Brasil – Não falta dinheiro para a infra-estrutura

Raquel Balarin
Valor Econômico
5/2/2007

Nos últimos dois anos, muito antes de a sigla PAC ter algum significado, instituições financeiras partiram para captar recursos com o único objetivo de investir em projetos de infra-estrutura. Não estavam nem de longe pensando em ajudar o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Simplesmente perceberam que havia uma necessidade enorme de investimentos na área, e que, a persistir a trajetória de queda do juro, participações em projetos de infra-estrutura poderiam gerar retornos interessantes no longo prazo. Hoje, há cerca de seis Fundos de Investimento em Participações (FIP ), com um total disponível de cerca de R$ 4 bilhões. A grande maioria concluiu seu processo de captação no segundo semestre de 2006 e tem como investidores fundos de pensão, em especial a Funcef (Caixa Econômica Federal) e a Petros (Petrobras).

Para esse grupo de investidores, a decisão de o governo incentivar a criação de fundos de infra-estrutura, via PAC, poderia, à primeira vista, significar mais gente interessada nos mesmos investimentos, um aumento da concorrência com risco de reduzir o potencial de retorno. A percepção do grupo, porém, é a oposta: a de que o PAC veio para ajudar. Primeiro, porque a necessidade de investimentos é muito grande e há casos em que é necessário reunir vários investidores para conseguir tirar um único projeto do papel. Segundo, porque ao jogar luzes sobre a questão, o PAC poderá ajudar a destravar vários investimentos. Hoje, os fundos de infra-estrutura já constituídos (à exceção do Pactual Energia, mais antigo) não têm um único projeto em carteira, embora vários em análise. É o caso, por exemplo, do AG Angra, de R$ 697 milhões, que concluiu sua captação em outubro do ano passado; ou do Logística Brasil, da GP, de R$ 462 milhões, fechado em agosto. Ou ainda do Infra-Brasil, administrado pelo ABN Amro e que conta com recursos do BID e do Darby Stratus.

“O PAC ajuda muito. Prioriza o investimento em infra-estrutura e toca nas feridas”, diz Nelson Rozental, diretor da GP Administração de Recursos. Entre as feridas estão a questão das licenças ambientais de novos projetos e as estruturas de financiamento, além de regras de desapropriação, entre outros. Um exemplo é a liberação de recursos do BNDES, imprescindíveis em projetos de infra-estrutura. O banco não aceita que o fluxo de caixa futuro do empreendimento possa ser usado como garantia, como ocorre nos “project finance”. O problema é que muitas vezes um terreno dado como garantia de um terminal, por exemplo, tem um valor menor do que o financiamento pretendido, dificultando e até inviabilizando a operação. A percepção de gestores entrevistados pelo Valor é de que o plano deve alterar a postura do banco.

Para o presidente da Funcef, Guilherme Lacerda, uma mudança recente de cenário, com marcos como a lei de saneamento, pode ajudar a deslanchar os investimentos. “A lei pode ter limitações, mas joga a questão em um novo patamar. Além disso, a taxa de juro é incômoda para esse tipo de projeto, mas menor do que um ano atrás”, diz Lacerda. A Funcef e a Petros foram os fundos que mais comprometeram recursos com os fundos criados pelo setor privado para investimentos em infra-estrutura. A Funcef se comprometeu a aplicar R$ 750 milhões – recursos são investidos à medida que avançam os projetos. A fundação considerou que é preciso buscar alternativas às aplicações de renda fixa para que obter a meta atuarial de INPC mais 6% ao ano no longo prazo. No ano passado, o fundo de pensão obteve rentabilidade de 22%, ante uma meta de 9%. O resultado permitiu que os benefícios de aposentados e pensionistas fossem reajustados em 4%.

Maior trunfo do PAC será a retirada dos entraves

Se a percepção é de que os investimentos em infra-estrutura podem render mais no longo prazo, por que não aplicar mais recursos? Lacerda diz que há essa intenção, mas que é preciso primeiro concretizar os cinco fundos dos quais a fundação já participa. Rozental, da GP, também crê que o momento é de buscar projetos para os recursos já captados. Na GP, uma equipe com profissionais formados nas melhores escolas americanas dedica-se exclusivamente a analisar investimentos na área. Por enquanto, o foco tem sido os novos empreendimentos (“green field”). “Para ativos já existentes, há muito dinheiro circulando, muitos recursos à procura de renda e o que acaba ocorrendo é que, nestes casos, o retorno é mais baixo. Os projetos novos são mais complexos, mas, se bem-sucedidos, dão retornos maiores”, explica Rozental.

Os fundos já existentes são voltados a investidores institucionais, que têm mais apetite para o longo prazo. O PAC, porém, pretende estimular as aplicações de pessoa física e, para isso, concede benefício fiscal – isenção de imposto para investimentos acima de cinco anos. Também prevê aplicações do patrimônio do FGTS e das contas individuais dos trabalhadores no fundo, até o limite de 10% do saldo. O incentivo é bom, mas deve demorar a pegar. Cidadãos comuns não estão acostumados a investir recursos por período tão longo, como cinco ou sete anos. Além disso, eles têm como referência as altas taxas de juro pagas nos títulos públicos.

“Será necessário o surgimento de grandes casos de sucesso em infra-estrutura, como ALL ou o porto de Santos, para começar a despertar o apetite desse público”, diz um gestor. No caso do FGTS, a questão é ainda mais complexa. Primeiro, porque há problemas jurídicos. Os recursos do fundo não são orçamentários: são dos trabalhadores e captados pelas empresas. Segundo, porque nenhum gestor de recursos até agora entendeu como vai funcionar esse tipo de aplicação. Qualquer instituição pode criar um ou só a Caixa Econômica Federal? Quem aprova os investimentos? Quem define o risco? Como se vê, não é só dinheiro que falta à infra-estrutura. Faltam regras, projetos bem estruturados, financiamentos adequados e mentalidade de investidor de longo prazo.

P.S.: Alguns bancos, como o Unibanco, aproveitaram o PAC para lançar fundos de infra-estrutura vendidos em suas agências. Atenção: esses produtos não são aqueles previstos no plano do governo, mas, sim, fundos de ações que aplicam em papéis de empresas de logística, saneamento, energia e portos. O Bradesco já havia lançado um desses em dezembro. Os benefícios fiscais do PAC não se aplicam a esse tipo de investimento para pessoa física.

Raquel Balarin é editora especial em São Paulo

PB

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