O carnaval hoje em dia não é mais aquele carnaval para o povo

delegado
Mestre sala histórico da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, para muitos a primeira do Rio de Janeiro, Hézio Laurindo da Silva, mais conhecido como Delegado, aos seus 87 anos, recebeu o Fazendo Media em sua casa na Olaria, região na comunidade da Mangueira. Ele nasceu e sempre morou na comunidade, sua casa é pintada de verde e rosa, cores tradicionais da escola, cuja quadra dos ensaios fica a um quarteirão de onde mora. Na sala de sua casa, onde foi realizada a entrevista, vários troféus que conquistou pela escola de samba fazem a decoração. Durante a conversa ele falou sobre algumas questões do carnaval e da Mangueira, escola que acompanha desde criancinha.
Quando e por que você começou a se envolver com o samba?
Eu comecei com o samba aos 5 anos, meu pai era o melhor dançarino de valsa. Minha família quase toda gosta de samba, gosta de baile e aí eu vim também. Com 5 anos eu já acompanhava o desfile. Já naquela época era organizado, cada um fazia uma coisa, qualquer escola, senão não pode. Por exemplo, aquelas trinta pessoas estavam organizadas ali, pra saber o que vai fazer no desfile. Agora são três mil, quatro mil pessoas, não é brincadeira, não é? E com tempo, cronometrado.
O que você faz hoje na escola da Mangueira?
Com o passar do tempo eu continuo como diretor de harmonia na Mangueira, comandando esse samba. Eu venho ensaiando os passistas, as baianas, tudo dentro daquele ritmo que eu venho preparando para o carnaval.
Como é que você vê o carnaval hoje?
Crítica sempre tem né compadre, sempre tem porque você bota uma escola boa pra desfilar e quando chega na hora os jurados sacaneam. Não têm aquele compromisso de ver, sentir, como é difícil botar uma escola na rua, preparar uma escola, deixar ela boa para chegar na hora “h” e o jurado dar aquela nota horrível que não merece.
O carnaval não está ficando legal. Antigamente botava gente que conhecia: era um professor de balé que julgava mestre sala e porta bandeira; bateria era um tenente do exército ou da marinha; as roupas bonitas, dos desfiles das baianas, eram as maiores costureiras para julgar quais eram as roupas melhores, tudo feito na comunidade mesmo. Isso não existe mais, eles botam qualquer um pra julgar que não está por dentro da situação, não conhece mesmo a história, e podem prejudicar qualquer escola.
Fora essa questão dos juízes, o que mais mudou?
Mudou muito, porque o carnaval hoje em dia não é mais aquele carnaval para o povo. Porque você vê aí as entradas quanto é, antigamente quando nós começamos o carnaval na Avenida Rio Branco, na Praça Onze, tudo era de graça rapaz. Agora tudo é pago, né compadre? Uma família que tem três, quatro filhos, não pode assistir o carnaval. Antigamente a gente levava os pequenos pra ver as pessoas desfilando nas ruas, porque o carnaval era para o povo.
E a representação da Mangueira na história do carnaval carioca desde o começo?
Os artistas preparavam o carnaval muito bem, os enredos eram feitos 100%, era sempre mais de trinta costureiras no barracão.
E a escola de samba da Mangueira hoje?
A Mangueira está bem preparada, todos os sábados existem aqueles ensaios bonitos, no domingo é na rua preparando mesmo, porque nós queremos essa vitória no carnaval. Não vamos perder nesse ano, a Mangueira vem para destruir nossos adversários.
Como você vê a questão da favela, a comunidade da Mangueira?
Eu vivo muito bem na favela, comunidade igual à Mangueira não tem. Pra mim aqui na nossa comunidade está tudo ótimo, a comunidade da Mangueira foi uma das primeiras comunidades de escola de samba – a Mangueira que inventou. Nossa comunidade é fogo, nós não temos gente de fora, é tudo gente daqui, de raiz. Vai chegando a geração nova e a gente leva ali pra quadra, nas quintas-feiras ensaiamos canto, sábado é geral, a quadra fica de um jeito que não dá para ninguém entrar.
Como é a relação da velha guarda da Mangueira com a rapaziada que está chegando?
Tem os mais antigos que são da velha guarda que são mais respeitados, como o Oswaldo, tem uma porção deles. Cada ala não é a velha guarda, que é separada. Hoje o presidente da velha guarda é o Édio Miranda.
Tem pessoas que fazem críticas sobre a relação da Riotur e dos bicheiros com o carnaval, qual a sua opinião?
Aquilo já acabou, isso já é história antiga. Antigamente eram os bicheiros que mandavam no carnaval né, teve um que foi presidente da Liga. Depois veio o Capitão (Aílton Guimarães Jorge), que também era da Liga, mas agora eles tiraram, não tem bicheiro nenhum. A prefeitura acabou com essa mamata, essa era a maior mamata, ganhava quem eles quisessem. Só ganhava a escola dos presidentes das associações, como a Imperatriz e a Vila Isabel que o Capitão foi presidente.
A gente bota o carnaval na rua, mas só tem medo do jurado, a única coisa que empata a escola, porque eles não botam homens competentes, só alguns que conhecem. Agora são 40 pontos, pra fazer não é mole. Tem de botar gente que conhece a harmonia, a bateria, tudo, mas botam qualquer um.
Sobre a influência dos artistas e modelos nos desfiles, qual a sua opinião?
Nós não temos mulher de fora, só da comunidade. Não temos negócio de artista, nada disso, tudo é daqui. Não pode, se nós temos aqui por que a gente vai trazer gente de fora que não sabe fazer melhor do que a gente? A Mangueira prepara todo mundo aqui, não precisamos de ninguém! Por isso nós somos a rainha do samba compadre, a Mangueira não tem nada desse negócio.
Quem foi a grande personalidade da Mangueira até hoje?
O Jamelão, que foi o nosso maior cantor.

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