Extradição, Tortura e Morte

CONTRA-BATTISTI-LULA

Carlos A. Lungarzo

AIUSA – 2152711

RECONHECIMENTO. Agradeço aos que me brindaram informação importante para redigir este artigo: Patrizio Gonnella e Suzana Marietti, da direção da ONG italiana de direitos humanos Associazione Antigone, o jurista italiano Luca Baiada, e a escritora francesa Fred Vargas, além de numerosos juristas, intelectuais, políticos e voluntários de direitos humanos de diversos países.

Em 31/12/2010, a Advocacia Geral da União (AGU) do Brasil deu a conhecer o parecer AGU/AG-17/2010, redigido pelo consultor Moraes Godoy, que no § final (170) opina contra a extradição 1085, com base no item 3.1.f do Tratado de Extradição Brasil-Itália, entendendo que a situação de Cesare Battisti se agravaria por causa da sua relevante atividade política anterior.

Em seu relatório, especialmente, na seção (VI), entre os §§ 106 e 107, Godoy elenca de maneira sistemática e rigorosa dúzias de eventos refletidos em declarações de pessoas públicas ou publicados em jornais, que mostram o clima de insegurança e ameaça contra o extraditando.

Em seu despacho final, Albuquerque faz referências breves, especialmente nos §§ 17, 18 e 19, ao clima de agitação popular contra a esquerda alternativa, que se conserva na Itália desde há 30 anos, e que envolve, entre outras, a figura de Cesare Battisti. Disto deduz:

Esses fatos constituem substrato suficiente para configurar-se a suposição do agravamento da situação de Cesare Battisti caso seja extraditado para a Itália.

Veja o parecer do consultor da União, o despacho da AGU, e a decisão do presidente nesta página do site da AGU: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTextoThumb.aspx?idConteudo=152830&id_site=3

Apesar do excesso de gentilezas com a dita “democracia” italiana, estes documentos tem enorme valor técnico, pois mostram a razão fundamental pela qual Battisti correria risco no país requerente: sua situação geral se tornaria mais grave, já que os líderes italianos estam criando um clima que, em termos não jurídicos, seria de “linchamento” [a AGU não usa esta palavra]. O despacho menciona o fato bem conhecido de que também nas democracias há perigos que excedem o poder de controle do estado. A qualidade deste trabalho, sua transparência jurídica e a precisão das colocações não poderiam passar despercebidas nem a leigos bem intencionados, muito menos a juristas. Então, a absurda e bizarra polêmica que se criou em torno à validade do despacho, só pode atribuir-se aos sujos interesses que o requerimento de Itália tem mobilizado em alguns atores sociais brasileiros.

Apesar de que a AGU se omita em relação com as fraudes no julgamento de Battisti (embora tampouco negue a sua existência), o argumento da AGU é mais do que suficiente para que qualquer corpo jurídico com um mínimo de honestidade pública rejeite a extradição. Como isto não é o que vivemos no Brasil, desejo fazer uma justificação bem mais detalhada.

Os Argumentos da AGU

Um anterior ministro do STF, Eros Grau, mencionou, num artigo escrito para uma revista jurídica, que o chefe de estado era o único que poderia decidir sobre a recusa da extradição, desde que se adequasse ao Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana (assinado em 1989, aprovado em 1991, ratificado, promulgado e publicado em 1993), e ofereceu, como exemplo de possível uso desse tratado, o artigo 3º, número 1, letra f.

Os argumentos do parece do consultor da União, como os do despacho baseado nele, retomam a mesma linha de raciocínio. O item mencionado diz o seguinte:

Artigo III

Casos de Recusa da Extradição

1. A Extradição não será concedida:

a)… b)… c)… d)… e)…

f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados. [Grifos Meus]

Cesare Battisti foi um militante político da esquerda marxista e, embora tenha deixado a militância em 1978, ainda se considera um cidadão de convicções ou ideologia marxista. Ou seja: continua tendo um tipo de opinião política, que fora fortemente perseguida na Itália.

O tratado recusa a entrega do extraditando se essa opinião política fosse motivo para o agravamento da sua situação. Há dois sentidos de “agravamento”.

  1. Um agravamento da alguém acusado de um delito é sofrer punições adicionais às determinadas pelas leis, que, nos países civilizados, somente estabelecem limitações à liberdade e nenhum outro dano.

Qualquer ação que colocasse em risco a vida ou a integridade física ou psíquica do réu seria um agravamento das condições iniciais. Isto aconteceria se fosse torturado, humilhado, privado de necessidades essenciais, etc. e, finalmente, morto. A morte pode produzir-se por assassinato dos funcionários da prisão ou pelo linchamento da ralé enfurecida com cumplicidade da segurança.

  1. Há um conceito de agravamento adicional ao anterior; o prisioneiro tem a sua situação agravada, quando o tratamento fixado legalmente que receberá no país requerente (neste caso, a Itália) é mais grave que o tratamento que receberia se tivesse cometido o mesmo delito no país requerido (o Brasil) e fosse julgado e punido nele.

Veremos provas evidentes de que ambos os casos de agravamento acontecerão com Battisti: seu estado físico e psíquico será agravado pela forte hostilidade das pessoas que o estão esperando para “acertar” contas, e a pena inicial dada a Battisti será agravada pelas condições carcerárias (caso viva o suficiente como para ser preso)

A Voz de ANTIGONE

Em relação com o agravamento por condições prisionais, quero me basear na autorizada palavra da ONG italiana ANTIGONE, presidida por Patrizio Gonnella e codirigida por Susanna Marietti, ambos militantes de direitos humanos e coordenadores de programas de defesa das vítimas de encarceramento desumano.

