Pedagogia mercadológica

Nem a pedagogia das telenovelas da Rede Globo, nem de campanhas midiáticas veladas, como as dos telejornais da corporação-emissora, ou explícitas, como “Ilegal, e daí?”, de seu jornal impresso, são capazes de mudar, ao menos em curto prazo, a cultura do jeitinho brasileiro. O que, a princípio, não é de todo ruim, dado que se trata de uma característica singular do povo, que o faz ser o que é, diferenciando-o, por exemplo, do europeu em seu jeito “quadrado” de ser. No entanto, é no âmbito do jeitinho que ganha vida uma lógica perversa e contraditória, que afeta justamente aqueles que procuram seguir o protocolo.

Imagine a cena: você está no ônibus e repara que o motorista (logo ele!) está escutando rádio, apesar do tradicional aviso colado na parte da frente do veículo que proíbe o uso do aparelho. Você então resolve protestar educadamente, pedindo-o para desligar o som. Até é possível que o motorista acate respeitosamente sua reclamação e ainda peça desculpas, mas o mais provável é que ele lhe ignore, ou, pior, lhe diga alguns impropérios, e que nenhum dos outros passageiros se manifeste, a não ser para concordar com o motorista num ponto específico: que você é um chato, caso seja homem, ou uma tia mal amada, caso seja mulher.

Diversos outros casos hipotéticos poderiam ser aqui descritos, mas creio que o supracitado tenha resumido mais ou menos a ideia básica desta crítica. Neste nosso querido país, nem sempre o absolutamente certo está com o moral, nem conta com o apoio coletivo.

Isso provavelmente não configura novidade alguma, porém, certamente é um tema que, para qualquer sociedade que espere por evoluções, vale a pena ser discutido.

Não seria o caso de aqui, por meio de apenas um texto opinativo, apontar as causas e efeitos do problema apresentado. Não há espaço, tampouco competência, para executar tarefa de tamanha complexidade. Contudo, não faria mal compartilhar com os leitores a frustração e a confusão mental que um traço difuso e contraditório como o que implica no desgosto pelo que segue Lei – para além do relativismo que quaisquer convenções envolvem -, pode causar.

É certo que toda lei tem pontos incompreensíveis, bem como aspectos cuja origem remonta a outras culturas dominantes e visões de mundo ultrapassadas e limitadas, conservando preconceitos e concepções aristocráticas que não combinam com o povo brasileiro. Mas há um mínimo que precisa ser respeitado, a fim de que se viabilize a vida social organizada, e se atenda ao coletivo em detrimento do puramente individual.

Ao se falar num “mínimo”, não se considera somente o básico, isto é, o lógico, do tipo “é proibido matar outras pessoas”. Relevam-se aí normas de conduta e pequenos regulamentos que estão na ordem do dia, mas passam, amiúde, despercebidos e desconsiderados por muitos indivíduos, como escutar rádio em transporte coletivo, andar com o cachorro sem coleira, parar o carro em locais proibidos, buzinar em locais próximos a hospitais, entrar no vagão do metrô apenas depois dos passageiros saírem, escrever o nome no asfalto ainda liquefeito, e outras tantas coisas aparentemente idiotas, mas que, juntas, podem fazer a diferença para o bem estar social.

O que fazer então para mudar o atual panorama, em que os que se incomodam com infrações pequenas são tachados como nerds quadrados que não comem (ou não dão) para ninguém, ou algo como esquerdistas-revolucionários-pseudo-intelectuais?

Claro que o sistema educacional tem lá sua participação nisso, bem como todas as mazelas sociais brasileiras, tais qual a desigualdade social, que leva, por conseqüência, ao acesso diferenciado à educação. No entanto, sabe-se que a idolatria pela malandragem, pela Lei de Gérson e o desdém pelas regras de conduta, que, a meu ver, são parte de um mesmo pacote (e são até engraçados até certo ponto), atravessam todas as classes sociais e regiões brasileiras, seja qual for o nível de seu IDH.

Trata-se, portanto, de um aspecto possivelmente ligado a elementos culturais, como foi sugerido ao início deste texto, sendo, por isso, praticamente impossível de ser mudado em pouco tempo (se é que um dia isso ocorrerá), mesmo com campanhas institucionais, etc. Por outro lado, é mister destacar que, para além das raízes históricas, o jeitinho foi e é, constantemente, explorado pela publicidade, cuja influência sobre os milhões de consumidores, potenciais consumidores e aqueles que jamais atingirão esse patamar – e sofrerão eternamente por isso – é, no mínimo, algo que se deve levar em conta em qualquer análise sociológica.

Comerciais e outdoors espalhados pelas cidades trabalham justamente sobre a agressividade (superego) de cada uma das pessoas, ressaltando sempre a possibilidade de exclusão – daí o uso de vocábulos como “exclusivo”, “personalizado”, etc. – e acentuando a competitividade, que é, de fato, o que move o capitalismo. Se isso é algo da ordem do universal, me questiono sobre até que ponto o jeitinho brasileiro não é, se não uma invenção, algo que é alimentado pela publicidade, convertendo-se numa espécie de bode expiatório para os representantes do Grande Capital no país.

E, para alterar essa dinâmica, só mesmo forçando a queda das centenas ou milhares de Mubaraks que governam este mundo.

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