A ditadura do PMDB no Rio

Durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi o partido de oposição ao regime. A suposta redemocratização do Brasil se deu com a liderança de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Desde então, a legenda, que passou a chamar-se PMDB, esteve quase sempre no primeiro escalão federal. Tudo o que se sabe nas eleições presidenciais deste ano é que, seja quem for o eleito, o partido permanecerá no poder. Já no estado do Rio de Janeiro a presença peemedebista é ainda mais marcante.
Tradicionalmente tratado como moeda de troca por PT e PSDB, o PMDB exerce uma influência sem paralelo na história do estado. O governo, a prefeitura da capital, a Assembleia Legislativa e a Câmara de Vereadores são, todos, capitaneados por peemedebistas. Dos 92 prefeitos fluminenses, 91 apoiam ou não se opõem à reeleição do governador Sérgio Cabral (PMDB). Nas estatais com sede no Estado, o deputado federal Eduardo Cunha (RJ) e o senador José Sarney (AP), ambos peemedebistas, têm forte influência.
A aliança para reeleger Cabral uniu ao PMDB outros 15 partidos. Principal adversário até há pouco tempo, o expeemedebista Anthony Garotinho, atualmente no PR, teve a candidatura impugnada e já desistiu de concorrer ao governo. Pela segunda eleição consecutiva, as acusações contra Garotinho surgiram às vésperas do pleito. Há os que atribuem à impugnação evidências de que a influência do PMDB chega, inclusive, aos órgãos da Justiça Eleitoral. Agora, Cabral tem como único oponente de maior densidade eleitoral o deputado federal neodireitista Fernando Gabeira (PV). Partidos de tradição progressista, como PT, PDT e PcdoB, formam aliança com Cabral, que, segundo pesquisas, será eleito no primeiro turno.
Prefeitos alinhados
Na prefeitura do Rio de Janeiro, cidade com 40% do eleitorado, está Eduardo Paes (PMDB). Em 2008, ele foi lançado de última hora na campanha. Garotinho, então no PMDB, tentava emplacar Marcelo Itagiba, hoje no PSDB. Cabral dizia apoiar o então candidato do PT, Alessandro Molon. De última hora, traiu Molon, lançando Paes. Com financiamento recorde na campanha, o atual prefeito saiu de desconhecido a vitorioso. Já no primeiro mês de mandato, substituiu boa parte da administração, que estava há uma década e meia sob comando de Cesar Maia (DEM) e aliados.
O único prefeito que ainda não se posicionou em relação ao apoio a Cabral é o de Campos dos Goytacazes, Nelson Nahim (PR), que substituiu a esposa de Garotinho, Rosinha (PR), legalmente afastada. Nahim é irmão de Garotinho, mas também amigo de Cabral. Até o prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito (PSDB), deu declarações de não enfrentamento. Suposto apoiador de Gabeira, Zito é historicamente acusado, na cidade, de mandar executar aliados. Sua esposa, a deputada federal Andrea Zito (PSDB), fez recente caminhada ao lado de Cabral, em campanha, na cidade. O prefeito estaria colocando a estrutura municipal toda a favor de Cabral. Ao todo, 38 prefeitos da base aliada do governador e 19 da oposição farão campanha assumida para ele. Os outros não vão se opor.
A adesão maciça dos prefeitos à candidatura de Cabral talvez possa ser explicada pela relação de dependência que lhes foi imposta durante os quatro anos do mandato peemedebista. O governo estadual já investiu, por exemplo, R$ 25 milhões em obras. Há ainda a aliança tríplice entre governos federal, estadual e municipal (capital). Boa parte dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é aplicada no Estado. “O PMDB faz política a partir da máquina do Estado. Boa parte das prefeituras que dão apoio é da oposição. É o apoio pelo interesse. O governo manipula, por exemplo, os recursos dos royalties [do petróleo]. Os métodos são o fi siologismo e o clientelismo”, explica o cientista político Leo Lince.
Neochaguismo
José Rechuam (DEM), prefeito de Resende, no sul do Estado, deixou claro o motivo das alianças ao afirmar, publicamente, que a campanha eleitoral não havia começado agora. Segundo ele, teria iniciado há um ano e meio, com os investimentos do governo estadual. Presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB) é outro que detém enorme poder. É o candidato ao Senado imposto, inclusive, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que preferia formar aliança com Lindberg Farias (PT), prefeito de Nova Iguaçu (RJ) até abril, e com o senador Marcelo Crivella (PRB). Na Câmara Municipal, o presidente Jorge Fellipe é o peemedebista que controla uma base de 31 dos 51 vereadores.
Embora inédito, o cenário traz um óbvio paralelo com o chaguismo. Uma das maiores expressões do antigo MDB, Chagas Freitas governou a antiga Guanabara de 1971 a 1975, e o estado do Rio de 1979 a 1983. Ele tinha controle sobre a maioria das prefeituras e sobre a Alerj. “O Rio foi um estado historicamente oposicionista, mas o MDB era um feudo do Chagas Freitas. Era uma falsifi cação da oposição popular, que segue até hoje”, afirma Virgínia Fontes, professora de História aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Nos últimos cinco anos, perderam-se totalmente. Eles têm se diferenciado cada vez menos. O PMDB abriga aqueles que já optaram pela emancipação popular, mas que agora estão na descaracterização desse processo”, completa.