ANTIGONE é uma das ONGs de DH mais prestigiosas da Europa, mas, além disso, é a melhor informada e a que realiza mais investigação no campo prisional, que é sua única área de atuação. Em novembro de 2009, escrevi a Patrizio e Susanna pedindo que enviassem uma mensagem objetiva ao presidente Lula, indicando quais eram os riscos que correria Battisti se fosse extraditado. Naquela época, essa carta teve bastante difusão, mas quero reproduzi-la agora em sua versão completa. Todos os grifos são meus.

Exmo. Sr. Presidente do Brasil
Luiz Ignácio Lula da Silva
Secretaria de Direitos Humanos
direitoshumanos@sedh.gov.br

Presidente Lula,
Antigone é uma ONG italiana que trabalha desde há 30 anos pelos direitos humanos das pessoas prisioneiras.

Gostaríamos dar nossa contribuição para tornar VE consciente dos riscos que Cesare Battisti correrá, se ele for extraditado a Itália.

AS CONDIÇÕES DE VIDA NAS PRISÕES ITALIANAS NUNCA FORAM TÃO RUINS COMO SÃO AGORA.

A superlotação priva os prisioneiros de toda dignidade e coloca suas vidas no limite.

Mais de 60 detentos tem cometido suicídio durante 2009, um número nunca visto antes. Muitas pessoas têm morrido em circunstâncias que ainda não foram investigadas, entre as quais está a violência e a falta de cuidado médico.

O regime prisional regido pelo artigo 41 bis da Lei Penitenciária Italiana é tristemente conhecido por ter sido várias vezes criticado pela Corte Européia dos Direitos Humanos.

As sentenças de prisão perpétua são quase sempre cumpridas integralmente, apesar de que a Constituição Italiana diz que as sentenças devem servir para a reintegração social. Brasil, com um profundo sentido de alta justiça, tem abandonado a prisão perpétua.

Nós consideramos realmente, que a vida de Battisti – quem, atualmente, é uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade, e já passou várias décadas desde a época em lhe foram imputados aqueles crimes- seria colocado em risco se fosse extraditado ao nosso país.

Esperando que VE continue considerando as circunstâncias as quais fazemos referência aqui, me despeço.

Atenciosamente

Patrizio Gonnella
(Presidente de Antigone)

Note que Gonnella diz que as condições das prisões são piores de que nunca. Então, elas devem ser piores que na época de Mussolini, que é uma época recente na história da Itália.

Observemos então os possíveis agravamentos:

  1. 1. Morte, pois a organização Antigone diz que “a vida de Battisti […] seria colocada em risco se fosse extraditado…”
  2. 2. Indução a suicídio, pois eles dizem que as condições internas das prisões conduziram a 60 detentos a se suicidar só em 2009 (Em 2010 foi algo maior.)
  3. 3. Violência e Falta de Cuidado Médico. Nenhuma destas duas condições está prevista legalmente na pena. Logo, um prisioneiro submetido a violência, ou abandonado a doenças, esta tendo sua situação agravada.

Esta mesma versão da carta pode ser vista em

http://cesarelivre.org/node/210

La versão original em inglês está em:

http://sites.google.com/lungarbattisti/documentos

Quem não acredite, pode comunicar-se diretamente por e-mail com Patrizio Gonnella, uma pessoa extremamente aberta: presidente@associazioneantigone.it. Como a paranoia dos linchadores nem sempre tem limites, alguns podem pensar que este e-mail é falso. Então, aqui estão as coordenadas completas de Antigone:

Via Zalaffi, 10 – Loc. Renaccio – 53100 Siena – +39 0577 378081 – Fax +39 0577 379059

Ameaças Coletivas

Entre as ameaças coletivas está o clima geral de ódio contra Battisti na sociedade italiana, e em setores específicos da classe política e civil. Não quero enfatizar novamente as provocações e insultos de diversos setores do estado italiano contra o governo e o povo brasileiro, amplamente detalhados no excelente parecer do consultor Moraes Godoy. Cingirei minha apresentação aos desafios recentes, implementados através de ameaças e atos de violência.

Tumulto na Embaixada Brasileira

Manifestações de ódio e vingança contra Battisti e contra Brasil surgem esporadicamente, muitas vezes com vigor renovado. No seguinte vídeo, pode ver-se (e ouvir-se), uma passeata contra a embaixada brasileira em Roma, onde os participantes levantam diversas injúrias contra o Brasil. Veja os principais trechos com especial atenção:

No segundo 21 e seguintes, mostra-se um cartaz onde se chama a Brasil de “cúmplice de um assassino”, o que também é falado por uma mulher do público segundos antes. No instante 2 min 3 seg podem ver-se os símbolos de um grupo que lembra o massacre da rua Acca Laurenzia (ou Laurentia). Nesse estrago morreram cinco jovens fascistas, em janeiro de 1978. Em nenhum documento italiano jamais se acusou ao grupo de Battisti de qualquer vinculação com o crime. Então, o levantamento desse fato naquelas circunstâncias visa criar animosidade sobre uma culpa não real. Nos últimos segundos aparecem dizeres como “Lula Canalha” e frases ofensivas contra os brasileiros, especialmente as mulheres.

http://www.youtube.com/watch?v=CpE_Emsg-yQ&feature=related

No portal de You Tube há uns 20 vídeos sobre o caso, mostrando manifestações de ódio e fobia de variada intensidade.

