Por Conceição Lemes
A política brasileira de saúde mental, álcool e outras drogas é hoje reconhecida internacionalmente. Ela é resultado de uma mudança radical na abordagem e atendimento de pessoas portadoras de transtornos mentais, a partir da Lei da Reforma Psiquiátrica (nº 10.216/2001), aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.
Explico. Praticamente em todos os países desenvolvidos houve um processo de reforma do modelo assistencial em psiquiatria, cujo objetivo sempre foi retirar o hospital psiquiátrico – o chamado manicômio — do centro da assistência e levar o tratamento para o ambiente comunitário.
No Brasil, isso também aconteceu. Antes, a internação em hospitais psiquiátricos era considerada como a principal ou única possibilidade de tratar pessoas com transtornos mentais e necessidades de saúde decorrentes do uso álcool, crack e outras drogas.
Porém, com a Reforma Psiquiátrica, um modelo mais humanizado foi construído, e os cuidados para a reinserção social, a reabilitação e a promoção de direitos humanos passaram a ser foco do tratamento.
“O processo brasileiro de reforma psiquiátrica vai além da questão da desospitalização”, explica o psiquiatra Rossano Cabral Lima, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
O objetivo principal é construir um outro lugar social para o portador de transtorno/sofrimento mental, já que os muros do manicômio podem se reproduzir, de modo simbólico mas igualmente violento, no cotidiano das famílias e da cidade como um todo.
Isso implica, por exemplo:
* direito à moradia digna (até porque parte das pessoas que habitava há anos os hospitais psiquiátricos estava mesmo era morando lá);
* acesso a formas assistidas de trabalho (como as cooperativas sociais);
* luta contra a discriminação;
* cuidado no território da pessoa e em liberdade desde o início do tratamento;
* acesso aos medicamentos mas também a formas de tratamento que possam ir além dos remédios.
“Enfim, ações de reabilitação psicossocial, promoção de saúde e de direitos humanos para essas pessoas”, afirma o psiquiatra Rossano Lima.
Pois esta política de Estado, aprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), acaba de sofrer um golpe seriíssimo. O autor, o próprio ministro da Saúde, Marcelo Castro.
Na quinta-feira passada, 10 de dezembro, em audiência pública com representantes de 656 entidades de saúde e movimentos sociais ligados à luta contra os manicômios, ele anunciou para coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde (MS), o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Fiho.
O ministro avisou que Valencius assumiria nesta terça-feira 15, substituindo o também psiquiatra Roberto Tykanori, coordenador da área desde o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff.
Parêntesis: O ministro antecipou para esta segunda-feira. Saiu no Diário Oficial da União a nomeação de Valencius e exoneração de Tykanori. Voltando à audiência da última quinta-feira.
O ministro, que é psiquiatra, deixou para dar a informação bem no finalzinho da audiência. O psiquiatra Rossano Cabral Lima estava presente. Os grifos em negrito são desta repórter.
“Num primeiro momento, nos disse, que, como estávamos demandando a permanência do atual coordenador e outro grupo recebido por ele havia indicado outro nome para o cargo, ele iria procurar um ‘caminho do meio’”, conta Rossano ao Viomundo.
“Depois, ao final, disse que já havia feito o convite para um amigo que trabalha no Rio de Janeiro, ele havia aceitado e chegaria em Brasília na próxima terça”, prossegue. “Indaguei-lhe, então, se poderia nos informar o nome. Ele falou que se chamava Valencius.”
“Pouco antes dessa revelação disse que iria ‘abrir o coração’. Achava que a atual gestão da saúde mental havia exagerado na direção política e ideológica do campo, e que queria dar uma condução mais ‘científica’”, relembra Rossano Lima. “Chegou a tecer críticas à influência de teóricos como Michel Foucault na formação de colegas de sua geração de psiquiatras.”
Assim como o ministro, o seu amigo é do Piauí.
Fiz uma busca no Google e em sites em informação e comunicação científica em saúde.
Não achei nenhum trabalho científico sobre saúde mental publicado por Valencius Wurch.
O seu Lattes informa que, de 1979 a 1981, fez residência médica em Psiquiatria na Universidade Federal Fluminense (UFF). E desde 1982 é médico do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro.
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