Modernidade alternativa em debate

Theotonio dos Santos abriu o segundo dia do REGGEN 2005 elogiando a atuação das lideranças chinesas e do Partido Comunista Chinês, que demonstraram, segundo ele, que é possível obter o crescimento sustentado de uma nação sem fazer um controle rigoroso da inflação, tal como propõe (no plano das idéias) o neoliberalismo. “Isso demonstra a falácia da imprensa ocidental de que a China cresceu por causa da abertura do capitalismo e do neoliberalismo”, disse.

Ele falou sobre a importância de se reivindicar o marxismo para a direção do processo econômico, rumo ao que classificou como “modernidade alternativa” – concepção que nega a interpretação de que ‘modernidade’ é sinônimo de ocidentalismo eurocêntrico. “O ‘orientalismo’ nasceu no ocidente, que o transformou num saco de gatos. Na concepção eurocêntrica, a Europa, com seus 500 ou 600 anos, é o berço da história, enquanto que o Oriente e seus seis mil ano não possui história”.

Giovanni Arrighi: “Não temos nem sequer o vocabulário para falar sobre a China”

Acadêmico da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, Giovanni Arrighi participou do REGGEN há dois anos atrás e começou lembrando a intervenção de Andre Gunder Frank, um dos ilustres participantes do evento de 2003 e que faleceu este ano. “Duas semanas antes de sua morte, nos falamos por telefone e o que me impressionou foi que, mesmo sabendo que iria morrer, queria conversar sobre o que estávamos produzindo”, lembrou Arrighi.

Conforme registrou a Revista Consciência.Net à época, Gunder Frank argumentou a palavra Hegemonia deveria ser esquecida, porque não há e não haverá uma hegemonia. “O poderio e o ingresso à posição dos Estados Unidos atualmente estão baseados em duas condições-chave: o dólar e Pentágono. Essas duas características, seu poder financeiro e bélico, são concomitantemente as bases do seu ingresso à posição atual e também seu calcanhar de Aquiles (…) A sociedade de consumo norte-americana não tem condição de exportar tanto quanto importa, sua demanda é muito superior à sua produção. O que gera um déficit crescente de U$ 500 bilhões ao ano” [leia o texto de Renato Kress sobre a exposição em www.consciencia.net/reggen/materias.html].

Para Arrighi, que baseou parte de sua exposição na fala de Frank, a História precisa ser revisitada, mas não só ela. “Precisamos entender que tipo de globalização estava emergindo nos anos 80. O fato é que o termo ‘globalização’ foi seqüestrado pelos neoliberais. Se globalização significa integração mútua entre os povos, então talvez já existisse há séculos e mesmo milênios”, sustentou. Ele continua, afirmando que a globalização virou sinônimo de “não há alternativas” durante o governo Clinton nos EUA (1993-2000), que tomou para si a famosa frase da Margareth Thatcher nos anos 80.

Para o sociólogo, esta fase do “todos contra todos” chegou ao fim, devido a dois fatores básicos: resistência dos povos ao custo dessa lógica do capital e, principalmente, o neoconservadorismo dos EUA, que rejeita a idéia de globalização. “Bush dificilmente pronuncia a palavra globalização”, argumentou, complementando que este pensamento visa privilegiar o uso militar das forças hegemônicas. Estas, no entanto, já não existem, diz Arrighi. “A hegemonia americana já era. O que os EUA querem é a dominação sem hegemonia. Eles têm o poder de causar maiores danos ao mundo apenas com o poder bélico”.

Arrighi fez também uma breve análise do futuro da geopolítica mundial. Citando China e Brasil, vê como potências emergentes os países que possuem grandes contingentes populacionais. “Estamos falando de novos tipos de ‘Estados’ com um quinto da população mundial. Partindo do futuro, Arrighi foi ao passado para buscar argumentos. “Quando a História mundial for reescrita, vamos parar de falar sobre a revolução industrial inglesa como central para a modernidade”, disse, em crítica a parâmetros históricos eurocêntricos.

