Continuo estarrecido com a neurose relacionada a Cuba, que é colocado no debate como se orégano fosse. É alguma espécie de tara da direita burra brasileira. E por que burra?
Porque se essa direita efetivamente se informasse sobre a legislação eleitoral cubana, iria aplaudi-la de pé. É objetivamente, pelo menos em muitos dos princípios, o que muita gente de direita quer. Como se informar?
Ler a legislação e conversar com cubanos comuns. Eu fiz, isso. Acompanhe apenas alguns exemplos:
01. O voto não é obrigatório.
02. Para se candidatar, não é necessário estar filiado ao partido cubano. Aliás, o PCC (Partido Comunista Cubano) tem uma participação limitadíssima nas eleições.
03. Os militares podem se candidatar sem sofrer qualquer tipo de retaliação — a retaliação é vedada a qualquer pessoa que se candidatar, conforme a legislação eleitoral. E, aproveitando o tema, o país tem uma participação bélica irrisória: não aparece, segundo os dados do ano 2012, nem entre os 154 primeiros países que mais gastam na área militar.
04. As discussões sobre os indicados são locais, uma espécie de “voto distrital” (dentro da “circunscrição eleitoral”).
05. Não tem propaganda eleitoral privada. Cada candidato tem direito a uma propaganda simples, local, onde valem as propostas, e não o dinheiro. (bem, talvez essa a direita não goste muito…)
06. A qualquer momento, o mandato poderá ser revogado pela maioria dos eleitores. De novo: a qualquer momento.
07. 50% das vagas são preenchidas por mulheres.
08. Não existe remuneração para o exercício do mandato. Os eleitos permanecem exercendo suas profissões e recebendo o salário correspondente ao seu trabalho. Na Suécia, por exemplo, há um regime parecido neste aspecto, com uma ajuda de custo mínima aos parlamentares, outros dirigentes e ao próprio primeiro-ministro.
09. O poder central (que existe em qualquer país, o “governo federal”) tem diversas limitações. A militância no partido, por exemplo, não tem qualquer relação com a indicação aos cargos eletivos.
10. Ao contrário do que se diz em órgãos da direita brasileira, este “governo federal” é um Conselho de Estado, assim como há o Conselho de Ministros. O Conselho de Estado é formado por um presidente, seis vice-presidentes e um secretário-geral.
11. O mais importante: para ser presidente do Conselho de Estado é necessário antes ser eleito deputado com mais de 50% dos votos válidos, diretos e secretos. Depois, em nova votação, deverá alcançar mais de 50% dos votos secretos dos parlamentares.
* * *
Felizmente, não é mais preciso falar da saúde, da educação, do desenvolvimento social e dos esportes, por exemplo, porque os fatos já não têm como ser escondidos.
País de apenas 11 milhões de pessoas, Cuba é historicamente um dos mais importantes nas Olimpíadas e tem uma das melhores medicinas do mundo, exportando seus serviços para o continente mais pobre do mundo sistematicamente, como reconhecem os organismos internacionais liberais.
Caso ainda queira realmente continuar metendo Cuba em qualquer lugar, as pessoas deveriam no mínimo se informar sobre o país. Até porque quando falam besteira do Brasil, estas mesmas pessoas ficam extremamente irritadas (e justamente).
Sugestões de leitura:
- Legislação eleitoral de Cuba: http://bit.ly/1DNc9v8
- O sistema político em Cuba (Anita Leocadia Prestes): http://bit.ly/1xlHFfs
- Eleições em Cuba (Vânia Barbosa): http://bit.ly/1xlHSPZ
- Outras áreas: http://bit.ly/1xlHMrs
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
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