Proibição de Livros

Em 2004, quando a França aceitou o pedido de extradição de Battisti pela Itália, propagaram-se protestos massivos entre os intelectuais franceses e, em menor medida, entre os italianos. Em 12/02/2004, foi publicado um abaixo assinado no jornal La Repubblica, de centro-esquerda moderada, com uma lista de mais de 1500 nomes de cidadãos que pediam repudiavam a extradição.

Essa reação dos esclarecidos contra a barbárie enraiveceu os que ocupam posições de poder na Itália. Sempre os intelectuais assinantes da lista foram xingados, injuriados, amaldiçoados, mas em janeiro de 2011, o ódio linchador deu um salto de qualidade: agora, eles exigiam a proibição de quaisquer livros (fossem ou não de política) que tivessem sido escritos por quaisquer autores (fossem ou não de esquerda) assinantes da lista. A punição de estendia às pessoas dos escritores: eles não poderiam dar aulas, nem ser convidados para conferências e cerimônias.

Em 15/01/2011, o conselheiro municipal Paride Costa, da prefeitura de Martellago (Veneto), membro de um partido de direita, propôs essa vingança massiva, sendo calorosamente acolhido pelo assessor de cultura da Veneza, Raffaele Speranzon.

A medida mereceu a rápida adesão de Franco Maccari, líder do sindicato nacional de policiais (COISP), uma das corporações trabalhistas mais poderosas da Europa, que propôs a extensão da medida a toda a Itália, e a proibição também de vender qualquer um desses livros.

Você pode ler, entre outros muitos, o seguinte jornal da época:

www.gazzettino.it/articolo_app.php?id=35710&sez=NORDEST&npl=&desc_sez=

Uma jovem e importante conselheira da região do Veneto, Elena Donazzan (n. 1972) apoiou a campanha. Elena (foto) entrou na juventude fascista com 12 ou 13 anos, militou no partido herdeiro direto do fascismo (MSI) e depois em Alleanza Nazionale. Mas ela vai além de seus colegas: não apenas apoia a medida de proibir os livros, isolar os autores e condenar os escritores até que estes se arrependam e retirem seus nomes da lista. Ela, aliás, insulta os poucos políticos sensatos (mesmo inimigos de Battisti) que comparam essa proibição com uma queima de livros nazista. Ela disse que afirmar isso é ser antipatriota e cúmplice de criminosos. Vide:

www.ilcolleinforma.com/2011/01/battisti-donazzan-esagerato-e-privo-di-senso-paragone-con-rogo-libri/

Observemos:

(1)                    Os linchadores não atacam apenas a pessoa Battisti. Atacam também seus amigos.

(2)                    Mas, não só os amigos. Qualquer pessoa neutral, que considere injusta e extradição, mesmo que não tenha nenhuma simpatia por Battisti, também é atacada.

(3)                    Mas, não são apenas os autores: são atacados seus livros, mesmo os que nada têm a ver com política, como os quadrinhos de faroeste (Lucky Luke) de Daniel Pennac.

(4)                    Mas, alguns dos linchadores, ainda chegam ao 4º nível de ódio: atacam também aqueles que se opõem aos ataques.

Quem disse que Battisti corre risco na Itália?

MASTELLA-SAYA

Perigos Concretos e Antecedentes

O clima geral de ameaça é formado pela ralé fascista, pelos políticos delinquenciais e por uma massa de corruptos na qual aparecem muitos nomes, mas não todos. Temos Donazzan, Alfano, Frattini, Gasparri, Pirovano, etc., mas temos milhares que ninguém conhece.

Existe, ainda, um perigo maior: o daqueles que formulam ameaças concretas e que possuem o poder para aplica-las. Algumas dessas ameaças estão até apoiada pela própria lei; exemplo: não cumprir a promessa feita a Brasil de que a punição de Cesare não seria maior de 30 anos.

Aliás, há também os que já tentaram sequestrar ou matar Battisti no passado. Estes antecedentes, como o da operação Porco Vermelho mostram que as ameaças não são apenas possíveis, mas já foram tentadas. Aliás, não apenas foram consentidas, como ENCOMENDADAS pelo estado. Porco Vermelho foi um ato terrorista encomendado pelos serviços de inteligência militares.

Operação Porco Vermelho

Entre 2004 e 2005, o grupo terrorista DSSA (Dipartimento Studi Strategici Antiterrorismo), formado por policiais aposentados liderados pelo mercenário Gaetano Saya (genovês, delegado aposentado) tentou sequestrar Battisti, desaparecido da França, e também outros dois refugiados: Alessio Casimirri, na Nicarágua e Alvaro Loiacono, na Suíça. O SISMI (Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Militare), como se chamava nessa época, pagou uma certa quantia ao DSSA, segundo parece, 2 milhões de euros. O fato não vingou por problemas entre eles, possivelmente briga por mais dinheiro. Atualmente, o DSSA atua sob outra sigla, acompanhando as mudanças nos serviços secretos italianos.

A operação de sequestro se denominou Porco Vermelho, em referência chula à ideologia de esquerda das vítimas. Como é bem conhecido, quando um grupo parapolicial sequestra seus alvos, mas não consegue, por algum motivo, desloca-los, os executa.

Risco de Prisão Perpétua

Battisti foi condenado a duas prisões perpétuas. Como essa condena foi confirmada por um tribunal italiano, o risco de cumprir essa pena é total, e não apenas muito provável, como seria um linchamento. Apesar de ser legal na Itália, a prisão perpétua seria um agravamento da situação do extraditado. Com efeito:

  1. Suponha que Battisti realmente tivesse cometido os quatro homicídios e os tivesse cometido no Brasil, e que os crimes não fossem políticos.
  2. Portanto, Battisti seria acusado de ter cometido 4 homicídios comuns, premeditados, por motivo torpe.
  3. Sua pena seria de 30 anos, que, eventualmente, e considerada uma conduta positiva na prisão, poderia ser reduzida, talvez, a 20 anos.