“Nesse mesmo período, na China, havia não exatamente uma revolução industrial, mas uma revolução industriosa. No começo do século XIX, a China havia passado em pouco tempo de 150 milhões de habitantes para 400 milhões de habitantes. Ao invés de haver uma deterioração da sociedade, houve uma pequena melhoria. Este é o verdadeiro milagre chinês, um processo que agregou mais do que a revolução industrial inglesa, que deixou inclusive um legado para o Japão, onde aconteceu a mesma coisa, em menor escala”, comentou.

Arrighi comentou que uma das origens da competitividade da China foi as bicicletas que, segundo ele, seria sinônimo de saúde e qualidade de vida. “Foi um grande erro os chineses começarem a usar mais carros, porque é esta força e saúde do povo chinês que permitiu que eles pudessem utilizar com eficiência a tecnologia ocidental”. Arrighi afirma que, apesar de ser um povo pobre, o chinês possui saúde e educação. “Unindo estes fatores ao empreendedorismo e às técnicas gerenciais que nunca deixaram a China, o país pôde crescer da forma que cresce”. Arrighi argumenta que não é a mão-de-obra barata que sustenta o desenvolvimento no país, e sim o preparo de seu povo.

Em outro ponto apresentado por ele, disse que o Estado-nação “não é uma invenção européia”, pois já existia muito antes – mesmo que com concepções diferentes – na Ásia. É o caso de Japão, Laos e Camboja. Outras nações, como a Indonésia, só não foram pelo mesmo caminho pois eram frutos do colonialismo. “A Ásia experimentou mais de 300 anos de paz, até a guerra entre China e Japão no século XVIII”, diz Arrighi, argumentando que, ao revisitar a história do capitalismo e da civilização ocidental, acharemos o militarismo desde o início dos tempos. Por conta desse ímpeto imperialista, a Europa acabou por refazer a geografia mundial, exceto o sudeste asiático. “Não estou dizendo, com isso, que a China é menos ou mais violenta. Mas seguramente não é lá que residem atualmente ameaças à paz”.

Arrighi comentou ainda sobre a emergência do sudeste da Ásia como novo pólo de acumulação de capital. Neste momento, argumento, é preciso estar atento às novas configurações das relações entre capital e Estado e entre capital e trabalho. “Não temos nem sequer o vocabulário para falar sobre esta nova realidade. Não temos a linguagem para discutir sobre o que se passa na China”, alertou.

Jan Kregel resgata Raúl Prebisch e John Keynes

Integrante do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU), Jan Kregel falou no REGGEN 2005 durante o segundo dia, 9 de outubro, no saguão principal de eventos do Hotel Glória, no Rio de Janeiro. Mais um a relembrar a frase de Margareth Thatcher de que “não há alternativa”, Kregel falou exatamente sobre sua visão acerca das alternativas ao desenvolvimento e à globalização. Ele atribuiu a frase a um pensamento que começa no pós-guerra, quando se iniciou o processo de acumulação do capital.

Na ONU, durante o pós-guerra, Kregel diz que se achava que economia era economia em qualquer lugar do mundo. Dez ou quinze anos depois, este era o posicionamento oficial dos Estados Unidos nos órgãos internacionais. No entanto, ressaltou que a América Latina, por exemplo, possui uma teoria econômica própria, uma estrutura própria e uma história. Citando o economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986), Kregel falou sobre a desigualdade presente hoje em escala global. Apontou três causas possíveis: razões históricas, concentração de terra e concentração de riqueza. O economista falou também sobre a contradição para a superação dessa condição. “Dependemos dos investimentos externos para gerar emprego, mas esses próprios investimentos que geram mais desemprego, por conta das políticas restritivas impostas, tais como as altas taxas de juros, que reduzem a demanda interna”.

Outro grande nome da história da economia citado por Kregel foi John Maynard Keynes (1883-1946), que, segundo o expositor, sugeriu o aumento do gasto público como forma de aumentar a demanda interna. Estes gastos públicos, oferecidos pelo governo, deveriam ser pagos no entanto pelo mercado de capitais. Sempre que houvesse necessidade, as contas do governo deveriam ser deficitárias, diz Kregel citando o pensamento de Keynes.

