Na direção errada

Foto: reprodução de imagens online

Impressiona o nível civilizacional da sociedade carioca no trânsito, com as sempre minoritárias exceções de sempre.

Motociclistas enlouquecidos e extremamente violentas, sem qualquer valor pela própria vida. Colocam vidas em risco.

Motoristas de automóveis comerciais imprudentes, dirigindo como se numa pista da rally estivessem. Colam na traseira do carro seguinte, ignoram o sinal, fingem que não há qualquer tipo de sinalização para além daquela com câmeras acopladas. Colocam vidas em risco.

Motoristas “profissionais” cometendo algumas das piores infrações, muitas das quais colocando a vida das pessoas à volta em risco. Taxistas creem que são algum tipo de deuses do asfalto e que tudo podem. Colocam vidas em risco.

Pedestres imprudentes, se jogando na frente de carros o tempo todo como se não tivessem responsabilidade em relação à sinalização e jogando para os motoristas a responsabilidade de tentar não matar alguém, um estresse sem tamanho para os bons motoristas.

Todos procurando chegar “mais cedo”. Só se for no céu.

O estresse do bom motorista — um alienígena que, como eu, olha para todos os lados procurando saber sempre quem está em pior situação e procurar dar passagem — é inevitável: tentar se importar é assinar o atestado de idiota.

Exagero da minha parte? No Brasil ocorre um acidente a cada 30 segundos, o que rende ao país o “título” de quarto colocado em mortes no mundo, perdendo apenas (proporcionalmente) para China, Índia e Rússia.

Morre-se mais nas estradas do Brasil do que na guerra da Síria. Cheque os números.

Culpa do carro? Da sinalização? Das motos? Engana-se quem tenta, a qualquer tempo, jogar tudo na conta da tecnologia e esquecer a esfera social do problema, de longe a mais importante.

Esta sociedade brasileira das grandes cidades — o Rio com grande contribuição — cresce da pior maneira possível: como no hino futebolístico, todos juntos vamos pra frente Brasil, individualmente, cada um olhando para o seu, se importando com seu mísero núcleo familiar e os seus, de forma mesquinha e egoísta.

O nível de solidariedade do carioca, do fluminense, do cidadão que aqui vive, é próximo a zero. Perceba que a própria noção de “solidariedade” é, em si, um conceito quase que confundido com o ato de doar alguma muda de roupa velho para um asilo/creche/abrigo. Ou ainda doar (por telefone, nada de contato) alguns míseros reais para tentar aliviar o peso do nosso individualismo de cada dia e apagá-lo da nossa consciência.

Esse sujeito é o mesmo que não se importa com o transporte e não vê problema, inclusive, neste modelo de desenvolvimento rodoviário cujo ronco dos motores e o sangue nas pistas são definitivamente as expressões mais bem acabadas da representação da violência exposta todos os dias para quem quiser e puder ver.

Nas exuberantes propagandas de TV, belíssimos carros trafegam por ruas semi-vazias, em paisagens paradisíacas e cujos motoristas, sempre sorridentes e bem-sucedidos, são em grande parte homens brancos de meia-idade.

Na mesma TV, ela mesma financiada pela exuberância luxuosa e inalcançável, quando se trata de buscar imagens dos escombros de um terrível acidente que serviu de estímulo para o referido “título” brasileiro, o quase silêncio.

A violência maior não está tanto no carro ou em qualquer objeto em si, e sim na crença vendida diariamente de que somos muito mais o que compramos do que nós mesmos — seres humanos dotados de raiva, sim, porém também de compaixão, solidariedade e amor.

Desde que nos esquecemos disso, temos dirigido muito. E muito mal.

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