As Gerações e a Sinceridade

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Tempos atrás eu havia escrito uma crônica relatando a rotina de um amigo aqui do Catete, já falecido.
Edinho, o sujeito que tirava a pressão em frente ao 214, reunia, diariamente, uma tropa de amigos e transeuntes, sedentos por uma boa conversa.
O mais novo daquele grupo tinha por volta de setenta anos. Alguns, como é o caso do Edinho, já se foram. Outros permanecem na redondeza, a procura de uma distração.
Há quem afirme que quem está preso ao passado tem mania de desqualificar o presente, mas não é bem assim. Irei explicar. Essa geração citada, não usa celular, não tira self, não faz aquela miserável politicagem para ganhar curtidas. E o melhor: não poupa palavrões e verdades, a quem quer que seja. Sem dúvidas, tem seus defeitos, mas esse não é o ponto em questão.
A minha geração, infelizmente, é a geração dos 7×1, sem nenhum expulso; é a geração Black Mirror, sem culpa ou ressentimento; é a geração que viu as panelas sendo batidas, estimulada pela Rede Globo e engoliu tudo a seco. Reagiu apenas fazendo postagens malcriadas, como as minhas.
Voltando aos mais velhos, desde aquela crônica, muitos já se foram.
Rodrigão, ex-jogador de futebol, um dos primeiros da lista feita pelo falecido, resiste firme e forte, amparado por uma bengala. Sempre no mesmo lugar, a procura de uma brisa, observa todo o movimento daquela região. Quando cansa, retorna para o boteco no afã de reacender as paixões, de qualquer natureza que seja.
Ontem, lá pelas 18 horas, depois daquele cumprimento diário, ele revela uma angústia e insatisfação jamais vistas. Sem meias palavras, solta o verbo:
– Tudo bem porra nenhuma, professor! Os caras vão colocar mais um ministro no STF. Já viu o histórico do sujeito?
Atônito, apenas suspiro, aguardando e permitindo a catarse do sujeito. Com olho rútilo e a boca branca, continua:
– O PT colocou mais de oito, tomou o golpe e ainda foi acusado de aparelhar a justiça. Republicanismo de merda. Os caras com um só, indicado pelo FHC, fazem o diabo. Imagine com mais um e a Globo?
Ele, observando meu silêncio, vira-se para o bar e pede a solução momentânea para os problemas e a boca seca:
– Baixinho, manda uma pra cá. Copo cheio, sem miséria!
Depois da golada única, dá uma respirada profunda e coloca a mão no peito, como quem afere o ritmo do batimento cardíaco. Toma um breve fôlego e prossegue:
-Edinho faz uma falta danada, rapaz. A gente bebe para relaxar, não sofrer pelos amigos que se foram e curar a depressão. – era o ex-jogador misturando as angústias.
Superando o momento melancólico ele retoma, revelando seu choro ao assistir o enterro de Marisa Letícia, que a grande mídia insiste em chamar de “Dona”:
– Aturar esses filhos da puta da política e essa sociedade de merda não é mole não. O povo desejou a morte da mulher do barbudo. Era médico revelando exame, outro dizendo como que faz para matar. Foi bombardeada por tudo quanto é lado, desde sempre. No Brasil, ninguém aceita gente simples lá em cima não, vão querer amarrar no poste e bater. Quem é que aguenta um negócio desses, calado? Me emocionei para burro.
Faço questão de relatar palavra por palavra do nosso craque, mesmo que haja um excesso de ideias e palavrões. Por mais que muita gente rejeite os palavrões, tenho a convicção de que os sujeitos que xingam são de mais confiança do que os que fazem rapapés e falam manso.
Depois de reclamar da persistência do Lula em fazer acordos com uma gente que nunca o aceitará como presidente, ele revela, como solução perdida, o movimento de 30:
– Perdemos foi em 30. Se o Prestes vem para o movimento e o Siqueira Campos não morre no desastre, esse país era outro. – dá uma pausa, olha para o Baixinho, pede mais uma e prossegue:
– Digo mais, em 89, era a vez do Brizola. O PT fodeu com o homem. Agora tem que segurar a marimba e aturar o PSOL: aqui se faz aqui se paga. Moralismo de merda!
Segurando no braço do ex-artilheiro do Fluminense, como quem avisa que precisa partir, sou retido mais uma vez:
– Agora você me vê, tomamos mais um golpe, entregamos tudo de bandeja. Aquele filho da puta daquele sociólogo de direita tramou, fez, aconteceu. A Globo o faz de santo.  Aí me vem esse tal de Jean Willys, que você dizia ser um ótimo parlamentar, e me posta uma foto agradecendo o apoio do ex-presidente à sua permanência na Câmara. Minha neta que me mostrou. Isso é a UDN que está mais viva que nunca. Esse negócio de internet acabou com a dignidade de vocês. Como em 68, o capital abraçou toda a crítica da classe média progressista. O povão é quem paga.
Angustiado com sua fala e com horário, bato em suas costas, iniciando minha partida. Ele, percebendo a atmosfera desastrosa, deixa um convite carinhoso, que soa como alento depois de tanta reclamação:
– Oh, semana que vem, vamos comigo em Bangu. O El Loco tá metendo gol para caramba e a torcida, durante o intervalo, pede “fora Temer” e ainda grita o nome do Lula. São vinte velhos e dois amigos nossos: o Fred, aquele professor de história e o cientista social, João Felipe.
Sabendo da minha torcida pelo rubro-negro, ele justifica:
– O seu Flamengo já era: torcida que bate panela, segue o roteiro da Globo, não ganha título e ainda acha esse neoliberalismo excludente uma beleza, não dá. É a cara do pobre brasileiro: capacho e pacato, que atira no próprio pé e torce pela degola do semelhante.
Tudo muito duro de ouvir, mas é a pura verdade.
Esse pessoal que não faz politicagem para falar o que pensa é um alento para a nossa desumanização, falta de sinceridade, hipocrisia e ignorância.
Vamos aproveitar essa gente, o El Loco no Bangu e os dizeres do meu amigo Fred: “a sinceridade é uma só”. Sem ela, não há antidepressivo que resolva.
Foto(*): futrio.net

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