Rio+20: “Eles só vieram aqui para gastar o nosso dinheiro”, diz Stedile

Por Eduardo Sá e Raquel Júnia

João Pedro Stedile, líder histórico do MST, na Cúpula dos Povos. Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.

Circulando pelas plenárias durante a Cúpula dos Povos, João Pedro Stédile, liderança histórica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conversou com o Fazendo Media sobre suas expectativas acerca da Rio+20 e da Cúpula dos Povos. Sobre o evento oficial das Nações Unidas, suas avaliações se confirmaram  pois, segundo inclusive alguns parceiros da ONU, o documento final da Rio+20 é fraco, sem metas nem objetivos concretos.
Nessa rápida entrevista, Stédile fala também sobre a importância da agroecologia para os trabalhadores do campo, a fortuna que foi gasta na realização da Rio+20 e a possibilidade do Equador servir de asilo para Julian Assange, o fundador do Wikileaks. Para Stédile, a Cúpula terá sido exitosa se cada movimento continuar e aprofundar suas lutas em seus territórios.

Quais os desafios para que consigamos colocar em prática toda a diversidade de propostas defendidas aqui na Cúpula dos Povos?
Não devemos esperar grandes documentos aqui da Cúpula e muito menos da Rio+20. Aqui o principal foi essa confluência de entidades, movimentos e pessoas que querem um modelo de desenvolvimento diferente. Isso é que gera uma consciência de que é possível ter uma postura diferente, e criticar o atual modelo e propor outros modelos. Agora, quais são as propostas e como fazê-las é que temos de levar aos nossos movimentos e nossas bases. Nós da agricultura, por exemplo, percebemos que a principal forma de lutar contra esse modelo e por uma agricultura alternativa, é lutar contra os agrotóxicos, porque o agrotóxico é a forma predadora do capital sobre a agricultura. Imagino que para os companheiros que moram em áreas indígenas ou áreas que vêm sendo objeto de especulação das mineradoras, as principais formas de lutar contra o modelo é lutar contra as mineradoras. Espero que o povo da cidade também lute contra esse modelo estúpido do transporte individual, baseado no automóvel que está poluindo as nossas cidades e as transformando em espaços invivíveis. O principal é que daqui sai outro patamar de consciência para as lutas que têm de ser reproduzidas nos nossos espaços.

Há o que se esperar da Rio+20?
Ao contrário, eles só vieram aqui gastar o nosso dinheiro. O orçamento da Rio+20 foi R$ 400 milhões, não serve para nada porque nessas metodologias governamentais, esses documentos diplomáticos, eles perdem horas para discutir uma palavra, um colchete, uma vírgula. Mesmo que chegue a algum documento de consenso, depois eles não aplicam. Foi o que aconteceu na Rio 92: apesar dos pesares naquela oportunidade se produziu um documento razoável pela sua novidade, houveram acordos e compromissos que depois os governos botaram na lata de lixo. Mas mais do que a gente ficar dando pau neles, embora eles mereçam, eu acho que a população em geral, através dos meios de comunicação, deve se conscientizar. E a grande contradição que existe hoje na conjuntura internacional é que o capital, na sua ganância de acumular riqueza, age por conta do poder econômico que as grandes empresas transnacionais têm. Elas têm uma lógica e agem independentemente dos governos. Do outro lado nós temos o poder político na mão de governos ou organismos internacionais, que não conseguem mais controlar. Então há uma separação hoje no mundo, segundo o filósofo Zygmunt Bauman, entre o poder econômico e sua ação na sociedade e o poder político. Como é que vai se resolver essa contradição? Ninguém sabe, mas ela precisa ser resolvida para que nós tenhamos políticas a nível mais universal, de acordo com os interesses dos povos.
Os movimentos estão mostrando como resolver essa contradição?
Não é uma contradição nossa. A contradição dos movimentos é que nós estamos enfrentando hoje as corporações internacionais, e o capitalismo a nível internacional. Para nós enfrentá-los, além de fazermos lutas locais, temos que fazer lutas que consigam ter um sentido internacional. Nosso desafio é como criar redes e vínculos que extrapolem da luta local para a luta internacional, já que os inimigos atuam nos mesmos países. Já o problema dos governos, é como eles vão recuperar o poder político, porque as multinacionais e os bancos fazem o que querem.
Os movimentos têm sinalizado a agroecologia como alternativa contra hegemônica. Como você vê essa perspectiva?
Na agricultura esse enfrentamento da luta de classes entre o projeto do capital e o projeto do trabalho se expressa justamente aí. O projeto do capital, que é rotulado como agronegócio, impõe uma agricultura de grande escala, mecanização e uso intensivo de venenos. E isso gera alimentos contaminados, contaminação do meio ambiente, da água, ou seja, um enorme prejuízo ambiental e da saúde pública, já que o agrotóxico gera câncer.
Do outro lado, a proposta dos trabalhadores é reorganizamos a agricultura baseada no trabalho da agricultura familiar e na utilização de mão de obra. Aplicando na matriz tecnológica que nós chamamos de agroecologia, que é um conjunto de técnicas para produção de alimentos que aumente a produtividade do trabalho e da área, mas sem afetar o equilíbrio do meio ambiente e sem o uso de veneno. Porque o veneno mata a natureza. Então a agroecologia é, digamos, a proposta genérica da matriz tecnológica que os trabalhadores querem contrapor ao capital.
Você se reuniu com os presidentes da Bolívia e do Equador aqui no Rio durante a Rio+20.  Como foram essas reuniões?
A reunião com o Evo Morales ainda será hoje (21) à noite e com o Rafael Correa foi hoje de manhã. Nossa articulação com o Correa foi levar um abaixo-assinado dos movimentos sociais da Alba e do Brasil para que o governo do Equador aceite dar asilo ao Julian Assange. Ele demonstrou que é a favor, e que se sentiu, inclusive, lisonjeado com a escolha que o Julian fez. Demonstra que no Equador há liberdade de expressão, mas eles  estavam vendo quais são os melhores mecanismos jurídicos para garantir a imunidade dele.  Ele se comprometeu, o governo do Equador é plenamente solidário à causa do Julian, da democratização dos meios de comunicação e vão garantir a sua vida.
Qual a sua visão em relação aos meios de comunicação no Brasil?
Um dos problemas que a sociedade brasileira tem é o oligopólio dos meios de comunicação, em que a burguesia com o seu poder econômico controla diretamente as redes de televisão, revistas e jornais. Por isso, se nós queremos um Brasil mais democrático, é fundamental que a população tenha acesso à informação fidedigna. Porque é através da informação que ele gera a consciência ou conhecimento, a sua avaliação do mundo. Então nós dos movimentos sociais e do MST em particular, somos muito gratos a todos vocês que atuam na imprensa alternativa, e que fazem dos seus meios, seja na internet ou rádios comunitárias, um instrumento pela democratização da informação. Espero que vocês continuem muitos anos assim, até o que dia que a gente consiga democratizar a Globo, a Record, e todos os instrumentos que hoje estão sob controle do capital.

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