Mas, na Itália Battisti estaria fadado a cumprir prisão perpétua. Passar de 20 anos de prisão a prisão perpétua, é ou não é um agravamento?

Algumas almas boas e ingênuas, que acreditam na santidade dos membros do Opus Dei, refutam este argumento meu, porque dizem que o relator brasileiro do caso Battisti exigiu a Itália um máximo de pena de 30 anos. Bom… para quem confia na palavra dessa galera, ouçamos as próprias autoridades italianas.

No dia 07/05/2007, o então ministro de Justiça da Itália Clemente Mastella (foto) fez uma revelação a Alberto Torregiani, o filho de uma das vítimas dos Proletários Armados para o Comunismo (o joalheiro Pierluigi Torregiani), segundo o jornal La Repubblica, um dos mais sérios da península. Reproduzo literalmente o começo do §3:

“Nella conversazione con Alberto Torregiani, il ministro avrebbe spiegato che quel riferimento al fatto che Battisti non rischierà il carcere a vita, era dettato dalla volontà di evitare eventuali problemi con l’autorità giudiziaria del Brasile, paese nel quale l’ergastolo non è previsto.”

“Na conversa com Alberto Torregiani, o ministro teria explicado que aquela referência ao fato de que Battisti não corre risco de passar a vida no cárcere foi ditada pela vontade de evitar qualquer problema com a autoridade judiciária do Brasil.”

[grifo meu]

www.repubblica.it/2007/03/sezioni/cronaca/battisti-arresto/mastella/mast…

Matéria intitulada: Farò di tutto per estradare Battisti

Essa explicação foi exigida pelos familiares das “vítimas”, que se incomodaram com uma declaração feita por Mastella ao Corriere della Sera. Ele tinha prometido ao Brasil que a pena de prisão perpétua não era real. O preso teria direito a descontos, liberdade antecipada, saídas periódicas e outras vantagens, o que enfureceu os parentes de Torregiani e Sabbadin. Veja a declaração de Mastella no Corriere.

http://archiviostorico.corriere.it/2007/maggio/07/Battisti_parenti_delle…

Alberto Torregiani comentou essa afirmação de Mastella.

“Se isso que Mastella falou é uma jogada para obter a extradição […] e depois aplicar as leis sem desconto, tudo bem. Ora, se querem deixá-lo livre em alguns anos, Mastella deve se demitir”. [Grifo meu]

Mastella emitiu uma nota oficial onde explicava:

“Isso que parece uma avaliação fraca dos crimes de Battisti, em realidade foi um truque para ter sucesso na entrega do extraditando”. [Grifo meu]

A matéria completa mostra de que maneira o ministro pensava “enganar” os brasileiros para que acreditassem que o tratado do prisioneiro seria o mesmo que no Brasil, e aceitassem a entrega. Mastella se limita a falar de “convencer” os brasileiros, mas não diz (obviamente) que a cúpula do STF era cúmplice de sua manobra.

www.archivio900.it/it/articoli/art.aspx?id=8176

Em março de 2009, vários italianos condenados a prisão perpétua enviaram uma carta aberta ao presidente Lula, agradecendo que, ao recusar a extradição de Battisti, mostrasse sua preocupação por uma pena cruel e desumana como a prisão perpétua. Minha tradução desta carta pode ser acessada no site

http://apesardevc19641985.blogspot.com/2009/09/carta-aberta-ao-president…

A Itália tenta amenizar no exterior a excessiva crueldade de seu sistema prisional, e faz acreditar aos governos que os detentos com boa conduta podem ser liberados aos 26 anos, mas, na realidade, dúzias de condenados já passam dos 30 anos de cadeia e até há casos de 47. Um excelente artigo de Tito Papo está em:

www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/09/454317.shtml

Acertos de Contas

No 20/01/2009, o sindicato de carcereiros da Itália OSAPP exigiu a imediata extradição de Battisti, sendo a primeira instituição privada que se manifestou. Segundo a agência ANSA, os carcereiros manifestaram o seguinte:

“A extradição não deve ser negada”, ressalta a OSAPP, referindo-se à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder o refúgio político a Battisti.

Desta forma, a organização de agentes carcerários se uniu ao jornal Il Tempo, que em sua edição de hoje faz um apelo explícito ao governo brasileiro para que “de nenhuma maneira seja responsável por ajudar Battisti”.

O secretário do sindicato, Leo Beneducci, explicou que a iniciativa da organização se deve ao fato de que o agente penitenciário Antonio Santoro foi uma das pessoas mortas por Battisti. [grifo meu]

www.ansa.it/ansalatinabr/notizie/notiziari/brasil/20090120141734808221.html

NOTA. Beneducci não é o típico exemplo de policial truculento, e até tem mostrado atitudes humanitárias em alguns momentos. Ele responde a pressões e ameaças de seus membros, segundo fontes bem informadas.

Ora Battisti supostamente matou quatro pessoas. Por que a OSAPP invoca apenas uma das mortes? O texto mostra claramente que os carcereiros procuram vingança e não justiça. Justiça seria pedir a punição de alguém por todos seus delitos, mas a OSAPP só está preocupada pelo seu associado: Antonio Santoro. É um claríssimo caso de feudo de sangue corporativo.

