Milícias no Rio: Secretaria de Segurança do Rio envia dois comunicados contraditórios. Quem a SESEG quer confundir?

Freixo denuncia que ainda há muitos milicianos atuando no poder público. Foto: Thaissa Araújo/ALERJ.

Freixo, que já foi personagem de ‘Tropa de Elite 2’, filme baseado em fatos reais relativos ao poder das milícias no Rio de Janeiro, cobra das autoridades – principalmente do Governo do Estado – a adoção de 58 medidas de enfrentamento do problema, solicitadas pela CPI das Milícias em 2008 (leia este relato para entender melhor o poder destes grupos no Estado).
A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG), na figura do Secretario José Mariano Beltrame, evita falar em Freixo, que é oposição e pré-candidato à Prefeitura do Rio. A imprensa tem denunciado que a cabeça de Freixo vale pelo menos R$ 400 mil. Depoimentos recebidos pelo Disque-Denúncia dão conta de que milicianos estariam prontos para executar Freixo ainda este mês.
Uma reportagem do portal G1 tornou público, involuntariamente, um problema que ainda permanece obscuro na Secretaria de Segurança: as informações desencontradas da SESEG sobre as providências tomadas, caso existam.
G1, que estava cobrindo o caso, repentinamente mudou um trecho de reportagem publicada no dia sobre o tema. Na nota original, a SESEG teria enviado uma carta à presidência da Assembleia Legislativa na própria segunda-feira (31/10) informando que a segurança de Freixo é feita por diversos policiais da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) e que “até o momento não foi encontrada consistência real de uma efetiva ameaça à integridade do nobre parlamentar”.
As declarações encontravam-se no contexto das 27 ameaças recebidas por Freixo desde 2008, de amplo conhecimento de toda a imprensa. O primeiro link do G1, no entanto, sumiu (este aqui): aparece como “página não encontrada”.
O segundo link, este sim com a matéria (disponível aqui), está sem o parágrafo acima. O original, no entanto, foi copiado por este site (clique aqui) e fizemos uma fotocópia, que reproduzimos abaixo.

