Lá e cá. Isto e aquilo.

“Os místicos da pessoa a interiorizam, os políticos da pessoa a exteriorizam, mas a pessoa é um ir e vir” (Emmanuel Mounier, O personalismo)

Desde o tempo em que publiquei por primeira vez em Consciência, bem lá nos comecinhos desta revista, Gustavo Barreto* começou a se perfilar como um amigo. Um aliado. Alguém com quem algo de muito bom estava acontecendo.

Ver os meus textos apreciados e publicados, foi se tornando uma alavanca que ia me tirando do poço. Eu ia saindo da depressão. Leitoras e leitores liam meus textos e comentavam, geralmente positivamente. Tanto que uma leitora tomou a liberdade de encadernar vários dos meus escritos e me enviar por correio, com capa dura. Belo gesto.

Assim nasceu meu livro Resurrección. Digo estas coisas para frisar a escrita como um lugar de fazer juntos, juntas. Construção. Eu sou o que escrevo. Sou o que leio e li. Me leio em mim e na escrita do mundo. A partir do momento em que comecei a ter uma consciência clara deste fato, fiquei mais tranquilo e em paz.

Não é apenas algo que faço, mas sim algo no qual me faço. Me construo, me refaço, me conecto com as pessoas e comigo mesmo. Enquanto professor, estimulava minhas alunas e alunos para que escrevessem. Escrevam, não deixem de escrever. As palavras são espelhos, me vejo e outras pessoas nelas se veem também.

São pontes, estradas, caminhos, janelas. O tempo passou, muito tempo, na verdade. Estou perto de entrar na sétima edição. Muita cousa mudou nestes anos. Muita mesmo. A vida se integrou mais, tecnologicamente. O mundo se costurou mais, nos aproximamos mais umas das outras, uns dos outros. Esta proximidade continua a ser um desafio.

Como é habitar esta cidade unificada, programada talvez demais? Tenho que lhes deixar, já que o dia está indo e eu também preciso ir. Mais tarde ou numa hora, tá? É isto. Fui alguém feito em boa medida em revistas. América Latina, Cristianismo y Revolución, PinUp, JV, Estrella Roja. A vida passava por aí.

Não sei muito bem por onde passa a vida agora, e sei, sim. Compreendo com clareza o quanto apendi nessas revistas que lia. Até hoje está viva na minha memória, a sensação, o sentimento de andar com elas por aí. Era como ter o mundo em mim, comigo, sei lá. Não sei se é bem isso, mas se parece muito com isso.

E vocês poderão estar a se perguntar, como também eu me pergunto agora, aonde é que tudo isto vai levar? A vida tem muitos canais, muitos caminhos, muitas veredas. Acabo de voltar de Jacumã, onde moro. Parece a Mendoza daqueles anos. Pessoas num ritmo em que eu volto a andar. Ainda se conversa, ainda se escuta, ainda se olha nos olhos. É isso aí.

A vida anda, corre, parece que correu tanto que já não se sabe mais o que é o que. Mas sabemos, sim. Sabemos que habitamos uma brevidade grandiosa. Os dias de hoje não são (e são, sim!) muito diferentes dos dias de ontem e de antes de ontem e de antes de antes de ontem.

A vida passa como um rio, como bem nos lembra Jorge Luis Borges. E nesse passar desse rio que passa, passamos nós também. Passar bem.

*Criador, fundador desta revista.

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