Como OSAPP é o sindicato dos carcereiros, então Battisti será “cuidado” pelos que querem vingança. A certeza de execução dentro da prisão, ou a aplicação de torturas só pode ser negada por aqueles que, seja no Brasil ou na Itália, têm interesses nojentos na extradição (sejam políticos, financeiros, ideológicos, etc.). Aliás, desde 1965, a Itália é o campeão europeu de torturas e terrorismo de estado, mais que os governos fascistas da Espanha e do Portugal no mesmo período.

MACCARI-LARUSSA-DONNAZA

Guerra com o Brasil?

O site do OSAPP e reproduz uma frase do sindicato da polícia, COISP:

Bisognerebbe entrare in guerra con Paesi che consentono a degli assassini di starsene comodamente…

Precisaríamos entrar em guerra com os países que consentem que os assassinos fiquem comodamente…

O autor desta bravata é o secretário geral do Sindicato Policial (COISP), Franco Maccari (foto). Este alto oficial da polícia (líder da famigerada chacina de Gênova durante o G8) não é um desconhecido, cuja opinião possa ser desprezada. É claro que não está planejando uma guerra com o Brasil, mas matar não apenas uma, mas, uma centena de pessoas seria muito mais fácil que uma guerra.

www.nsd.it/forze-di-polizia/coisp-duro-attacco-al-governo-brasiliano-per…

Ameaças de “Vítimas”

Os particulares têm seus próprios planos de vendetta. Para se informar sobre o ódio pessoal e os possíveis projetos de vingança, é ilustrativo o site AIVITER, cujo endereço é este:

www.vittimeterrorismo.it/iniziative/spinelli.htm

Neste portal, há duas coisas que chamam a atenção:

Apesar de ter havido muitos megaatentados terroristas durante 11 anos, com centenas de mortos e milhares de mutilados, o site só se refere a eles de vez em quando. Os editores acusam a esquerda de qualquer ato contra policiais, militares, juízes e fascistas civis, mas não fala dos autores dos megaatentados, que eram fascistas. Apenas lembra a data e prepara algumas lembranças inofensivas (atos públicos, corais, missas, etc.)

Eles mantêm, durante anos, uma página dedicada a Battisti, onde não pedem apenas a extradição. Exigem represálias contra a França e o Brasil, insultam os que peticionaram a liberdade do escritor, e até atacam os grupos neostalinistas porque, apesar de estar a favor da extradição de Battisti, evitam ser vistos nos atos dos neofascistas de AIVITER. O editor da página reclama que o Partito Democrático (os ex-stalinistas) se envergonham de seus irmãos de causa.

Numa das várias conversas das vítimas com Mastella, estas insistiram que a prisão não era suficiente pois “Quell’uomo presto uscirà dal carcere” (aquele homem sairá do cárcere logo), apesar de que não se conhece quem tenha podido fugir do 41-bis.

Ameaça de um Ministro

Enquanto os profissionais da violência, como policiais e carcereiros, fizeram ameaças muito concretas de “acertar contas” com Battisti, os altos políticos, incluídos os fascistas, preferiram mostrar seu ódio com “simples” injúrias e obscenidades. Um caso, especial, porém, foi o do ministro de defesa, Ignázio la Russa, antigo chefe de Il Fronte della Giuventù, filho de um grande líder fascista e ele próprio membro de vários grupos fascistas (entre eles o MSI), em sua idade adulta. Destacou-se por sua amizade com o terrorista Nico Azzi, falido autor da explosão de um trem, e protegeu alguns dos autores do estrago de Piazza Fontana.

O jurista brasileiro Luís Barroso menciona uma ameaça feita publicamente por La Russa de que desejaria torturar Battisti.

http://mg1.com.br/plus/modulos/noticias/ler.php?cdnoticia=2729

Num tom menos explícito, La Russa declarou aos jornalistas que ele tinha interesse em “falar a sós” com Battisti, quando o tivesse trancafiado na prisão.

Balanço dos Agravamentos

Em que consistiria o agravamento da situação de Battisti?

Tipo de Agravamento

Prova de Existência

Probabilidade

Prisão perpétua, que é ILEGAL para os padrões brasileiros

Declarações do Ministro Mastella de que não cumpriria as promessas feitas ao Brasil

TOTAL

Tortura e Diversas Formas de maus Tratos

Ameaças do Sindicato da Polícia

ALTÍSSIMA

Idem

Ameaças Sindicato de Carcereiros

ALTÍSSIMA

Idem

Ameaças do Ministro da Defesa

ALTA

Assassinato

Ameaças de policiais e civis

ALTA

Idem

Ameaças de carcereiros

ALTÍSSIMA

Linchamento

Ameaças de políticos, da ralé fascista, de magistrados, de ONGs de militares e policiais

MUITO ALTA

Precisa-se muito cinismo para pensar que todos estes dados são insuficientes para inferir a existência de risco na Itália. Se os caporegimi do STF podem sustentar isto, é porque na sociedade existe uma absoluta impunidade para os donos do verdadeiro poder. A exigência do STF de “analisar” as razões dadas pela AGU vai além do: é um olhar para a sociedade e dizer: “Estão vendo, seus… Nós temos o poder e fazemos o que queremos”.

