Por uma economia mais justa e menos desigual

Desigualdade, pobreza, fome, miséria, indigência, crianças e idosos abandonados. Concentração de renda, de terras, de riqueza e de poder. Esquemas de corrupção, instituições públicas desacreditadas, classe política em sua maioria sem mérito, tráfico de influências no Congresso Nacional. Trabalho escravo, salários indignos, subemprego. Mercado de consumo para poucos privilegiados, sistema econômico desagregador. Eis aqui alguns dos principais sintomas que faz adoecer gravemente uma sociedade.
Estritamente do ponto de vista social, a raiz do desequilíbrio de qualquer sociedade parece residir, efetivamente, na existência das conhecidas desigualdades socioeconômicas.
Nesse pormenor, cumpre ressaltar que pobreza e desigualdade acontecem em momentos diferentes, e não são sinônimos. Em nosso entendimento, a segunda determina a primeira provocando, por consequência, um desarranjo econômico e social.
Assim, temos pobreza por conta de antes termos desigualdade. Portanto, a desigualdade é, em essência, fonte geradora (e alimentadora) da pobreza. Isso implica dizer que para acabar com a pobreza, faz-se necessário eliminar primeiramente os focos de desigualdade. Cabe perguntar então: aonde residem esses?
A escravidão e o latifúndio
Em nosso caso específico, essa desigualdade tupiniquim provoca uma espécie de subproduto, um desequilíbrio econômico-social que tem como origem duas chagas que marcam tristemente a história de segregação social desse país: a escravidão e o latifúndio.
A história parece corroborar para essa afirmação. Não à toa, o Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão e, por mais de cinco séculos, esse país ainda mantém no bojo uma estrutura fundiária praticamente intocada, à medida que faz vistas grossas ao latifúndio.
Os negros foram libertos do cativeiro; mas continuam “presos” nos dias de hoje aos baixos salários e, em muitos casos, assim como os mais pobres dentre os pobres, continuam “amarrados” aos latifundiários, numa subserviência sem precedentes. Também não por acaso, em pleno século XXI, escravidão e latifúndio continuam andando de mãos dadas mantendo uma histórica perversidade sem limites num país que detém todas as condições para mudar essa situação. As terras continuam em poder de poucos. Três por cento do total das propriedades rurais do país são latifúndios (ocupando 56,7% das terras agricultáveis), de acordo com o Atlas Fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Somente o Grupo CR Almeida, de propriedade de Cecílio Rêgo de Almeida, possui 4,5 milhões de hectares, localizados na Terra do Meio, no Estado do Pará.
Como prova de que escravidão e latifúndio convivem juntos no Brasil, registra-se que em apenas 11 anos, de 1995 a 2006, fiscais do governo federal conseguiram libertar 18 mil pessoas (em média, são mais de 1600 por ano, mais de 130 por mês, quatro trabalhadores a cada dia) que trabalhavam sob regime de escravidão em 1500 propriedades rurais. Se atualizarmos esses dados, certamente esses números se elevam de forma considerável.
Não restam dúvidas então de que a maior de todas as necessidades e prioridades que se impõe a todos nós é a de lutarmos bravamente contra essas disparidades. E como fazer isso?
A busca por uma sociedade de iguais
Fome, miséria, pobreza, opressão e exclusão social não podem, em plena luta pela construção de uma economia mais justa, serem expoentes de uma sociedade que por mais de 500 anos tem convivido pacificamente com a exclusão social. Uma sociedade de iguais, econômica, política e social, se faz necessária para o bem de todos. Essa sociedade de iguais pressupõe, todavia, uma ação coletiva, para que todos vivam uma vida coletiva, de preferência de ajuda mútua, jamais individualizada. O grande desafio que está reservado a essa geração que ora chega ao mercado de trabalho, bem como àqueles que assumem os postos de comando da esfera pública é construir os alicerces dessa vida coletiva, com participação plena de todos, em busca de inclusão.
Viver excluído é a pior situação reservada ao indivíduo. A vida não nos foi dada para que cada um se isole. Nascemos e convivemos em sociedade, junto a nossos pares. Convivemos com semelhantes; porque então não nos ajudarmos uns aos outros?
É imprescindível completar a tarefa de construção sobre o ideal da cooperação entre os pares. Ninguém consegue viver sozinho, isolado, restrito, à margem de tudo. Os vários grupos que constituem o tecido social precisam, cada vez mais, se fortalecer nesse sentido. A cooperação – em lugar da competição – parece ser o caminho mais viável para isso.
Esse sentimento que permeia a construção de uma sociedade de iguais tem pelo menos dois mil anos de história. A Economia, enquanto “matriz” produtora e organizadora de bens e serviços, precisa ser pensada (e ensinada no meio universitário) também nesse sentido.
É o indivíduo, e nada mais, que precisa ocupar o centro principal do pensamento econômico. É assim que pensavam os economistas clássicos quando identificaram que a busca individual por melhorias provocaria uma melhora coletiva. Também os anarquistas enfatizaram o modo de vida coletivo, ao proporem a abolição da autoridade governamental, ficando as decisões a cargo da coletividade. Os marxistas não foram diferentes, quando analisaram a emancipação da classe trabalhadora livre da opressão dos empresários. De igual forma, também a Escola Austríaca de Economia, de cunho liberal, recomenda a ação humana como base para se buscar uma vida melhor. E assim recomendam todos àqueles que se identificam com a prática de uma economia voltada a atingir o estado de bem-estar social. Enfatizando o ponto: há que se pensar numa nova economia, mais solidária, com uma face mais humana, com o coletivo predominando no lugar do individual. Caso contrário, a ganância, expressa na individualidade, vai continuar ganhando esse jogo e estabelecendo, por primazia, sua conduta egoísta que em nada contribui para a prática da solidariedade.
(*) Marcus Eduardo Oliveira é economista, mestre pela USP em Integração da América Latina e professor universitário. Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP). Autor de “Conversando sobre Economia” (Ed. Alínea). prof.marcuseduardo@bol.com.br

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