As grandes redes de televisão repetiram à exaustão, há algumas semanas, imagens da ocupação realizada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em terras que seriam de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo.
Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça. Trata-se de uma grande área chamada Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares. Desses 30 mil hectares, 10 mil são terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas e 15 mil são terras improdutivas. Ao mesmo tempo, não há nenhuma prova de que a suposta destruição de máquinas e equipamentos tenha sido obra dos sem-terra.
Na ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários desejando produzir alimentos.
Bloquear a reforma agrária
Há um objetivo preciso nisso tudo: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola – cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 – e viabilizar uma CPI sobre o MST. Com tal postura, o foco do debate agrário é deslocado dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo. A revisão dos índices evidenciaria que, apesar de todo o avanço técnico, boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos alegam e estaria, assim, disponível para a reforma agrária.
Para mascarar tal fato, está em curso um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST. Deste modo, prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira.
O pesado operativo midiático-empresarial visa isolar e criminalizar o movimento social e enfraquecer suas bases de apoio. Sem resistências, as corporações agrícolas tentam bloquear, ainda mais severamente, a reforma agrária e impor um modelo agroexportador predatório em termos sociais e ambientais, como única alternativa para a agropecuária brasileira.
Concentração fundiária
A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, conforme o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. As pequenas propriedades estão definhando enquanto crescem as fronteiras agrícolas do agronegócio.
Conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2009) os conflitos agrários do primeiro semestre deste ano seguem marcando uma situação de extrema violência contra os trabalhadores rurais. Entre janeiro e julho de 2009 foram registrados 366 conflitos, que afetaram diretamente 193.174 pessoas, ocorrendo um assassinato a cada 30 conflitos no 1º semestre de 2009. Ao todo, foram 12 assassinatos, 44 tentativas de homicídio, 22 ameaças de morte e 6 pessoas torturadas no primeiro semestre deste ano.
Não violência
A estratégia de luta do MST sempre se caracterizou pela não violência, ainda que em um ambiente de extrema agressividade por parte dos agentes do Estado e das milícias e jagunços a serviço das corporações e do latifúndio. As ocupações objetivam pressionar os governos a realizar a reforma agrária.
É preciso uma agricultura socialmente justa, ecológica, capaz de assegurar a soberania alimentar e baseada na livre cooperação de pequenos agricultores. Isso só será conquistado com movimentos sociais fortes, apoiados pela maioria da população brasileira.
Contra a criminalização das lutas sociais
Convocamos todos os movimentos e setores comprometidos com as lutas a se engajarem em um amplo movimento contra a criminalização das lutas sociais, realizando atos e manifestações políticas que demarquem o repúdio à criminalização do MST e de todas as lutas no Brasil.
Assinam esse documento:
- Eduardo Galeano – Uruguai
- István Mészáros – Inglaterra
- Ana Esther Ceceña – México
- Boaventura de Souza Santos – Portugal
- Daniel Bensaid – França
- Isabel Monal – Cuba
- Michael Lowy – França
- Claudia Korol – Argentina
- Carlos Juliá – Argentina
- Miguel Urbano Rodrigues – Portugal
- Carlos Aguilar – Costa Rica
- Ricardo Gimenez – Chile
- Pedro Franco – República Dominicana
Brasil:
- Antonio Candido
- Ana Clara Ribeiro
- Anita Leocadia Prestes
- Andressa Caldas
- André Vianna Dantas
- André Campos Búrigo
- Augusto César
- Carlos Nelson Coutinho
- Carlos Walter Porto-Gonçalves
- Carlos Alberto Duarte
- Carlos A. Barão
- Cátia Guimarães
- Cecília Rebouças Coimbra
- Ciro Correia
- Chico Alencar
- Claudia Trindade
- Claudia Santiago
- Chico de Oliveira
- Demian Bezerra de Melo
- Emir Sader
- Elias Santos
- Eurelino Coelho
- Eleuterio Prado
- Fernando Vieira Velloso
- Gaudêncio Frigotto
- Gilberto Maringoni
- Gilcilene Barão
- Irene Seigle
- Ivana Jinkings
- Ivan Pinheiro
- José Paulo Netto
- Leandro Konder
- Luis Fernando Veríssimo
- Luiz Bassegio
- Luis Acosta
- Lucia Maria Wanderley Neves
- Marcelo Badaró Mattos
- Marcelo Freixo
- Marilda Iamamoto
- Mariléa Venancio Porfirio
- Mauro Luis Iasi
- Maurício Vieira Martins
- Otília Fiori Arantes
- Paulo Arantes
- Paulo Nakatani
- Plínio de Arruda Sampaio
- Plínio de Arruda Sampaio Filho
- Renake Neves
- Reinaldo A. Carcanholo
- Ricardo Antunes
- Ricardo Gilberto Lyrio Teixeira
- Roberto Leher
- Sara Granemann
- Sandra Carvalho
- Sergio Romagnolo
- Sheila Jacob
- Virgínia Fontes
- Vito Giannotti
Para subscrever esse manifesto, clique no link: http://www.petitiononline.com/boit1995/petition.html