em outubro de 2012, pode se ler, como uma das propostas ao coletivo internacional:

prevenir toda forma de violência pública ou privada, de várias maneiras, dentre elas: a criação de vínculos comunitários e o fortalecimento da auto-estima.

Na Petição do Povo de Deus, um dos documentos fundacionais de IMWAC, pode ser lido:

Procuramos uma Igreja empenhada nos direitos humanos, que valorize questões de ordem ética e moral

Em função das particularidades e especificidades da situação dos povos dos países do Terceiro Mundo, várias das questões assinaladas no final do documento, assumem para nós uma prioridade muito mais relevante. A procura da justiça social, econômica e racial, de gênero, e uma maior atenção à esfera da família e do trabalho (item 5.b.), são para nós preocupações de primeira ordem. Da mesma forma, a prevenção das várias formas de violência pública e privada.

Iremos nos referir aqui, mesmo que sumariamente, a estas prioridades. A defesa dos direitos humanos significa para nós, em primeiro lugar, a defesa ao direito à vida. O direito que as pessoas tem de, simplesmente, viverem. Isto tem um significado imediato: as pessoas tem o direito de que seja respeitada a sua integridade física e moral, tem o direito de não serem torturadas nem sequestradas, desaparecidas ou assassinadas.

Na história recente (e não tão recente) da América Latina, muitas vezes estes direitos fundamentais foram atropelados –e o continuam sendo, em muitos países— com o silêncio cúmplice da comunidade internacional, que ou olha para outro lado, ou emite declarações retóricas sem qualquer significado concreto. As igrejas cristãs, e a católica em particular, tem sido coniventes, quando não sócias, de extermínios de populações, nos anos das ditaduras que assolaram a América Latina em 1960, 70 e depois.

Embora nos dias de hoje exista toda uma retórica governamental que incorpora uma aparente defesa dos direitos humanos, a tortura, o sequestro e o assassinato continuam sendo práticas corriqueiras em países como Brasil, Argentina, Chile, com total impunidade. Índios, negros, jovens e moradores das periferias urbanas, são as vítimas prediletas. A violência doméstica, especialmente contra mulheres, mas também contra idosos e crianças, assume proporções alarmantes.
Mas há outras formas de violência: o desemprego, o subemprego, e a sub-remuneração, que em muitos países formam parte da problemática social estrutural, sem perspectivas de resolução.

A globalização vem precarizando fortemente os laços sociais, os sentimentos de pertencimento das pessoas aos coletivos. Neste contexto, são necessárias ações no sentido de promover o fortalecimento do sentido de vida –e da noção de identidade– das pessoas, a sua razão de existir, os seus projetos de vida individuais e familiares, comunitários e macro-sociais.

As migrações são um fator importante no desenraizamento e na quebra da auto-estima das pessoas. Elas se vêem arremessadas para lugares desconhecidos, longe das suas famílias, ficando sujeitas a uma ruptura dos contextos valorativos que dão sustentação à vida. A desintegração da identidade das pessoas as vulnerabiliza, quebrado o sentimento do próprio valor.

As ações governamentais muitas vezes fracassam na tentativa de incluir as populações marginalizadas, uma vez que as mesmas perderam por completo qualquer vontade de viver. Perderam a noção de ser alguém de valor. É nestes contextos, e nestas situações, que várias inciativas tem ido abrindo espaço para efetivos trabalhos de recuperação da pessoa humana. Uma delas, a educação popular, inspirada em Paulo Freire e a sua pedagogia libertadora. A reconstrução dos sujeitos coletivos e individuais.

Uma outra inciativa neste sentido de recuperação da pessoa humana: a Terapia Comunitária Integrativa, surgida na favela de Pirambú, no Ceará, nordeste do Brasil. A TCI vem criando comunidade em várias localidades do Brasil, e, já, em outros países da América Latina, como Uruguay, Argentina e Chile. As pessoas começam a recuperar a sua noção de sí, o sentimento do seu próprio valor, a razão delas estarem vivas, e delas terem projetos de vida a realizar. As pessoas voltam a se sentirem parte de um todo vital, coletivo e em movimento.

Isto funciona como uma das tantas formas de prevenção da violência pública e privada. Apreende-se a co-existir com os diferentes. Na medida em que a auto-estima da pessoa aumenta, ela começa a perceber que tem direito de existir. Ela começa a valorizar a sua experiência de vida, o que ela fez até aqui para ser quem é. É uma des-alienação. A pessoa começa a perceber que a sua vida tem valor independentemente da valoração que possa ou não receber de outras pessoas. A vida recupera o seu valor intrínseco.


* “A nossa trajetória, objetivos e finalidades em um mundo (Igreja e sociedade) em mudança”
http://consciencia.net/a-nossa-trajetoria-objetivos-e-finalidades-em-um-mundo-igreja-e-sociedade-em-mudanca/

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