Em outro ponto, afirma que o avanço de empresas que vendem supérfluos em países em desenvolvimento depende de elites que comprem estes supérfluos. “Do contrário, não investiriam nesse país”. Dessa forma, ele aponta a “taxa sobre consumo” ou “imposto sobre supérfluos”, que poderia chegar a até 200%, como forma de provocar a redução do consumo de supérfluos e promover assim a contenção de gastos. Ele diz que as grandes potências discutem medidas semelhantes, mas que uniformizaram as taxas, de modo que a proposta não faria mais sentido.

Kregel diz que é uma falácia afirmar que os mercados internacionais produzem preços mais competitivos do que os mercados nacionais, já que na primeira hipótese quem acabará por definir os preços são as transnacionais.

Jomo Kwame Sundaram: Por uma estratégia nacional de desenvolvimento

Destacando alguns dos pontos de estrangulamento do desenvolvimento que impedem o que classificou como “taxas de retorno social”, o pesquisador do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, Jomo Kwame Sundaram, procurou apontar as formas como as economias se organizam e ressaltou que um capitalista nunca fará investimentos se não obtiver altas taxas de retorno econômico. No Brasil, acrescenta, há um alto custo de investimento.

A economia política que possibilita a acumulação capitalista, diz, é promovido por um determinado tipo de populismo comum na América Latina, bem como a famosa escola da “Teoria da Dependência”. Para Sundaram, é preciso revisitar outras teorias latino-americanas dos anos 60 e 70 que ajudaram a desenvolver a região. Ele aponta a contradição entre o aumento dos fluxos financeiros e comerciais e as barreiras para os fluxos de seres humanos, situação que considera irônica.

Outra realidade que Sundaram destacou é o declínio dos manufaturados genéricos e o crescimento da importância das indústrias de propriedade intelectual, que têm ganho força há apenas duas décadas. Além disso, o pesquisador criticou a maior parte das reuniões que acontecem em lugares como Doha e Genebra, apontando que nestes encontros não se discute efetivamente desenvolvimento. O modelo simplista, sustenta, que divide os modelos de exportação e substituição de importações precisa ser revisto.

Ele se uniu, no entanto, às críticas ao neoliberalismo com cautela. “A liberalização do comércio é um animal diferente. Temos que falar sobre isso depois”. Segundo ele, até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconheceu que a liberalização financeira fracassou, mesmo que suas operações continuem seguindo a mesma linha neoliberal anteriormente adotada.

Três falácias importantes, explica, foram derrubadas. A primeira dizia que, com a liberalização, o fluxo de capitais de países ricos para países pobres e em desenvolvimento aumentaria. O segundo afirmava que o neoliberalismo possibilitaria financiamentos a custos menores. E o terceiro sustentava que haveria uma baixa volatilidade financeira no mercado mundial. Nenhuma delas se confirmou, assegura. As conseqüências desse processo foi o aumento, nas palavras de Sundaram, de “governos vulneráveis aos ditames do mercado financeiro”, além de crescimento do número de ministros da Fazendo e presidentes do Banco Central obcecados com o controle da inflação.

Outro problema apontado, surpreendentemente, foi a sedução do poder. “Países emergentes foram seduzidos por grandes potências para fazer concessões, com a promessa de se tornarem potências”. Como foi possível, questiona, que alguns países emergentes como o Brasil pudessem crescer durante décadas? Em relação a estes precedentes históricos, o Brasil não está sozinho. Durante o pós-guerra, temos o exemplo da Alemanha e do Japão e, mais recentemente, China e Índia.

Para responder parcialmente a esta pergunta, Jomo Kwame Sundaram afirma que não é possível trabalhar com um único modelo econômico e sugere o que chama de “flexibilidade institucional” – que nada se confunde com a flexibilidade neoliberal, destaca-se – para enfrentar problemas de acordo com o surgimento destes. Esta flexibilidade institucional, esclarece, é a habilidade e a capacidade de responder aos problemas econômicos de um determinado país ou região. Neste último ponto, ele ressalta a importância de se fortalecer não só os Estados-Nação, mas também os blocos regionais.

A capacidade política de sustentar os modelos propostos de forma independente, sustenta, deve ser acompanhado de uma base social destes regimes políticos, como forma de lidar com os problemas que aparecerão e buscar estratégias nacionais de desenvolvimento.

