América Latina & Caribe em 2005, por Isaac Bigio

Uribe: Paramilitar?

LONDRES, 24/6/2005. O PDI, partido de Garzon, prefeito de Bogotá, acusa o presidente colombiano de ter usado seu anterior posto de governador de Antioquia para proteger seu irmão e seus primos, que lideravam diferentes esquadrões ‘paramilitares’ que torturaram e assassinaram dezenas de pessoas e que muitos destes crimes foram planejados em sua propriedade familiar. Uribe ganhou os votos e chegou ao governo afirmando que iria acabar com a violência e com a guerrilha. Nesta semana, o Congresso aprovou uma lei sua segundo a qual busca-se desmobilizar 10 mil paramilitares.

Enquanto Uribe considera esta lei como pró-paz, para seus opositores (incluídos dentro da direita) a nova legislação dá carta branca para que muitos traficantes e outros criminosos sejam liberados de passar por processos ou serem extraditados. Para os uribistas, as reclamações da oposição tem como objetivo parar a marcha de Uribe rumo à reeleição presidencial em 2006.

Alerta zapatista

LONDRES, 23/6/2005. Depois de quase 140 meses de ter se rebelado, os zapatistas anunciaram um ‘alerta vermelho’ para contemplar uma nova etapa ‘decisiva’ em suas ações. Quando os integrantes do PCP-Sendero Luminoso, do Peru, passaram por um período semelhante, sua direção estava voltada para a capital, tentando passar do equilíbrio estratégico para uma violenta ofensiva geral em todo o país.

O zapatismo, entretanto, nunca se expandiu para fora do estado de Chiapas, não fala em ‘tomar o poder’ e manteve-se relativamente pacífico em seus bastidores. Para o ‘subcomandante Marcos’, sua principal arma é a propaganda e sua estratégia passa por manter uma certa trégua e pressionar para a realização de reformas constitucionais e não conquistar o Estado. Eles quiseram ajudar Lopez Obrador ou o PRD a ganharem as eleições presidenciais.

Aos zapatistas, seria negativo lançar uma ofensiva armada hoje. Contudo, há setores ‘contrários aos narcóticos’ que estão incursionando em suas zonas ou querem que o México seja governado por uma ‘mão’ não esquerdista, mas bastante ‘rígida’.

Bolívia: Lei dos Hidrocarnonetos desagrada múltis e massas

LONDRES, 18/5/2005. Os sindicatos marcharam na última segunda (16/5), pela re-nacionalização dos hidrocarbonetos, enquanto dirigentes empresariais sustentam que pedir um 50% de impostos às multinacionais afugenta o investimento privado. Mesa decidiu não assinar mas também não vetar a Lei dos Hidrocarbonetos, que cria um novo imposto de 32% sobre a produção, mais 18% de “regalías” (percentual que as empresas deve deixar nas regiões).

Ao passar a responsabilidade ao Legislativo, para que este tenha aprovado a lei, o presidente voltou a demonstrar sua débil característica de manter-se como um eterno equilibrista. Mesa foi o vice do arquiteto das privatizações (o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que renunciou sob pressão em outubro de 2003) e acha que que o país deve atrair capitais estrangeiros. Mas não tem força para manter um veto. Aliás, tê-lo feito provocaria mais protestos dos ‘revolucionários’ que querem sua queda, assim como seguir o modelo da Venezuela.

Para evitar ser deposto como seu predecessor e procurar acalmar as águas, Mesa deveu deixar passar uma lei que não aprova, mas que ainda é mais moderada do que desejam as mobilizações.

Chile: direita desunida

LONDRES, 17/5/2005. Pouco depois da revolta gerada no Peru pelo vídeo da companhia aérea chilena Lan (que mostrou durante seus vôos a sujeira na cidade de Lima), o dono desta companhia convulsionou a cena política do seu país ao lançar-se à presidência.

A “Renovação Nacional” – que apoiava a candidatura de Lavín (ex-prefeito de Santiago) e mantém com o seu partido (UDI) a “Aliança pelo Chile” – lançou neste fim de semana a candidatura de Piñera, magnata da Lan e da TV Chilevisión que se opõe a Pinochet. Esta postura reflete o interesse do liberalismo chileno de afastar-se do ex-ditador, cada vez mais desprestigiado por denúncias de corrupção e crimes. Lavín, apesar de criticar Pinochet, é percebido como seu herdeiro e, portanto, teria poucas chances de evitar a reeleição da situação.

Nas pesquisas, a socialista Bachellet está muito a frente de Lavín. Piñera poderia aceitar uma eleição interna para que a direita tenha apenas um candidato (assim como a coalizão governista). Mas ele teme perder para Lavín e pode, por isso, optar por manter sua candidatura até o primeiro turno, em dezembro. Esta segunda estratégia pode render-lhe votos anti-Pinochet da centro-esquerda. Em resposta, a UDI deve reafirmar seu discurso populista e seu distanciamento com o “partido dos empresários”.

Equador: Palacio a Palácio

LONDRES, 21/4/2005. Enquanto o Vaticano elegeu o novo papa em conclave secreto, o Equador mudou de presidente com marchas em massa. Um Lucio “deslúcido” deixou o palácio em mãos de seu vice-presidente, Palácio. Há paralelos com o levante boliviano de 2003, no qual a população da capital enfurecida obriga a trocar o presidente por seu vice. A diferença está em que, enquanto na Bolívia caiu um presidente liberal em mãos de sindicatos e indígenas, no Equador a classe média foi o eixo e a direita se aliou com a esquerda para investir em alguém que tem estado a meio caminho entre ambas.

