A Comissão da Verdade e seus desdobramentos

A criação e instalação da Comissão Nacional da Verdade no Brasil resultou em uma nova dinâmica de atividades políticas. O tema chegou a diversos grupos, sindicatos, escolas, universidades, órgãos e instituições. A tendência é que se espalhe, que a sociedade pergunte porque ela foi criada.
Um dos importantes desdobramentos foi a criação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo “Rubens Paiva”, presidida pelo deputado Adriano Diogo, pioneira em todo o Brasil como braço da Comissão Nacional. Daí começa uma nova rotina e uma sugestão para que os outros Estados criem a sua.
Adriano Diogo tem caminhado em diversos lugares. Recentemente esteve com alunos do primeiro ano do curso de Direito da PUC. Ele contextualizou sua palestra, exibiu algumas imagens, mas a parte tocante foi a hora do debate.
Alunos fizeram perguntas, o tema foi ganhando vivacidade na sala, mas, acredito, poucos esperavam o que iria ser dito no desfecho daquela exposição do tema. Adriano Diogo é um ex-preso político e relatou o dia em que chegou ao DOI-CODI, em São Paulo.
Receptividade do tema
Os alunos olhavam atentos, percebi diversas expressões naqueles jovens rostos. Coletivamente, semblantes de perplexidade. Adriano narrou com detalhes precisos o momento da sua prisão e a súbita notícia de que seu amigo, colega de Geologia na USP, Alexandre Vannucchi Leme, havia sido morto sob tortura.
A cela de Alexandre Vannucchi estava lavada de sangue, havia uma enorme fúria naquele recinto que Adriano Diogo se encontrava e, não demorou, o próprio foi para a tortura. Assim também é a rotina de Ivan Seixas, também ex-preso político e hoje coordenador da Comissão Estadual de São Paulo.
Amelia Teles, ex-presa política, hoje se encontra engajada em diversas atividade. É uma ativista do movimento feminista e também integra a Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. Amelinha, como é conhecida, concedeu uma palestra no curso de jornalismo da Cásper Líbero, na qual esteve presente o advogado Renan Quinalha, também assessor na Comissão Estadual.
A receptividade do tema pode ser ilustrada com a carta de Bianca Chaer, aluna de jornalismo da Cásper Líbero, escrita no dia 7 de novembro de 2012:
Por Bianca Chaer
Um assunto nada suave para a manhã desta quarta-feira. Não é nada fácil ouvir Amélia Teles falando sobre o que sofreu durante o período de ditadura e não conseguir dimensionar a dor e o sofrimento, que por muito tempo foram presença quotidiana na vida dela – e de tantos outros.
A voz embargada e a tentativa de descrever a vida clandestina que levava impressionam. Curioso pensar sobre o Memorial da Resistência, que nasceu para preservar a memória dela e de todos os militantes que participaram da luta armada, está hoje onde ficava a antiga sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo – Deops/SP.
Enquanto a discussão avança, me prendo a estas questões: como entender a dor de quem viveu este período – se é que podemos chamar isso de vida -? Como compreender melhor o papel que a imprensa deve ocupar neste cenário? Esta história realmente terminou?
Na fala de Renan Quinalha, um pensamento interessante: como, depois do golpe de 64, retomar a democracia? Por que definitivamente, após o trauma e a ruptura social que a ditadura provocou, não tem como varrer a sujeira pra baixo do tapete e fingir que nada aconteceu.
Para lidar com este passado e com as diferentes memórias que restaram do período, existem algumas saídas: a negação absoluta, pura e simples, defendendo que os militantes morreram em combate, a negação interpretativa, onde se admite que algo havia, mas que não era tortura, e a negação por justificativa, onde se coloca a ditadura como um mal necessário, para evitar um mal maior.
Paro para pensar sobre o processo de cicatrização dessa ferida aberta e percebo que a importância de entender o que aconteceu nos anos de ditadura é ter a capacidade de enxergar na posição atual das coisas, na democracia questionável na qual vivemos, os resquícios das politicas ditatoriais. Na força militar adotada pela polícia civil, nas mortes cujo motivo registrado nos autos é “resistência”, na própria legislação estudada em sala, que muitas vezes cerceia a liberdade de expressão.
É preciso ouvir pessoas como Amélia Teles para que palavras como “ditabranda” não se propaguem, para que atitudes como estas citadas não sejam validadas ou esquecidas. Ouvir essas pessoas é de extrema importância.
Com relação a comissão da verdade e o papel da imprensa, ouvi as colocações a respeito e penso que o papel será delicado, mas que faz parte das incumbências da mídia não apenas divulgas o ocorrido, mas também investigar e buscar incansavelmente a transparência, a responsabilização do ocorrido, a distanciação da ditadura para que possamos evitar que qualquer situação minimamente parecida se repita no futuro.
Saio da sala consciente de que continuo distante da primeira questão, a do entendimento profundo de quem viveu no período, e que por mais que ouça estes relatos, continuarei me surpreendendo, me comovendo, mas não alcançando a dimensão dessa dor. Saio admirando uma luta pela preservação da memória, pela verdade e transparência, pela justiça – que seria, como diz o ditado, tardia, mas não falha. Assim espero que seja.
(*) Reprodução do blog da Thaís Barreto.

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