Gilberto Dupas: Grandes corporações e o Estado neoliberal puro

O professor da Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Dupas abriu sua palestra afirmando que tanto as teses de Max Weber quanto as de Karl Marx acabaram por se confirmar. Weber, por exemplo, previa que, para sua expansão, o capitalismo necessitava de um excedente populacional para se sustentar. Citando muitos e muitos dados de sua pesquisa acerca das transnacionais que se destacam hoje no mundo, Dupas pegou o exemplo da Wal-Mart, que lucra em um ano o correspondente a metade do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Com salários baixíssimos e péssimas condições de trabalho, o trabalhador da Wal-Mart forma uma espécie de novo paradigma, que inclui a incorporação dos mercados de pobreza ao consumo internacional. Dupas conta que o presidente da Nestlé descobriu que, em muitos lugares do mundo, a lata de leite condensado que vende se tornou um produto de luxo e que, recorrentemente, serve como um presente de aniversário. Pensando nisso, a Nestlé lançou então uma lata com um laço, em formato de presente, para vender mais produtos para pessoas de baixa renda.

O século XX, admite, foi uma demonstração da “força do capitalismo” e trouxe muita concentração e pobreza. Segundo dados de sua pesquisa, os Estados Unidos possuem hoje 32% do PIB mundial, enquanto outras cinco potências – Japão, Alemanha, Rússia, França e Itália – possuem cerca de 30% do PIB mundial. Desta forma, aponta, apenas seis países possuem pouco mais de 60% da renda e do poder de compra mundial.

Voltando-se para a China, Dupas acrescentou que este país asiático possui quatro importantes frentes no cenário geopolítico mundial. Abre seus mercados no que lhe convém (fornecimento de mão-de-obra, por exemplo), fecha igualmente no que lhe convém (tecnologia), é um dos grandes “piratas” do mundo atual (propriedade intelectual) e entra com força total na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Dupas explica que um mercado que cresce acima do PIB só pode ser um bom mercado caso consiga agregar valor, algo que passa do longe do que acontece hoje nos países “emergentes” e outras nações mais pobres. No México, cita, alguns produtos saem com taxa de 5% e possuem uma rentabilidade de até 200% no mercado internacional, demonstrando a falácia de alguns números acerca da exportação destes países.

Outro ponto que Dupas achou importante destacar foi o fato de que a Argentina, mesmo tendo saído do maior calote de sua História, igualou a sua taxa de “risco-país” à taxa do Brasil – mesmo que este último tenha seguido todos os ditames do mercado financeiro com sua intocável disciplina fiscal. No caso da China, procura diferenciar Dupas, há grande quantidade de mão-de-obra barata e que recebeu educação adequada. Já sobre o Brasil, questiona: “Será que este modelo de industrialização ainda serve para países como o nosso?”

Ao relacionar as trocas realizadas entre Brasil e China, Dupas explicou que o Brasil exporta basicamente commodities para a China, enquanto esta exporta tecnologia para o Brasil. Ele contou que, em recente debate com o economista Delfim Netto argumentou que “temos que nos acostumar” com essa realidade, “argumento” que foi prontamente rebatido por Dupas.

Para o pesquisador da USP, as grandes corporações internacionais definem atualmente a produção mundial, preços, nível de empregos e outros fatores. Essa dominação da economia mundial causa, entre outras conseqüências, degradação ambiental, crescimento de contaminação pela indústria química, proliferação dos transgênicos, propaganda enganosa e desemprego, entre outros aspectos. No atual estágio do capitalismo, a tendência é que estas corporações acabem por se fundir com o “Estado neoliberal puro”, prevê Dupas. Em oposição a esta frente, estão os movimentos sociais.

O poder destas empresas transnacionais, explica, é sintetizado pela expressão “way out”, ou seja, a possibilidade que elas têm de fazer pressão política ao determinar o fechamento de filiais, aumentando assim o desemprego. Além destas “sanções”, que por definição são atos políticos, as transnacionais também concedem benefícios a governos que colaboram com suas políticas, classificada por Dupas como a “governança socialmente benéfica”. Este, define, é o princípio da “não-alternativa”, que alimenta o que chama de “miopia competitiva”.