É claro que isto não tem consequências apenas para Battisti. Milhões de pessoas vivem sob essa tirania e talvez nunca consigam se alforriar dela. Hoje, ninguém participa de movimentos de esquerda armados, mas é errado pensar que eles são as únicas vítimas destes inquisidores medievais. Quase toda a sociedade carece de direitos de gênero, raciais, de vida íntima, de liberdade de crença, etc. Até a formal liberdade de opinião, que não faz dano a ninguém, é punida. Grandes jornais são censurados, pessoas que denunciam o racismo ou a tortura são acusados de injúrias. Um verdadeiro século 13.

4 comentários sobre “Extradição, Tortura e Morte”

  1. Como italiano, me sinto indignado lendo uma reconstrução tão sectária da história e, sobretudo, uma visão da vida e da sociedade italiana tão longe da realidade. Sinto muito, ma s a Itália não é um País incivil! Tem corrupção, abuso e assim por diante? Claro! De vez em quando isso acontece (por que, no Brasil não?), mas não é a regra. Quem acusa a justiça italiana de perseguição política fascista, ou mente sabendo de mentir, ou não conhece nada da Itália. A maioria dos juizes italianos são militantes de partidos de esquerda (sobre isso tem uma polemica muito forte); o nosso presidente é um ex dirigente do partido comunista; a absoluta maioria dos condenados à prisão perpétua de extrema esquerda estão agora em semiliberdade ou até soltos (alguns viraram jornalistas). Essa é a verdade. O artigo mostra a opinião de idiotas, políticos ou não, que falaram besteiras. Idiota nunca falta, infelizmente, mas essa não é a maioria dos italianos. Aqui não costumamos linchar ninguém; falar o contrário é insultar um povo democrático e pacífico.

  2. Senhor Paulo e outras pessoas com iguais opiniões.
    Sua refutação de meu artigo está feito num estilo honesto e articulado, o que é excepcional em nossa mídia, e por isso acredito que merece uma resposta.
    1. A reconstrução pode ser parcial, como tudo o que se faz de maneira comprimida, mas não é sectária nem irreal. Os dados estão rigorosamente baseados em jornais italianos, como Repubblica, e muitos outros. Há várias filmagens que eu menciono, que não podem ser sido forjada. O senhor reconhecerá aí locais de Roma, Milão, etc.
    2. O tema da corrupção não foi colocado por mim nem veio a tona. Não sei por que o senhor tenta explicar isso. laro que a corrupção no Brasil, e talvez seria difícil estabelecer seu tamanho. Mas, não estou lidando com corrupção mas com outras coisas que, para mim, são mais graves: ODIO IDEOLOGICO, LINCHAMENTO, TORTURA E ASSASSINATO.
    Tudo isso também tem Brasil em diversas proporções (mais tortura e assassinato que na itália, e menos ódio ideológico), mas ATACAR ITÁLIA NÃO SIGNIFICA DEFENDER O BRASIL.
    3, Acredito que o senhor, ao falar de juízes de esquerda, se refira aos TOGHE ROSSE, que são algo como o 8,4 % do total de magistrados. ISSO É O QUE O SENHOR CHAMA MAIORIA? Que eu saiba, “maioria significa” mais de 50%.
    4. Não estou atacando apenas os fascistas. Reconheço que não falei nisto neste artigo, mas se e Senhor ler outros recentes, nesta mesmo site, verá que sempre atribui a perseguição a Battisti à aliança FASCISTA-STALINISTA; Jamais diria que Napolitano é fascista, é óbvio, mas, tal como Sartre, Camus e pessoas muito mais importante que eu, não diferencio claramente o maior valor moral do stalinismo comparado com o fascismo.
    5. É verdade que há vários membros da ultraesquerda livres, como Pietro Mutti, Sante Fatone, Cecília Barbetta e outros… todos sabemos por que foram liberados. Quanto aos jornalistas que foram membros da ultra, como Paolo Persichetti ainda estão presos.
    6, Está longe de meu ânimo mostrar só a opinião de alguns idiotas. Isso seria má fé. Coincido em que não foram idiotas o que construiram a sociedade de Galileu, Beccaria, Gramsci e outros. Mas esses que eu citei SÃO OS QUE TEM O PODER. Seria racismo dizer que em algum países prediminam o número de idiotas. Pela contrário, a maioria é inteligente, mas isso não tem força quando há un grupo de idiotas, mesmo pequeno, que tem as armas, parte da mídia e o dinheiro. Não duvido que Maccari, La Russa, Saya, Alfano, Mantica, Frattini, d’Alema, etc, sejam minoria. Sei que são. Mas, lembremos, QUANTAS PESSOAS SE PRECISAM PARA MATAR OU TORTURAR UM PRISIONEIRO.
    7, Tampouco os linchadores são maioria, mas, por exemplo, para os refugiados albaneses, líbios, africanos, ciganos, etc., basta digamos uma milhar de linchadores para destruir suas casas e matar suas famílias. Seria ridículo que eu negasse que no Brasil há tortura, linchamento, brutalidade policial, genocídio e outras atrocidades, e os movimentos de direitos humanos fazemos o possível para lutar contra elas. As mazelas que temos no Brasil, que são piores que as de Itália, NÃO JUSTIFIQUE QUE TAMBÉM COLABOREMOS COM AS ATROCIDADES ALÉM DO MAR. Quando o Brasil, excepcionalmente, protege alguém, pelo menos, é um gesto nobre no meio a muitas aberrações.
    Meu e-mail é carlos.lungarzo@gmail.com.
    Se o Sr. tiver um e-mail real, posso mandá-lhe parte de nossas provas no caso Battisti. Obrigado por sua atenção.
    Carlos Lungarzo

