Trump: Moore acertou contra imprensa, pesquisas e seu desejo

Foto: Ilustração Página12
Foto: Ilustração Página12

Michael Moore diz que Hillary representa a velha guarda da política dos Estados Unidos, o chamado establishment, um sistema deteriorado que teima em se manter, odiado por amplas parcelas da população, especialmente os jovens.
De Salvador-Bahia – Com mais de três meses de antecedência, o cineasta estadunidense Michael Moore cometeu uma fantástica façanha como analista político: previu – na verdade, garantiu de forma contundente e substancial – que o milionário Donald Trump seria o próximo presidente dos Estados Unidos. Contra as previsões da grande imprensa e das pesquisas.
E contra os seus próprios desejos. Tanto que, passando por cima dos gemidos da sua consciência, se dizia disposto até a quebrar uma jura e votar na intragável (inclusive para ele, conforme se depreende de sua argumentação) Hillary Clinton.
(Quem se lembra que esta senhora, ex-primeira dama do país e então chanceler de Obama, saudou com uma sonora gargalhada a notícia do bárbaro linchamento público de Muammar Kadafi, o presidente da Líbia deposto por tropas do império e aliados?)
Evidentemente, Moore não queria a eleição de Trump, assegurada já chegando ao final das apurações na madrugada desta quarta-feira. Não queria na Casa Branca um homem marcado por muitos “istas” terríveis: machista, sexista, racista, xenófobo, direitista extremista, armamentista…
“Eu disse a vocês que Trump ganharia a candidatura republicana, e agora preciso lhes dar uma notícia ainda mais terrível e deprimente: Donald J. Trump ganhará em novembro”, anunciou Moore no artigo ‘Cinco razões pelas quais Trump ganhará’. “Nunca na minha vida desejei tanto que alguém prove que estou enganado”, lamentou.
Nas ‘Cinco razões’, Moore – identificado como um documentarista rebelde contra as misérias provocadas pelo império -, alinha, além de peculiaridades do seu país, alguns fatores marcantes da conjuntura social e política que beneficiariam o candidato do Partido Republicano.
Explica, por exemplo, que Hillary representa a velha guarda da política dos Estados Unidos, o chamado establishment, um sistema deteriorado que teima em se manter, odiado por amplas parcelas da população, especialmente os jovens.
Lembra que a juventude, que se entusiasmou com o senador Bernie Sanders – de tendências socialistas e que perdeu a indicação como candidato do Partido Democrata -, dificilmente votaria em Hillary.
Moore diz que haveria uma espécie de recado: “A irritação com o sistema levará as pessoas a votarem em Trump, não porque estejam de acordo com ele, não porque gostem do seu fanatismo e do seu egocentrismo, simplesmente porque podem”. (Quem quiser ler ou reler o artigo, no blog Conversa Afiada: http://www.conversaafiada.com.br/politica/trump-michael-moore-ja-sabia ).
Criminalização da política
Apesar de não acompanhar o dia-a-dia da política interna dos Estados Unidos, acrescento que a vitória de Trump pode ser entendida também dentro do atual contexto de negação e criminalização da política, uma característica hoje dominante na América Latina, reforçada pelas campanhas da mídia hegemônica, inclusive no Brasil.
Não que Hillary tenha a ver com alguma coisa progressista, muito pelo contrário, embora Trump possa ser visto como uma alternativa ainda mais à direita.
Mas o que mais conta no caso é o fato do milionário não ser político, nunca ter militado na política partidária, podendo ser identificado pela maioria do eleitorado – desinformado, despolitizado e descontente – como um milionário destrambelhado e exótico, ou seja, algo “novo”, imprevisível.
No mais, nos EUA jogam um papel importante as tradicionais abstenções, sempre elevadíssimas. Mais ou menos a metade dos eleitores, sempre, não se mexe para votar. Penso que a impressão dos que se abstêm é simples: seja qual for o eleito, o famigerado complexo-industrial-militar mantém o império azeitado.
Creio que as abstenções, além do domínio avassalador do dinheiro no processo eleitoral, são um fator que macula a representatividade da democracia estadunidense, apontada por muitos incautos como exemplar.
E não me venham com o argumento fácil do voto facultativo: já acompanhei eleição na Venezuela, no tempo de Hugo Chávez, com o comparecimento na faixa dos 80% do eleitorado. E lá o voto também não é obrigatório.

Um comentário sobre “Trump: Moore acertou contra imprensa, pesquisas e seu desejo”

  1. Ei já tinha lido essa argumentação do Michael Moore. Na época liguei as palavras dele mais ao que acontecia lá nos EUA. Mas agora também fico espantado em ver como os fatos descritos por ele têm muito a ver com a nossa realidade. Precisamos refletir e debater esse novo ambiente político, que tem pego todo mundo de surpresa mas esta aí na nossa frente. Refletir e debater com muita seriedade, superando o jogo de acusações e culpabilização que persiste pelas redes sociais afora.

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