Esta força, alerta o sociólogo, não é exatamente ilegal nem ilegítima – ele tentou definir como “meta-legal”, ou seja, um sistema com leis próprias não-tradicionais. Desta forma, questiona: esta crescente “sedução retórica” das transnacionais, o marketing dos valores dominantes e a ameaça do “way out” serão suficientes para manter tais estratégias? “Estas são questões vitais que deixarei soltas no ar”.

Quem se responsabiliza pelos “avanços” da tecnologia? Por avanços, Dupas inclui os retrocessos que a ciência proporcionou ao mundo atual, tal como os riscos dos transgênicos e sua baixa produtividade agrícola, os possíveis riscos à saúde dos celulares, a doença da vaca louca, entre outros. “Quem legitima esses processos?”, questiona.

Com o fim da utopia, sustenta, a política perde espaço e gera governos com discursos populistas e que, uma vez eleitos, afirmam que estão fazendo “o possível”, se assemelhando com governos anteriores e mantendo uma estrutura de poder excludente. Como exemplo mais visível para os brasileiros – apesar de o fenômeno ser observado em toda a América Latina –, cita a política monetária e fiscal do governo Lula, eleito com ampla base popular e com apoio dos movimentos sociais.

A despeito do discurso falacioso das grandes potências hegemônicas de que bastaria abrir a economia para gerar desenvolvimento, é preciso desenvolver também vantagens para as economias periféricas que agreguem valor aos produtos, bem como estratégias econômicas próprias. “É preciso coragem para colocar em debate o que é sistematicamente escondido da população”, sustenta, citando, entre outros aspectos, a questão ambiental e os monopólios criados pelo capitalismo.

Para constituir essa frente, Dupas sugere a integração de cidadãos e consumidores em redes, que já constituem um novo espaço de soberania cooperativa. O preço a pagar por esta nova realidade global, afirma, é a redução relativa da soberania das nações. Para ele, esse movimento seria um ganho cooperativo internacional determinante para a renovação da política.

A América do Sul poderia ser, então, uma região de destaque para essa alternativa, já que unida soma uma população de 450 milhões de pessoas e possui um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de um trilhão de dólares. Este bloco poderia, então, salvar a região, já que “o Mercosul está na UTI e talvez nunca mais saia”. Em torno deste projeto, três pontos básicos uniriam a região: a Amazônia, a abertura do Pacífico e a matriz energética comum. A legitimação da economia mundial, neste sentido, se dá apenas com respeito a projetos nacionais, responsabilidade e transparência.

Falando sobre terrorismo, Dupas afirma que, além do desespero e do fanatismo, ele é gerado também pela exclusão social provocada pelo atual sistema econômico. Por que o tiranismo econômico japonês e chinês, questiona, deu certo na Ásia, mas o mesmo tiranismo norte-americano não “obteve tanto sucesso” na América Latina? Esta questão diz respeito aos investimentos feitos em cada região e à criação de mercados, fatores que se deram de formas diferenciadas nos dois continentes. Os mecanismos utilizados na A.L. provocam a redução dos investimentos em infra-estrutura, fator extremamente danoso para o desenvolvimento da região.

Desta forma, Dupas sugere como saídas para a América Latina, entre outras coisas, o fortalecimento dos Estados nacionais e a emergência de novos atores econômicos. A Organização Mundial do Comércio (OMC), afirma, tem características liberais, mas isso não é o suficiente para falar sobre seu viés. As patentes da área de biotecnologia ou do setor farmacêutico, exemplifica, dão poder de monopólio às empresas que as detém. Um dos principais é o poder de retirada, ou seja, a liberdade que as transnacionais têm de fechar suas empresas e se mudar para lugares mais vantajosos.

A eficiência de um determinado país no mercado global não possibilita necessariamente a apropriação do excedente econômico gerado. Para Dupas, os países “emergentes” certamente nunca emergirão se continuarem com o baixíssimo valor agregado atual. Além disso, esses países possuem enorme dificuldade em formar marcas globais. É o exemplo do Brasil, um dos maiores produtores de café do mundo e que, mesmo assim, perde em exportação para países como Alemanha e Itália.

