Terapia comunitária, esperança

Alguns anos atrás, lia um artigo do Professor Adalberto Barreto, As dores da alma dos excluídos no Brasil, e comecei a chorar. Mas não penses que foi por outro motivo, do que o de ver, ali, o retrato de meu próprio processo como migrante, alguém que, como as pessoas de que o escrito falava, tinha também perdido a alma no processo de ruptura com as raízes.

Esta leitura me emocionava ainda por um outro motivo: o fato de ali estar retratado um trabalho coletivo, o da Terapia Comunitária, de resgate da humanidade dos migrantes. Vindo da Argentina nos tempos da ditadura militar de lá, em São Paulo encontrei migrantes nordestinos de diversos estados do Brasil que, como eu, buscavam amparo na Associação Voluntários pela Integração do Migrante, onde o padre Mário Miotto nos ajudava a conseguirmos documentos e, mais, nos dava apoio na busca de emprego.

O texto do Prof. Adalberto Barreto ainda me emocionava porque ali eu via o triunfo dos ideais pelos quais a minha geração e muitas anteriores, se empenharam nos anos 1960 e 1970, até a vinda do terrorismo de Estado. Esses ideais estavam vivos. Era a pedagogia de Paulo Freire, era a fraternidade, era o amor, a solidariedade. E isto de maneira concreta e prática, não declamada ou apregoada.

Eram pessoas de diversas classes sociais, profissionais de saúde, e gente do povo, amalgamados em mutirões por este vasto país, em busca do resgate da sua própria identidade, tal como eu também me encontrava. Os anos passaram, e me formei terapeuta comunitário, passando a formar parte dessa rede de apoio que se estende por todo o Brasil, e já para a América Latina de fala espanhola, como o Uruguay, a Argentina e Venezuela.

Estas linhas apenas tentam retratar, de maneira muito sucinta, uma trajetória de resiliência que se deu no Brasil, e já está deitando raízes firmes para o sul da América do Sul. Por anos, senti, como tantos e tantas, que tínhamos sido derrotados, que o capitalismo selvagem e a violação sistemática dos direitos humanos perpetrada pelas ditaduras que assolaram nossos países, seriam o horizonte com que teriamos que nos conformar. Submissão, impunidade.

Não era assim: este trabalho de resgate da autonomia e da auto-estima, de empoderamento de pessoas e comunidades, de desalienação, para dizê-lo numa palavra, se oferece como alternativa eficaz à reconstução humana que segue os pesadelos das ditaduras e sua continuidade neoliberal.

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