John Keats

johnJulio Cortázar e Jorge Luis Borges deram muita importância aos poemas de John Keats. Borges disse que escutou, quando era criança, seu pai recitar um poema de Keats, e então soube sem dúvida, que seu destino seria a poesia. O poema era a Ode ao rouxinol. Cortázar menciona Keats no contexto da busca do artista da imortalidade.
Ode ao rouxinol
Por John Keats
I
Meu coração dói, e um sonolento torpor castiga,
Meus sentidos, como seu eu da cicuta bebesse,
Ou esvaziasse um ópio cego por completo,
Há um mero instante, e ao Lete naufragasse,
Não através do teu feliz destino,
Mas por ser tão feliz em tua alegria,
Que tu, farfalhante Dríade das árvores,
Em melodiosa trama,
Cantas o verão a plenos pulmões.
II
Oh, por um gole da vinha! que tenha sido,
Resfriado há muito pela arada terra,
Sabendo a Flora e verde campestre,
A dança, a ciranda e a tostado júbilo!
Oh, por uma taça repleta do quente Sul,
Cheia da verdade, a Hipocrene rubra,
Com peroladas bolhas a brincar na borda,
E a boca manchada de púrpura,
Que eu talvez bebesse, e deixasse o mundo, invisível,
E contigo sumisse no turvar da floresta.
III
Sumisse, dissolvesse e assaz me esquecesse,
Daquilo que tu por entre as folhas jamais esqueceras,
O cansaço, a febre e o desgaste,
Cá, onde sentam os homens e se ouvem resmungando,
Onde o marasmo abala escassos, tristes cabelos cinza,
Onde a juventude empalidece e espectralmente morre,
Onde só pensar é estar repleto de mágoa,
E desesperos de plúmbeos olhos,
Onde o Belo não guarda lustrosas vistas,
Ou por elas definha um novo amor, além do amanhã.
IV
Dista! Dista! pois voarei a ti,
Não conduzido por Baco e suas panteras,
Mas nas asas desenviesadas da Poesia,
Ainda que meu cego cérebro me enleie e retarde,
Resto contigo! Tenra é a noite,
E talvez esteja em seu trono a Rainha Lua,
Envolta por suas fadas estreladas,
Mas cá não há lume,
Salvo o que do céu é soprado com as brisas,
Através do pesar verdejante e musgosos labirintos.
V
Não posso ver que flores estão aos meus pés,
Nem que suave incenso paira sobre os ramos
Mas absorto em trevas, adivinho cada encanto,
Com os quais o oportuno mês dota,
A grama, a mata e a arbórea selva,
O espinheiro branco e a pastoril madressilva,
A violeta furtiva coberta em folhas,
E do meio de maio, a primogênita,
O devir da moscada rosa, repleta d’orvalhado vinho,
O quieto assombrar das moscas em vésperas de verão.
VI
A escurecer escuto e, por várias vezes,
Enamorei-me pela leniente morte,
Chamei-a de tenros nomes em devaneios ritmados,
Para levar ao ar meu quieto suspirar,
Agora, mais do que nunca morrer é nobre,
Cessar no crepúsculo, indolor,
Enquanto vertes tua alma,
Em tão intenso êxtase,
Tu continuarias, e eu teria em vão ouvidos,
Ao teu elevado réquiem tornado céspede.
VII
Não nasceste para a morte, ave imortal!
Não trilham sobre ti famintas gerações,
A voz que ouço nesta líquida noite foi ouvida,
Em antigos dias por imperador e bufão,
Talvez a mesma música que encontrou um caminho,
Pelo triste coração de Rute, quando saudosa,
Restou chorosa em meio a trigo d’outrem,
O mesmo que por vezes encantara,
Janelas mágicas, a abir na espuma,
De perigosos mares, numa terra de fadas perdida.
VIII
Perdida! A própria palavra é como um sino,
A dobrar-me de ti a meu eu só!
Adeus! Não ilude bem a fantasia,
Como se imagina, elfa ardilosa,
Adeus! Adeus! Teu lamentoso hino se vai,
Além dos prados, sobre o imóvel córrego,
A subir a encosta; e agora enterrado,
Nas clareiras de um vale próximo,
Foi uma visão, ou um devaneio?
Fugida é a música: – Durmo ou desperto?

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