O trecho entre aspas é substituído por outro: “A secretaria divulgou também a carta enviada por Freixo solicitando a escolta. No entanto, no ofício, não é explicitado que a escolta só fosse iniciada em novembro. Ele pede, por medida preventiva, segurança para o filho.”
Fica a dúvida: quem teria dito que “até o momento não foi encontrada consistência real de uma efetiva ameaça à integridade do nobre parlamentar”?! É uma declaração muito forte, como quem desdenha das ameaças, e pior: não mostrando qualquer resultado nem mesmo para o deputado Freixo.
A mudança no portal G1 foi realizada curiosamente no mesmo momento em que, pelo twitter oficial da SESEG (@SegurancaRJ), a Secretaria divulgava, na íntegra, a nota sem a informação acima. A informação não foi sequer publicada em qualquer site oficial da SESEG, apenas pelo canal oficial do twitter.
Apuramos o que ocorreu, o que trouxe a algumas novas questões. O trecho acima corresponde a uma outra resposta que a SESEG tem dado, tanto na segunda-feira (31/10) quanto em outros documentos. Tivemos acesso a um documento que comprova que o Secretario Beltrame havia enviado no dia 20 de outubro a uma outra autoridade (de uma categoria profissional) carta contendo o trecho acima, afirmando igualmente que “Até o momento não foi encontrada alguma consistência real de uma efetiva ameaça à integridade do referido parlamentar”.
Surge, então, um importante questionamento: Por que a SESEG nunca deu informações concretas sobre o que está sendo feito ao próprio deputado sobre as referidas denúncias? Quem é que tem dado esta resposta de que não vê “consistência real” (acesse as ameaças abaixo) nas denúncias? Por que a SESEG distribuiu à imprensa, por meio de sua assessoria, dois comunicados diferentes, tão distintos, no mesmo dia em que prestava esclarecimentos sobre o caso.
A assessoria de Freixo confirma que nunca recebeu qualquer retorno. O deputado, em entrevista ao Jornal das Dez da GloboNews na segunda (31), ironizou a carta na qual a SESEG afirma à presidência da Assembleia que as investigações sobre as ameaças foram feitas em caráter sigiloso.
“Foi sigiloso demais, porque nem eu sei do resultado dessa investigação. Eu imagino que, mais do que o Secretario, eu tenho o interesse em saber que investigação é essa. Ninguém da Secretaria de Segurança me procurou, diante das mais de 20 denúncias ao longo desses anos. Foram 27 denúncias com informações para me matar de 2008 para cá, em nenhuma delas eu recebi um retorno da Secretaria de Segurança. (…) Quem bom que eles estão se manifestando agora, depois dessa pressão”, disse Freixo.
Ameaças são reais, comprovam documentos
Após ter acesso a mais de 50 documentos sobre o caso, este jornalista está convencido de que Freixo está lutando pela sua própria vida, sem todo o apoio necessário das autoridades. Ameaçado de morte pela sua intensa participação no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, Freixo aceitou convite da Anistia Internacional para deixar o país por tempo indeterminado – menos de um mês, diz ele –, preservando assim sua família. (Leia aqui o comunicado da Anistia)
Ele sabe que pode ser morto: está mira dos mesmos que mataram a juíza Patrícia Acioli. “Não houve nenhuma investigação e são sete ameaças [este mês]. Nós sabemos que a juíza Patrícia Acioli também recebeu diversas ameaças e não teve retorno. Nós sabemos qual o efeito disso. Não vou cometer esses erros e estou cobrando publicamente quais são as medidas que a secretaria está tomando em relação a cada uma dessas ameaças.”
Segundo reportagem do portal Terra, a PM e o serviço do Disque-Denúncia trataram com o deputado as ameaças sofridas. Ele e a polícia as levaram ao conhecimento da Secretaria de Segurança do Estado, que por sua vez não deu retorno ao político sobre se investigações das ameaças ou de seus autores estão em andamento. Os últimos acontecimentos no Rio tiveram repercussão internacional.
‘Problema das milícias não é encarado de forma devida’
Freixo aponta que as mais de 500 prisões realizadas não são suficientes, pois os milicianos se articulam dentro das prisões ou fogem delas. ”Se não tirar o braço econômico e o espaço territorial, novas autoridades serão ameaçadas e mortas e a vida das pessoas que vivem nesses territórios vai continuar subjugada ao terror”, afirmou. O deputado reclamou também que boa parte das 58 medidas propostas pela CPI de 2008 não saíram do papel.
“Nós temos um relatório de CPI aprovado em 2008 com 58 propostas concretas para o enfrentamento das milícias. Ele precisa sair do papel, precisa ser colocado em prática. Isso só depende de vontade política”. De acordo com o político, na época da CPI as milícias controlavam 170 localidades no Rio e hoje o número passa de 300.
O parlamentar afirmou ainda que o combate ao poder econômico das milícias deve envolver não apenas a esfera policial, mas também os governos municipal, estadual e federal. O deputado não quis dar detalhes, no entanto. Freixo reclama que a Secretaria de Segurança trata as denúncias como um “problema particular”.
Desde o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em agosto, a quantidade e seriedade das ameaças a ele aumentou.
As ameaças
Um documento preparado pela Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar indica que o ex-PM Carlos Ari Ribeiro, conhecido como Carlão, planejava o assassinato de Freixo. O suspeito integra uma milícia e o crime teria sido arquitetado quando ele estava detido do Batalhão Especial Prisional (BEP) da PM. Pelo assassinato, Carlão receberia R$ 400 mil do miliciano Toni Ângelo Souza Aguiar.
O miliciano e ex-PM Carlos Ari Ribeiro, o 'Carlão', durante festa de aniversário 'vip' para o filho na prisão. Ele fugiu logo depois. Foto: Jornal Extra.

Carlão foi o mesmo que fez uma festa para seu filho dentro de BEP,conforme denúncia do jornal Extra no mês passado. Ele fugiu dia 2 de setembro do Batalhão e continua comandando a execução de inocentes e a soltura de milicianos presos, por meio de policiais e agentes prisionais envolvidos com a milícia.

