Por que uma experiência tão breve, construída há mais de cinquenta anos, ainda se apresenta tão rica às nossas reflexões atuais de vida? É o que me pergunto no momento em que releio, neste novembro de 2020, o livro Teologia da Enxada, escrito sob a Coordenação do seu mentor, José Comblin, e lançado em 1977. Para responder a esta pergunta, é preciso compreender que, para além da religião, a teologia da enxada é um método pedagógico forjado na prática de vivência de nove seminaristas com agricultores em Salgado (PB) e Tacaimbó (PE), cujo plano de estudo é uma proposta metodológica que ultrapassa a experiência eclesial.
A experimentação foi focada em 14 temas no primeiro ano – a casa, a comunidade local, a terra, o trabalho, a refeição, o corpo, a festa, o nascimento, os santos, paternidade, pobres e ricos, fraternidade, relação homem-mulher, e a vida; em 12 temas no segundo ano, centralizados na figura de Jesus – vida terrestre de Jesus, paixão e morte, ressurreição, espírito santo, Maria mãe de Deus, eucaristia, Deus pai, milagres de Jesus, reino de Deus, Jesus no meio dos homens, a condição humana de Jesus, e a vinda de Jesus; e, no terceiro ano, os envolvidos na experiência estudaram a moral em 11 temas, onde cada roteiro foi dividido em três partes: inquérito, teologia, agir: a felicidade, piedade ou religião, a lei de Deus, justiça, sexualidade, riqueza e desenvolvimento, a caridade, a fé, o pecado, a doença, e a morte.
Note-se que no primeiro ano de experimento, mais que falar sobre Deus, estuda-se a vida dos homens. A referência a Deus surge somente no segundo ano, centrada na vida e na ação de Jesus Cristo entre os homens. É uma experiência carregada de significados pedagógico-sociais-religiosos onde o conhecimento surge da observação direta e não de livros e dogmas pré-concebidos.
Ao buscar o conhecimento através da problematização da realidade dos educandos, a teologia da enxada irmana-se, na formação sacerdotal, ao método Paulo Freire, o que coloca, aqui, padre Comblin pedagogo acima de padre Comblin teólogo. Junto a outras pedagogias inovadoras contemporâneas que surgiram na América Latina na década de 60, a teologia da enxada apresenta-se como revolucionária e universal, e, portanto, sempre atual e inovadora.
São Francisco do Sul, 6/11/2020
Sociólogo e Educador Ambiental, 67. É coautor do livro “Brejos de Altitude em Pernambuco e Paraíba: História Natural, Ecologia e Conservação” (disponível aqui) e de cartilhas didáticas de educação ambiental (disponíveis aqui: série Joca Descobre…).
Belíssimo texto o seu, Martim! Claro, conciso, didático. Um estímulo para a leitura e releitura deste grande ser humano que foi o nosso querido Pe. José Comblin.
Extraordinário texto. Também, não poderia ser diferente… seus escritos são profundamente contagiantes.
Obrigado, Rolando. Suas palavras me estimulam.
Obrigado, João. Suas palavras me estimulam.