Drogas sim e drogas não

Café, sorvete e McDonald’s; Lexotan, Rivotril e Ritalina; telenovelas, SuperpopsBig Brothers; Álcool, cigarro e charuto.

Narcotizantes, estimulantes ou simples liberadores de endorfina são, historicamente, parte da vida de homens e mulheres de diferentes grupos sociais.

Se nem todos os exemplos citados podem ser classificados como drogas, uma vez tomado como referência o significado tradicional do termo – algo como “substância que leva à alteração do estado de consciência” –, ao menos se pode dizer que todos são igualmente desnecessários ao adequado funcionamento do organismo e psiqué humanos.

No caso dos programas de entretenimento de massa mencionados, estes sequer têm alguma relação fisiológica (direta) com o corpo dos telespectadores, embora, no longo prazo, seu “uso” constante e excessivo possa levar a complicações físicas, como a obesidade e atrofia muscular, e psicológicas, como o desenvolvimento mental insatisfatório para os padrões mercadológicos e acadêmicos atuais.

Mesmo a par dessas informações, as pessoas – do ignorante ao erudito – seguem fazendo uso dessas substâncias ou produtos, sem que isso represente necessariamente uma escalada rumo à decadência ou morte. Tais drogas são aceitas com naturalidade, ou melhor, sequer são classificadas como narcotizantes, embora seu princípio, no final das contas, seja produzir algum tipo de efeito ou resposta física e mental por parte do “usuário”. Além dessa alteração, que é, sem dúvida, prevista pelo fabricante, não raro esses produtos geram consequências sobre a saúde e vida social dos consumidores, seja direta ou indiretamente.

No entanto, cumpre perguntar: é, por isso, imprescindível que se proíba seu consumo? A vida seria efetivamente melhor sem esses e tantos outros produtos que aqui não foram mencionados? Não oferecem, todos eles, benefícios (ainda que relativos) à sociedade?

O bicho homem não é apenas animal, é sujeito. É dotado de linguagem, cultura e desejos. Diferencia passado, presente e futuro. Não basta, por conseguinte, apenas viver a vida de modo saudável – embora essa seja a maior preocupação de todos, mesmo daqueles que consciente ou inconscientemente se matam. É preciso mais.

“A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte”, já diziam os Titãs.

Será que as drogas classificadas como ilícitas não têm, da mesma maneira, um papel a cumprir neste mundo? Se foram inventadas, desenvolvidas e consumidas com tamanha intensidade, por mais desnecessárias e nocivas que sejam, deve haver alguma razão para isso, não?

Produtos inteiramente inseridos na celebrada lógica do consumo e busca pelo prazer, as drogas são uma consequência perversa do capitalismo, incorrigdrogasível estimulador daquele modelo de vida e bem-estar. A questão é que o que aparece nos comerciais é tão somente um ideal fantasioso em que todos consomem na justa medida o que quer que esteja sendo vendido. Senão vejamos: algum obeso aparece nos comerciais de verão do McDonald’s? Quantas barrigas de chop, acidentes de trânsito ou vidas destruídas são mostrados em anúncios de cerveja? Nas telenovelas, porém, aqueles que se aventuram pelas drogas ditas ilícitas acabam sempre no fundo do poço, como nas propagandas do Ministério da Saúde.

Ainda assim, apesar da avalanche de informações sobre os efeitos degradantes dessas drogas e da repressão cada vez mais violenta, os índices de consumo aumentam em todo o mundo. Por que isso ocorre? Porque tal uso não é algo da ordem do racional, mas do desejo, que corre por entre às diversas operações subjetivas que estão por trás do comportamento humano.

A estratégia de combate às drogas – se é que deve haver uma – precisa ser revista, bem como o próprio conceito de “droga” e o ordenamento das substâncias que podem ou não ser consumidas legalmente. A constar pelo frequente uso de produtos comerciais legalizados que geram efeitos sobre os corpos e mentes, fica a impressão de que a proibição de algumas drogas não é mais que um ato atravessado pela arbitrariedade e preconceito.

2 comentários sobre “Drogas sim e drogas não”

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