Falando ainda sobre a política econômica do governo brasileiro, o pesquisador da USP lamentou que o Partidos dos Trabalhadores (PT), ao chegar ao poderoso governo brasileiro, não tenha nem sequer testado idéias que historicamente apoiou – como o keynesianismo. Para Dupas, adotando tais medidas, seria possível ir além dos limites atuais no cenário econômico. As dificuldades de crescimento relacionadas à deficiente infra-estrutura brasileira, diz, se retro-alimentam. Quanto menos se investe em infra-estrutura, menos o país poderá crescer, de forma que haverão então menos verbas para a infra-estrutura.

As taxas de juros básicos da economia – taxa selic – são outro aspecto importante que se retro-alimenta. Quanto mais altas, maior o endividamento do governo e maior, portanto, a “necessidade” de altas taxas de juros. Sem razoável explicação e com boa base de irracionalidade, o governo prefere mantê-las a níveis muito altos. Além disso, Dupas explica que outro fator que limite nosso crescimento, o “risco-país”, é no fundo também uma taxa de juros, já que é a diferença entre os nossos juros e os juros dos Estados Unidos.

Esta situação que ele classifica como “esquizofrênica” foi comparada à crise vivida durante a primeira metade do século XIX, de 1810 a 1840, quando a região experimentou um baixo crescimento econômico. Dupas concluiu dizendo acreditar que, para ter condições de se sustentar politicamente, governos como o brasileiro terão que buscar mais cedo ou mais tarde alternativas ao processo de estagnação econômica.

Marco Antonio Dias: Um possível novo império

Representando a Universidade das Nações Unidas (UNU), Marco Antonio Dias destacou a China como novo centro econômico mundial. Ele acredita que o fenômeno chinês seja uma reação ao poder imperial dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, um possível novo poder imperial. Como aspecto positivo, Dias destaca que a China é um caso exemplar para se mostrar a importância da pesquisa e da formação para o desenvolvimento de uma Nação. “Eles têm consciência de que conhecimento é poder”, pontua, citando a grande quantidade de estudantes chineses que, com o apoio do governo, estudam no exterior e depois retornam ao seu país de origem. “Esse retorno só ocorre porque o governo chinês dá condições. Eles sabem da importância da produção do saber”.

Dias se disse surpreso com rápido crescimento chinês, relembrando uma cidade em que visitou em duas oportunidades, em um intervalo de dois anos entre as visitas, e que havia passada de 2 para 6 milhões de habitantes neste período.

Com todo esse poder, Dias alerta para o surgimento de um novo império, que poderia, inclusive, ameaçar diretamente os EUA. Em relação aos déficits astronômicos sustentados pela economia norte-americana, por exemplo, Dias sustenta: “Se a China decidir se aliar à União Européia e/ou ao Japão e decidir cobrar tudo de uma vez, os Estados Unidos quebram. (…) Minha geração sempre quis ver o fim da hegemonia norte-americana”.

Dando o tom crítico do evento, Marco Antonio Dias aproveitou para alertar: “Há debates em que se gasta muita adrenalina, mas no fundo é tudo teatro”.

Ben Turok: A África é o último dos mercados

O sul-africano Ben Turok veio ao REGGEN representando o parlamento de seu país. Em sua breve introdução, destacou que a África tem tido um pouco mais de atenção do mundo porque a Europa teme o terrorismo e o fonte contingente migratório oriundo de todo o continente, principalmente do Norte. Além disso, ele sustenta que o capitalismo, em seu limite, deverá buscar os “mercados do terceiro mundo”. Neste caso, a África pode ser a última das tentativas de um sistema em decadência. Turok falou um pouco sobre programas que visam unificar o continente negro.

Jaime Osorio: Bases do padrão de reprodução do capital

O pesquisador da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM) do México Jaime Osorio apresentou seu trabalho sobre o padrão de reprodução do capital, crise e mundialização. Ele sustenta que esse padrão se movimento por meio de algumas bases. A saber: patentes (propriedade intelectual), trocas econômicas desiguais, juros da dívida, entre outras. Essa batalha, afirma, se dá fundamentalmente entre as nações centrais e a periferia do sistema, de onde se observam diferenças significantes de poder de apropriação.