Além dessa ameaça, a Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar, o Ministério Público e o Disque-Denúncia registraram, em pouco mais de um mês, outras seis denúncias de atentados contra o deputado estadual. O MP do Rio havia solicitado, no dia 18 de outubro, o “reforço máximo” da segurança do deputado, diante das ameaças.
Em uma delas, registrada pela Ouvidoria do Ministério Público no último dia 26, um plano estaria sendo articulado por um suposto vereador do município de Paracambi (RJ), ligado aos irmãos Jerominho e Natalino Guimarães – respectivamente, ex-vereador do PMDB e ex-deputado estadual pelo antigo DEM, ambos ex-aliados de Sergio Cabral e hoje presos – e ao traficante Fernandinho Guarabú do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, na zona norte do Rio.
Em relação à responsabilidade da Prefeitura, Freixo afirma: “O governo municipal tem uma responsabilidade sobre o principal braço econômico das milícias, que é o transporte alternativo. Primeiro, tem que fazer o transporte público funcionar e parar de ser refém da Fetranspor. Tem que fazer o transporte alternativo ser verdadeiramente alternativo. Muitas vezes, a van é a única forma de o cidadão ir para o trabalho e, assim, fica entregue na mão da milícia. Nós sabemos o quanto de milicianos estão empregados no poder público ainda hoje.” (Freixo à Veja Rio, 31/10)
Em entrevista ao programa ‘Balanço Geral’, da Rede Record, no mesmo dia, Freixo afirmou que “existem milicianos em várias secretarias do poder público”.
Quando trabalhava contra as milícias, o sociólogo e ex-Secretário de Segurança Luiz Eduardo Soares e sua família viviam, como ele define, em uma “prisão”, pois eram escoltados permanentemente. “Eles agiam como terroristas, matando algumas pessoas em assaltos que não existiam. Ligavam para a minha casa de madrugada e, quando eu não estava, falavam com a minha família e convidavam para o meu sepultamento, dizendo como eu tinha morrido. Passavam para a imprensa a notícia de minha morte ou de que eu havia acabo de sofrer um atentado”. Amigo de Freixo, Soares afirmou considerar positiva a saída de Marcelo do país, por segurança e para que ele possa reorganizar sua vida.
Segundo o portal Terra, à época, Soares ficou realmente preocupadoquando descobriu um plano para sequestrar suas filhas e acabou indo embora para os Estados Unidos, retornando depois para Porto Alegre (RS) e se estabelecendo novamente no Rio de Janeiro em 2002. Apesar de sofrer algumas ameaças, ele considera hoje a situação tranquila.
Freixo, pouco antes de embarcar: Luta maior é contra as milícias
Pouco antes de embarcar para o exterior, Freixo afirmou que o problema não é a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, e sim as milícias.
“Não podemos perder tempo com falsos embates. Temos de usar de forma racional o nosso tempo para esse enfrentamento das milícias, não só com prisões, mas também com ações contra o domínio de territórios e contra as atividades econômicas que sustentam essas milícias. As notícias relacionadas a fugas de milicianos pela porta da frente de unidades prisionais e de milicianos comandando o crime mesmo de dentro da cadeia provam que só prisões não bastam. O que precisa ser feito é o cumprimento das 58 propostas de ações concretas de enfrentamento que foram apresentadas no Relatório Final da CPI das Milícias”, declarou.
Freixo pediu a união dos poderes para acabar com as milícias no Rio e criticou mais uma vez a inoperância da SESEG. “Há a necessidade de o Estado (município, estado e União) enfrentar concretamente esse tipo de máfia. Não estou indo para a Europa por causa de problemas com a minha segurança, embora seja fato que a situação das ameaças tenha se agravado recentemente e que não não tenhamos recebido retorno algum da Secretaria de Segurança Pública sobre as providências em relação a qualquer uma das ameaças recebidas até hoje”, disse o deputado.
Apoio a Freixo no domingo em Copacabana

Uma manifestação foi realizada na última terça-feira (1/11) pedindouma ação mais efetiva do Estado no caso e no combate às milícias. Um outro ato será realizado no próximo domingo, na Praia de Copacabana (acesse aqui o evento no Facebook).

Deixe uma resposta