Coitado do Savonarola

Sergio Moro e o professor Cerqueira Leite. Foto: Brasil 247.
Sergio Moro e o professor Cerqueira Leite. Foto: Brasil 247.

O ilustre professor Cerqueira Leite, importante cientista e democrata, publicou na Folha de São Paulo inspirado artigo comparando o Juiz Sérgio Moro ao dominicano italiano Savonarola, símbolo histórico da intolerância.
Indignado com a comparação, o indigitado e agressivo juiz protestou contra a feliz lembrança do articulista, tendo até censurado o jornal pela publicação. Sem maiores preliminares, pode dizer-se, como se diz em confrontos esportivos, que Sua Excelência acusou o golpe.
Provavelmente por supor-se acima do bem e do mal, embora sem responder à pergunta sobre sua intolerável parcialidade, como bem notou Cerqueira Leite posteriormente, doeu-lhe fundo a legítima e juridicamente adequada crítica do conhecido intelectual.
Mas eis que me ocorre uma indagação. Que nos perdoe o ilustre Cerqueira Leite, mas como reagiria o próprio Savonarola? “Superior do Conselho de São Marcos, orador ardente, que tentou estabelecer em Florença uma Constituição meio teocrática, meio democrática”, como registram Koogan/Houaiss na Enciclopédia e Dicionário Ilustrado.
Savonarola, homem do século XV, de exacerbada fé religiosa, ideologia e um dos estados preponderantes na época, mas com pendores democráticos, não teve a sorte do juiz Moro, beneficiado pelo aculturamento dos séculos seguintes, não foi aluno da USP ou de qualquer grande universidade brasileira, nem conheceu, apesar de eventuais ditaduras, governos democráticos, como o de Lula, por exemplo.
Professor Cerqueira Leite, brilhante o seu artigo, mas com a típica e necessária data venia dos advogados, você foi profundamente injusto com o Savonarola que acabou na fogueira, uma prática felizmente (para muitos) perdida no passar do tempo…
(*) Miguel Baldez é procurador aposentado do Rio de Janeiro e assessor de movimentos populares.

Um comentário sobre “Coitado do Savonarola”

  1. A comparação com Savanarola é pertinente, pelo menos num aspecto.
    Os biógrafos de Niccolò di Bernardo dei Machiavelli afirmam que o futuro diplomata, historiador e teórico da política desvinculada da moral religiosa foi pessoalmente ver alguns discursos arrebatadores do monge dominicano. Machiavelli observava não só o orador, mas a reação da platéia, procurando distanciamento dos fatos. Talvez ele tenha aprendido os fundamentos de sua arte naquelas oportunidades.
    É certo, porém, que quem quiser aprender algo de Direito e política no Brasil atual terá que ver e ouvir Sérgio Moro prestando atenção à reação da platéia para quem ele prega sem se deixar envolver pelos fatos. Florença cresceu como cidade na fase posterior a Savanarola. O mesmo pode ocorrer no Brasil se tivermos a sorte de um duplo de Machiavelli estar entre nós neste momento.

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