Cai a tarde, morre o dia

Que refinada sensibilidade! Quanta poesia, nessas estrofes! Regozijamo-nos com as múltiplas potencialidades dos Poetas Sertanejos, seja em sua produção instantânea, seja em sua elaboração não-instantânea, desde que, ambas, impregnadas de imagens poéticas, como é bem o caso da canção que segue, e cuja autoria não consegui identificar.

A composição refaz poeticamente a trajetória do cotidiano do jangadeiro nordestino, enfatizando sua relação com a jangada e seus rústicos equipamentos, com o remo, com o mar, com as ondas, com os astros, com o Sol, com o “vento praiano”, com o “cair da tarde”, com o nascer da Lua, com a areia prateada…

Cada estrofe tem sua densidade singular. Eis o que se dá, por exemplo, naquela em que o Poeta se sente deslumbrado com a bela interação dos elementos da Natureza: “É contagiante o sopro/ Que o vento praiano traz / Cochichando aos coqueirais / Num leve balbuciar / Deixando todo lugar / A praia aromatizada / Nasce a Lua prateada / Clareando a beira-mar”.

Mais do que destacar uma estrofe, importa atentar para a beleza impactante das imagens, em sua genialidade poética, presentes nas estrofes, entre as quais vale a pena sublinhar algumas. Comecemos pelo estribilho: “Nasce a Lua prateando / Clareando à beira-mar”. Já segunda estrofe, encontramos: “Na cova azul do poente / Depois do Sol se enterrar”. Na terceira estrofe,
encontramos: “Quando é de tardezinha / O vento rasga a procela”.

Não menos primorosas são as imagens de outras estrofes. Ao referir-se, na quarta estrofe, aos encantos do “do sopro do vento praiano”, o Autor poetiza: “Cochichando aos coqueirais / Num leve balbuciar / Deixando todo lugar / A praia aromatizada”. Já na sexta estrofe, ao contemplar o movimento do mar revolto, lhe vem a seguinte imagem, em que o mar: “Estremece, não estanca /
Um cordão de espuma branca / Fica na onda a bailar / Faz desenho e faz colar”.

Tão belas são igualmente as imagens que o Autor concebe nas últimas estrofes selecionadas, que preferimos que os leitores, as leitoras o confiram, no contexto das mesmas, a se deliciarem com imagens como “As jangadas cambaleiam sobre as ondas violentas / As gaivotas pardacentas são acrobatas no ar”…

Cai a tarde, morre o dia
Vai o Sol, vem a jangada
Nasce a Lua prateada
Clareando à beira-mar

Eu fico ao cair da tarde
Na terra do jangadeiro
Vendo esse herói brasileiro
Que não cansa de remar
Olhando a onda quebrar
Sobre a água esverdeada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…
Às seis horas toca o sino
Numa prece comovente
Na cova azul do poente
Depois do Sol se enterrar
Faz o crepúsculo ficar
Com a cor ensangüentada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…

Quando é de tardezinha
O vento rasga a procela
A jangada estende a vela
Pro pescador regressar
Pra noite se aproximar
Morre a tarde ensolarada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…

É contagiante o sopro
Que o vento praiano traz
Cochichando aos coqueirais
Num leve balbuciar
Deixando todo lugar
A praia aromatizada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…

O jangadeiro passeia
Por entre velas e mastro
É guiado pelos astros
Para ir ou pra voltar
Só tem três pra confiar:
Ele, Deus e a jangada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai tarde, morre o dia…

Quando o mar está revolto
Estremece, não estanca
Um cordão de espuma branca
Fica na onda a bailar
Faz desenho e faz colar
Na areia cristalizada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…

As jangadas cambaleiam
Sobre as ondas violentas
As gaivotas pardacentas
São acrobatas no ar
Nuvens trocam de lugar
Deixam a noite enfeitada
Nasce a Lua prateada
Clareando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…

Na solidão oceânica
Jangadeiro solitário
De noite tem por cenário
Estrelas, céu e luar
O corpo a se balançar
Nos sopapos da jangada
Nasce a Lua prateada
Clarando a beira-mar

Cai a tarde, morre o dia…

No que tange aos aspectos da forma, as estrofes se apresentam, como vemos, sob o estilo de canção, inclusive com seu deslumbrante estribilho – uma quadra setessilábica, com rima no estilo ABBC. As demais estrofes são de oito versos, cada qual com sete sílabas. Versos rimados ao modo ABBCCDDC.

In: Florilégio de estrofes da poesia sertaneja (João Pessoa: Edições Buscas, 2009)

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