Para Osorio, é importante se questionar se a China é uma potência emergente capitalista ou uma potência emergente que opera dentro do sistema mundial capitalista. Para ele, estas são duas realidades opostas, já que delimitam a maneira que as Nações devem se comportar. “É comum encontrar hoje em dia um tipo de discurso que nos coloca frente a uma série de tarefas que precisaríamos realizar”, afirma, questionando o modelo de desenvolvimento dos anos 50, baseado na industrialização dos países. Esta saída, exemplifica, trouxe apenas um outro tipo de subdesenvolvimento. De nada resolve os problemas fundamentais da população.

Desta forma, quais são os atores sociais que, hoje em dia, poderiam levar adiante este processo de desenvolvimento? Mesmo assessorados por técnicos do primeiro mundo, as classes dominantes se demonstraram incapazes de levar adiante um projeto desenvolvimentista. “Não sabiam, por exemplo, que aumentar salários é bom?”, questiona. “As classes empresariais precisam se reinventar”.

Manoranjan Mohanty: Uma nova consciência global

Pesquisador da Universidade de Déli, na Índia, Manoranjan Mohanty – para nós do Consciência.Net, o simpático “mano” Mohanty – foi um dos palestrantes do dia 9 de outubro, durante o REGGEN 2005. Ao analisar a relação entre duas declarações de direitos humanos dos anos 50 e a atual cooperação regional no continente asiático, Mohanty enxerga uma contradição básica entre duas correntes.

Uma delas é liderada por líderes do governo e grandes empresários, que utilizam os instrumentos de cooperação regional como facilitadores para a aceleração da globalização. De outro lado, os movimentos sociais desafiam a primeira corrente a responder à crescente conscientização dos povos acerca dos seus direitos. Esta consciência acerca dos direitos fundamentais se transformou, agora, num fator importante para o movimento global por alternativas à globalização.

Em uma rápida conversa reservada com os estudantes Gustavo e Luanda, respectivamente da UFRJ e da PUC do Rio de Janeiro, “mano” Mohanty se mostrou interessado em saber o que pensavam os jovens brasileiros acerca do neoliberalismo. A primeira reação de ambos foi: “Bom, eles não pensam nada a respeito, pois nem sequer sabem do que se trata”. Esta é, para os estudantes, a realidade de grande parte da juventude. Outra parcela sabe do que se trata, mas se beneficia do processo de globalização e prefere não pensar no neoliberalismo como danoso para países como o Brasil – se isolando assim da realidade. E um outro grupo de jovens possui consciência acerca da desigualdade em escala global que provoca o fenômeno, procurando assim construir novas alternativas para o futuro.

É fato: assim como uma alternativa à globalização, precisamos também de muitos “manos” como Mohanty, abertos às realidades locais e preocupados com o que os jovens pensam, para fazer do mundo um lugar melhor.

Adrián Sotelo: Nome e sobrenome às forças de transformação

Estamos experimentando grandes transformações no mundo do trabalho, que dizem respeito a vários aspectos – social, ético, cultural, psicológico, econômico e tecnológico. Estes fenômenos não implicam na anulação da centralidade do trabalho dentro da luta econômica e política entre o capital e o trabalho, mas podem sobretudo trazer novas experiências para a sociedade de classes, ajudando a superar o sistema de relações sociais vigente. É nestes termos que o sociólogo Adrián Sotelo Valencia, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), começa sua intervenção.

Ao problematizar o conceito de globalização – será uma ficção? –, Sotelo desmembra sua existência em diversas frentes – cultural, econômica etc. Está preocupado muito mais em analisar quais são os sujeitos históricos que poderão mudar a correlação de forças no mundo – e em particular no México –, se perguntando então qual será o papel das classes sociais e qual será o papel do Estado nesta mudança. Este “esforço de sair da teoria”, sustenta, consiste em dar nome e sobrenome aos atores sociais deste processo, aprofundar o entendimento sobre a globalização e conhecer melhor os sujeitos concretos que lideram a transformação dos povos e nações.

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