Ex-presidente da Alerj, Sérgio Cabral tem relação de amizade histórica com prefeitos e teria o domínio dos mecanismos de controle pelo clientelismo. A aliança com o PT, nos planos estadual e nacional, também ajuda. A aliança com o partido fragilizaria o eventual surgimento de uma oposição à esquerda – atualmente rarefeita, protagonizada pelo Psol e por dissidentes de PT e PDT. O deputado federal Eduardo Cunha é outro que exerce forte infl uência. O presidente de Furnas, Carlos Nadalutti, teria sido indicado por ele. José Antonio Muniz, presidente da Eletrobrás, também com sede no Rio, é da cota do senador José Sarney (AP). Na Petrobras, o partido aponta diretores e controla a Transpetro – o presidente, Sérgio Machado, foi indicado pelo senador Renan Calheiros (PMDB/AL).
DESAPROPRIAÇÃO E DEGRADAÇÃO, O MODELO DE SEMPRE
Talvez o principal símbolo do projeto desenvolvimentista de forte degradação ambiental, implantado no Rio de Janeiro, venha a ser, no futuro, o Arco Metropolitano. A rede rodoviária, em construção, está destinada a conectar os megaprojetos do governo estadual. Inicialmente, vai ligar o polo siderúrgico de Itaguaí (com protagonismo da siderúrgica recém-inaugurada TKCSA), ao polo petroquímico de Itaboraí. Há, ainda, quatro portos privados em construção e a expansão do Porto de Sepetiba. Não é um projeto qualquer. Entretanto, com inauguração inicialmente prevista para 2010, está com as obras muito atrasadas. No principal trecho, de 71 quilômetros, somente 15% do projeto foi executado. Apenas R$ 100 milhões, dos R$ 965 milhões destinados a esse trecho, foram executados. O projeto é parte integrante do PAC, do governo federal.
Reproduzindo o modelo dos projetos associados a ele, o Arco Metropolitano também deixará consequências nocivas ao povo pobre. Trinta famílias do bairro Nova Brasília, de Nova Iguaçu, ameaçadas de remoção pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), estão mobilizadas contra o projeto. Em 12 de junho, representantes da organização de direitos humanos ComCausa reuniram-se com os moradores para planejar a resistência. No encontro, as famílias afirmaram estar enfrentando “ameaças e constrangimentos” por representantes das empreiteiras responsáveis pela obra. Ao todo, são previstas 3500 desapropriações. “As pessoas estão com muito medo. Não querem falar”, acusa Bruna Teixeira, assessora jurídica da ComCausa. Segundo ela, muitas famílias ainda pagam o financiamento das casas a ser desapropriadas, compradas em lote. O valor oferecido pelo governo às famílias nem sempre supera o débito do financiamento. Destituição de lares e desrespeito ambiental têm sido a tônica dessa série de projetos em andamento no estado.
Há alguns meses, a polêmica foi a perereca Physalaemus soaresi. As obras estavam destinadas a passar pela Floresta Nacional Mário Xavier (Flonamax). Mas, por ameaçar a espécie, em risco de extinção, o projeto encontrou a oposição do Ibama e do Instituto Chico Mendes. A solução encontrada, ainda sem execução, é a construção de um viaduto sobre o brejo principal. Há também, na região, 34 sítios arqueológicos. Segundo o planejamento original, as obras também passariam por sobre o sambaqui de Sernambetiba, em Itaboraí. Entretanto, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já anunciou que não vai permitir a depredação, considerada desastrosa.
MAIS UM TROFÉU QUE ENVERGONHA
Uma semana depois do Rio de Janeiro ter sido anunciado como o vice-líder em educação precária, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), outro ranking volta a envergonhar os cariocas. O estado foi apontado, pela Polícia Federal (PF), como líder em incidência de crimes eleitorais. A PF fez mais de 3400 investigações no estado, nos últimos quatro anos. O objetivo era averiguar denúncias de caixa dois, compra de votos, boca de urna e transporte irregular de eleitores. O maior número de currais eleitorais foi constatado no interior do estado.
Em todo o país, foram cerca de 20 mil inquéritos, com mais de cinco mil pessoas indiciadas. O segundo colocado, Minas Gerais, teve um número de investigações bastante menor, 56% do total fluminense (1.912). São Paulo, com eleitorado muito superior ao do Rio, que é o terceiro do país, ficou em terceiro lugar. A compra de votos é considerada o mais grave entre os crimes. Segundo analistas, não é apenas prática corriqueira tradicional. É também indício recente do desencantamento popular com a política. A PF anunciou, também, que vai firmar convênio com o Ministério Público Eleitoral (MPE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela alega que a prevenção é mais efetiva que a ação pós-eleitoral.
(*) Reportagens publicadas originalmente no Brasil de Fato.

4 comentários sobre “A ditadura do PMDB no Rio”

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  2. Cabral ganhará em primeiro turno! cabral inovou na política, inovou na segurança e está fazendo o Rio mudar de rumo, rumo ao progresso, rumo ao melhor! Cabral é 15…estamos Juntos!

  3. É por causa de pessoas como essas, que após lerem uma reportagem dessas ainda apóiam o sr. Stálin carioca, que nossa política está desse jeito. Aifinal o povo merece o governo que tem…

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