Vídeo com baixarias explícitas tem que ser combustível para indignação

Por Denise Assis*
Quando os acontecimentos são de muito impacto, o melhor é deixar a poeira baixar para enxergar o que sobrou nos escombros. Foi assim que o Brasil amanheceu no sábado, pós divulgação do vídeo da reunião “ministerial” de 22 de abril. A data é a que marca a chegada dos portugueses em terras habitadas pelos povos indígenas. Esses mesmos, odiados segundo declaração do próprio, pelo ministro Abraham Weintraub. O país tremeu. Uns de medo, outros de júbilo. 
No day after, houve nas parcelas progressistas uma análise assustada de que Bolsonaro havia levado vantagem na divulgação do vídeo. À primeira vista, sim, quando se faz um corte para as hostes de 25% de fanáticos que o seguem.
Passado o calor do primeiro momento, vemos que tal postura é apenas isto. Um susto. A hora é de ter calma. Qualquer manobra equivocada pode resultar no prolongamento do sofrimento de um país já absurdamente castigado pela corrida a um campeonato que nenhuma nação pode querer disputar: a de campeã de contágios e mortes pelo coronavírus. (Já somos o segundo colocado nesta escalada macabra) e, de quebra, sufocada por um governo fascista.
O primeiro ponto a se ter consciência é o de que o golpe de 2016 ainda está em curso. Tal como no Bolero de Ravel, onde os instrumentos vão sendo inseridos à medida que o andamento da música cresce – mas apenas para repetir e impulsionar o primeiro e o segundo temas -, o golpe dado pela direita sobe de escalada. Tornou-se mais agudo quando em 2018, com a vitória do ultradireitista Jair Bolsonaro, nos jogou num governo militar. Hoje eles são, conforme reportagem de O Globo (24/05), da ordem de 2067 – das três forças, com preponderância dos Exército. E só no primeiro escalão, são nove os ministros oriundos das fileiras militares, sendo um deles ainda da ativa, caso do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
É bom não esquecer, também, que o então comandante do Exército, Villas Boas, foi fiador desse governo, ao chantagear os ministros do Supremo Tribunal Federal para que votassem contra o habeas corpus que permitiria a Lula continuar livre e ser candidato na eleição em que era favorito nas pesquisas. Dali por diante, desde a escolha de um vice (Hamilton Mourão) – tão radical quanto ele -, até o preenchimento dos cargos, esta militarização só fez aumentar. Junte-se a isto, o ressentimento de um capitão expulso dessas mesmas fileiras, podendo agora dar ordem aos generais.
Há quem argumente que há liberdade, sim, pois todas as instituições estão a pleno funcionamento. Os mais antigos, no entanto, hão de se lembrar que na ditadura (1964/1985), elas também se mantiveram assim, em atividade, mas a favor dos desmandos do poder.

Aos que assistiram a dois processos de impeachment, é proibido ignorar que só se consegue força para se tirar um presidente eleito reunindo apoio da mídia, do Congresso e da opinião pública. O peso no Congresso é político. Fato é que quando a opinião pública está pela tampa, não há questão jurídica que segure quem ocupa o cargo. Um exemplo disto foi a queda de Dilma Rousseff, sobre quem pesou a vaga acusação de ter cometido “pedaladas fiscais”. Cientes disto, devemos nos preocupar em não esvaziar a força do vídeo liberado pelo ministro Celso de Mello, e tampouco olhar para ele como se fôssemos um exército de doutos em Direito.
Deixemos a quem estudou para isto, buscar nesta peça os crimes – e salta aos olhos vários – ali contidos. A nós cabe, sim, reforçar a indignação, o horror, o asco, por tudo o que nele está contido. O que ganhamos em vasculhar falta de provas em duas horas de “baixarias”? Não tivesse ele abalado as hostes bolsonaristas, e o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, aliado de primeira hora de Bolsonaro, não teria saído de seus cuidados para emitir nota, com apoio dos militares – agora se sabe -, ameaçando recrudescer o regime e provocar “instabilidade nacional”.
E, diga-se de passagem, sob um pretexto absurdo, pois o ministro Celso de Mello tem todo o direito constitucional de fazê-lo. E não seria o primeiro presidente a passar por isto. Trump teve que submeter o seu celular institucional, à inspeção de investigação feita no bojo do seu processo de impeachment e não virou “um rato” por isto.
Deixemos o medo para os que se desnudaram diante da Nação. Deixemos o pânico para quem foi pego em reunião de “jogo de purrinha”, de bajulação, e bravatas. E o vexame para os que nos ensinaram novas funções para as hemorroidas, e formas de empregar os palavrões. Lamentavelmente a mídia censurou a maioria deles, ao exibir o vídeo para a população. Mostrar a forma como estas pessoas se tratam e tratam a coisa pública despertaria a indignação necessária para que as famílias que o apoiam tirassem as crianças da sala e, talvez, a sua fé incondicional àquele que chamam “mito”.
Deixemos o vídeo cumprir a sua função, que é convencer ao titular da Procuradoria Geral da República, Augusto Aras, que ali naquela fita estão muito mais do que escatologias, obscenidades e puxa-saquismo explícito. Há crimes a serem punidos. Cabe à opinião pública pressionar o procurador, escolhido fora da listra tríplice e, portanto, a princípio, com pendores a livrar a cara de Bolsonaro. O vídeo escandalizou o mundo. Só por aqui, alguns posam de “profundos” conhecedores da causa, tirando o impacto que deveria nos fazer corar de vergonha. O que mais será necessário para elevar a nossa indignação, a ponto de nos fazer gritar nas janelas: “Fora Bolsonaro?!!!”
Fonte: Brasil 247
*Jornalistas pela Democracia
 

Deixe uma resposta