  3. Senhor Lungarzo, agradeço pela resposta, mas continuo não concordando. Lendo o que o senhor escreve, a opinião que um leitor vai se formando sobre a Itália é dum País não democrático, onde tortura e abuso são cotidianos. Até parece que a Itália seja como a Espanha da época do Franco, para dar um exemplo. Só que não é bem assim. Lendo o artigo do senhor (e outros que aparecem no Brasil) falando sobre o nosso País, nós italianos olhamos um ao outro dizendo: “mas do que estão falando?”? Temos um governo de centro-direita, e bem? A França também. Mas é um governo democraticamente eleito; os ex fascistas (1,5%) estão fora do governo, e a parte de centro puro é mais do 70% da força da coalição. Na Itália tem liberdade de opinião (os otários que ameaçaram de morte o Batisti no caso volte aqui também têm, mesmo se quase gostaria nesse caso que eles não tivessem). A informação é livre e, estatisticamente falando, quase totalmente antigovernativa; o fato do premier ser dono de canais televisivos não conta nada, pois 2/3 dos telejornais dele só falam contra ele (outra prova da liberdade de informação). O senhor fala como se aqui a gente costumasse matar as pessoas na rua ou na cadéia, que nem o Iran. Não acha que eu que nasci e moro aqui saberia de alguma coisa, se as pessoas morressem continuamente nas prisões? O então acha que os italianos sejam tão idiotas e mau informados para não ver a realidade na frente dos olhos? Se o Battisti voltasse pra cá, iria pra prisão e ficaria preso máximo 20 anos, disso eu tenho absoluta certeza… Matá-lo? Quem, e por quê? Os responsaveis de terrorismo e massacres estão presos e ninguém tocou neles em 30 anos. Por que o Battisti deveria ser uma excepção? Ninguém acha ele mais importante do que outros. Aqui todo mundo o considera um criminoso comum, um simples assassino, não um guerrilheiro político. Não esqueça que o Battisti “descobriu” a luta política quando já tinha tido problemas com a justiça comum. Ninguém quer vingança, apenas justiça. Agradeço pela atenção; sei que um gringo (que ama o Brasil de paixão, mas continua sendo um gringo) nem deveria falar num debate brasileiro, mas não posso ficar calado lendo opiniões tão injustas do meu País.

  4. enhor Lungarzo, agradeço pela resposta, mas continuo não concordando. Lendo o que o senhor escreve, a opinião que um leitor vai se formando sobre a Itália é dum País não democrático, onde tortura e abuso são cotidianos. Até parece que a Itália seja como a Espanha da época do Franco, para dar um exemplo. Só que não é bem assim. Lendo o artigo do senhor (e outros que aparecem no Brasil) falando sobre o nosso País, nós italianos olhamos um ao outro dizendo: “mas do que estão falando?”? Temos um governo de centro-direita, e bem? A França também. Mas é um governo democraticamente eleito; os ex fascistas (1,5%) estão fora do governo, e a parte de centro puro é mais do 70% da força da coalição. Na Itália tem liberdade de opinião (os otários que ameaçaram de morte o Batisti no caso volte aqui também têm, mesmo se quase gostaria nesse caso que eles não tivessem). A informação é livre e, estatisticamente falando, quase totalmente antigovernativa; o
    fato do premier ser dono de canais televisivos não conta nada, pois 2/3 dos telejornais dele só falam contra ele (outra prova da liberdade de informação). O senhor fala como se aqui a gente costumasse matar as pessoas na rua ou na cadéia, que nem o Iran. Não acha que eu que nasci e moro aqui saberia de alguma coisa, se as pessoas morressem continuamente nas prisões? O então acha que os italianos sejam tão idiotas e mau informados para não ver a realidade na frente dos olhos? Se o Battisti voltasse pra cá, iria pra prisão e ficaria preso máximo 20 anos, disso eu tenho absoluta certeza… Matá-lo? Quem, e por quê? Os responsaveis de terrorismo e massacres estão presos e ninguém tocou neles em 30 anos. Por que o Battisti deveria ser uma excepção? Ninguém acha ele mais importante do que outros. Aqui todo mundo o considera um criminoso comum, um simples assassino, não um guerrilheiro político. Não esqueça que o Battisti “descobriu” a luta política quando
    já tinha tido problemas com a justiça comum. Ninguém quer vingança, apenas justiça. Agradeço pela atenção; sei que um gringo (que ama o Brasil de paixão, mas continua sendo um gringo) nem deveria falar num debate brasileiro, mas não posso ficar calado lendo opiniões tão injustas do meu País.

    Meu caro Paolo:
    Obrigado pela sua resposta. Vou responder a mesma começando pela frase final que, devo ser sincero, me chocou. Não considero você um “gringo”, mas um cidadão do mundo, e acredito que qualquer pessoa tem direito a opinar, em quaisquer termos do Brasil ou de outro país. O patriotismo é a mãe de todas as desgraças. Aliás, como você pode deduzir por meu nome, eu sou de família italiana, também. Acho que a Itália foi uma das maiores culturas do planeta, pois criou a ciência (com efeito, antes de Galileo Galilei não existia física, apesar de sua genialidade, Arquimedes foi matemático aplicado e não física). Mas importante ainda, a Itália criou o direito humanitário. Ninguém se compara na história da justiça ao grande marquês de Beccaria, a Itália criou o paganismo renascentista, como pessoas com Giordano Bruno, e acen deu o poder dos sentidos que a Igreja tinha desterrado. O que seria a cultura ocidental sem Passolini, Bertolucci, Bocaccio e muitos outros?
    O reino de Napoles derogou a pena de morte antes que a Suécia (creio que foi em 1760 ou 70), e nos começos da modernidade Veneza e Florença eram lugares onde as mulheres gozavam de ampla liberdade e até o sexo homoerótico era bem visto. Eles tiveram repúblicas antes da revolução francesa, e várias vezes o dux se recusou a obedecer o Papa.
    Ninguém está falando mal da cultura italiana, meu caro Paolo. Entendo que as críticas doem, mas devem ser analisadas criticamente. Eu acho que o Brasil tem coisas maravilhosas, um povo meigo, uma sensualidade exuberante, um sentido hospitaleiro maravilhoso, mas está totalmente dominado por uma elite escravagista e racista, que mantém 70% do povo na miséria, mesmo que se diga que muitos são “emergentes”, apenas porque foi construída uma nova linha da miséria. Eu não apenas não me ofendo, como colaboro com qualquer denúncia sobre as barbáries em nosso país: aqui a Polícia entra nas favelas atirando, mata mulheres e crianças para juntar mortos e coloca cocaína em seus bolsos. Se vc nos ajuda a combater essas mazelas, estaríamos gratos e nunca diríamos que está violando nossa soberania (ao dizer “nós” me refiro aos defensores de DH, que somos realmente libertários e não, certamente, à falsa esquerda que também o Brasil tem).
    Continuando agora com a ordem racional de sua nota, quero dizer vários pontos. Eu, pessoalmente, não ataco o governo italiano, mas o establishment subjacente que ainda tem enorme poder. Se vc lê meus trabalhos (são quase 100) sobre Cesare, verá que quase nunca caio na vulgaridade de criticar Berlusconi. Eu acho o Berlu um cara egoísta e oportunista, que poderia ser de qualquer ideológica. Não é um verdadeiro fascista. Aliás, ele foi quem se mostrou mais proclive a aceitar a decisão de Lula, embora, obviamente, não pode tornar isso público.
    Entendo, Paolo, que há talvez certa pressa ou falta de cuidado ao quantificar os dados. Se falarmos do governo central, La Russa é um típico fascista, e um dos mais agressivos. Alfano, Mantica, e outros passaram por partidos derivados da Alleanza. O único que possui um passado democrático entre os ministro é Frattini, mas democracia não implica necessariamente bom senso ou espírito humanitário. Se juntamos os governos locais, a coisa pode ser mais pesada. Em alguns lugares há muitos sindacos neofascistas.
    Aliás, eu não sou um fanático antifascista. Sou um marxista humanista, seguidor de Escola de Frankfurt e fui criado na Nova Esquerda do 68 na França e no 77 na Itália. Portanto, saber que alguém é um ex-stalinista não me deixa sossegado, embora reconheça que são muito mais cuidadosos e menos brutais que os neofascistas. Ocalam foi traído por D’Alema, e não por Berlusconi.
    Em algumas partes creio que vc extrapola levemente. Jamais disse que os italianos andam matando pelas ruas, como na Somália (talvez o exemplo de Irã não seja o melhor; aí é o governo que mata). Mas, quantas pessoas se precisam para linchar alguém? É suficiente uma turva de 200 pessoas para fazer um linchamento.
    Concordo com vc, em que o ódio não atacou todo o país. Aliás, nem disse isso. Por causa do caso Battisti viajei várias vezes (à minhas próprias expensas, algo que é importante, porque em Brasil todo mundo acusa aos outros de corrupto). Comprovei que muitas pessoas sensatas nem se interessam pelo caso Battisti. Em Udine, perguntei a um taxista, e me disse: “eu acho que Battisti sabe muitas coisas sobre aquela épocas”. É claro que o taxista está equivocado, mas essa reflexão faz notar que ele não está fanatizado contra.
    Se Cesare for extraditado, poderia acontecer, sim, que o governo tente protege-lo e até reduza sua pena. Observe que nunca disse que estava ameaçado diretamente pelo governo, salvo por La Russa. Mas, isso não é de grande valor, meu amigo. Em países com um sistema prisional supertecnificado, como nos EEUU, grupos de interesse matam dentro da prisão a quem quiserem, goste ou não o governo.
    Entendo seu argumento de que vocês deveriam saber se houvesse os abusos que nós denunciamos. É verdade que a cultura italiana, e o hábito de ler jornais, faria mais fácil saber o que acontece que aqui no Brasil, onde os abusos policiais, genocídios, torturas, são conhecidos apenas por 30% ou menos da população.
    Mas, os fatos que acontecem nas prisões, salvo em países muito avançados (creio que, no máximo, são os 4 países escandinavos, a Suíça, Monaco, Luxemburgo e outros países pequenos), são difíceis de conhecer para grande parte da população. Os dados de indução ao suicídio e abandono médico dos prisioneiros estão muito provados. O grupo de Siena que trabalha nisso não teria motivo para mentir. Amnesty também não tem. Não somos, como dizem muitos, agentes da CIA, embora possa haver alguns infiltrados.
    Finalmente: se Cesare cometeu delitos comuns em sua juventude não tem a menor importância. Muitos revolucionários não são intelectuais, como foi Lênin ou o Che, a maioria vem de setores baixos da população. Por outro lado, é necessário colocar-se um limite: ATÉ ONDE PODE LEVAR-SE UMA VINGANÇA? Não dizia Beccaria que a pena só deve ser aplicada para socializar ao réu. Battisti está ressocializado desde 1982. Para que tanto ódio?
    Bom, apesar de nossas diferenças, foi um prazer polemizar com vc. Percebo que é uma pessoa inteligente, sensível, e bem intencionada.
    Um abraccio

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