Palácio foi ministro do conservador Duran, mas usa linguagem ‘social’. Seu governo (como o de Mesa) deseja navegar entre duas águas, mas não acabará com a crise, pois serão inevitáveis os choques entre duas forças crescentes. Os social-cristianos demandam facilidades ao investimento privado e à aceleração da marcha para o ‘livre mercado’, enquanto a esquerda quer que se retirem as bases dos EUA e se reverta a dolarização.

A democracia equatoriana se caracteriza por eternos choques entre os poderes Legislativo e Executivo e entre governantes e governados, o que constantemente semeia ‘desgoverno’. Os últimos 3 presidentes votados pelas maiorias (Bucaram, Mahuad e Gutiérrez) acabaram sendo colocados por maiorias, nas ruas. Desde 1830 o Equador teve 55 presidentes constitucionais. Seis dividiram o palácio durante os últimos 8 anos.

O Peru está num “sanduíche” entre o Equador e a Bolívia, mas a diferença de seus vizinhos ainda é seu presidente, pese a sua impopularidade, não foi questionado por uma explosão social.

Bloqueio Irã-Venezuela

LONDRES, 22/3/2005. Jatami, presidente iraniano, esteve em Caracas devolvendo a visita que Chávez fez a seu País. Venezuela e Irã são dois dos maiores exportadores mundiais de petróleo. Ambos são os principais opositores dos EEUU em seus subcontinentes, proclamam a realização de revoluções nacionalistas e desenvolvem economias protecionistas com significativa intervenção estatal.

Irã e Venezuela não querem que Bush os considere o novo Iraque ou Cuba. Chávez apóia o programa nuclear iraniano (que Teerã diz ser pacífico, mas que busca gerar algo que intimide qualquer possibilidade de invasão). Enquanto Jatami rodeia-se de aliados com poder na Síria, Líbano, Iraque e Afeganistão, Chávez quer ser a vanguarda dos novos governos centro-esquedistas da América do Sul.

Durante a bipolaridade, o terceiro-mundismo propunha um terceiro campo ‘não-alienado’. Hoje, Chávez e Jatami sabem que não há um contrapeso soviético a Washington. Por isso, buscam acordos com a China, Índia, Rússia, União Européia, África do Sul e Brasil para conter os ‘excessos’ de Bush demandando um ‘mundo multipolar’.

A astúcia de Mesa

LONDRES, 19/3/2005. Quando a Bolívia foi paralisada pelos bloqueios liderados por Evo Morales, o presidente Carlos Mesa tinha dois caminhos a seguir: buscar enfrentá-los com um estado de sítio ou desmantelá-los pacificamente. O primeiro caminho poderia provocar uma resposta popular, como a que em outubro de 2003 enfrentou seu predecessor, ou transformá-lo em um semi-ditador.

Ele optou pelo segundo caminho. Sem partido e com um parlamento adverso, seu método foi chantagear com renúncia ou eleições imediatas. Isso assustou muitos parlamentares, que não queriam dar espaço à incerteza social nem perder dinheiro e poder. Morales pensava que não venceria esses riscos. E que isso dificultaria seu objetivo de estabilizar o governo e demonstrar aos investidores que ele poderia ser o Lula boliviano, chegando ao palácio em 2007. A centro-direita carece de unidade e presidenciáveis carismáticos.

A manobra de Mesa

LONDRES, 10/3/2005. O presidente boliviano não quer ser uma mesa sem pés. O roteiro de greves e marchas o levaram ao palácio e estão dominando a cena durante seus 17 meses de governo. Por um lado, o empresariado do departamento mais dinâmico (Santa Cruz) demanda autonomia e, por outro, nos últimos dias, sindicatos, campesinos e “o Alto”, mobilizam-se contra as multinacionais.

O exército está desacreditado e Mesa necessita de partido e maioria parlamentar. A única opção que resta a ele é ameaçar-lhes: ‘ou eu ou o caos’; ‘ou aceitam um acordo sob as minhas condições ou o país se desintegra, pois, a partir de mim, não há nada capaz deviabilizar um governo’.

Mesa sabe que Evo Morales, seu principal opositor, não quer realizar uma revolução pois quer mostrar ao mercado que pode ser um estadista parecido com Lula. Com sua jogada, ele busca que Evo termine com os bloqueios e firme um pacto social.

Renuncia o presidente boliviano?

LONDRES, 9/3/2005. Carlos Mesa, presidente boliviano, apresentou sua renúncia ao congresso. Esta atitude não significa que ele quer deixar o cargo, mas que busca apoio popular e parlamentar para fazer frente à onda de bloqueios…

…que vêm demandando a nacionalização da água e maiores impostos para as corporações petrolíferas. Mesa sabe que não tem capacidade de enfrentar o furacão social com a força e que tampouco há alguém capaz de substituir-lhe. As Forças Armadas não se sentem dispostas a uma ditadura e quem pode suceder-lhe, o presidente do Senado, não crê que duraria muito no posto. Sua tática é similar à que usou antes o presidente Siles (1956-60), que decretou uma greve de fome para conter as greves e depois investiu contra a Central Trabalhista Boliviana.

Com sua manobra, Mesa quer contra-atacar Evo Morales. Se o parlamento aceitar sua renúncia, o governo pode passar a algum partido (o MIR ou o MNR) com baixa popularidade ou serem convocadas novas eleições, como planeja a COB. Outros pedem ainda uma revolução social.

Em seu discurso de renúncia, Mesa disse que tem 60% de popularidade e que resolveu 820 conflitos. A renúncia que quer não é à faixa presidencial mas a dos sindicatos ao bloqueio que paralisa o país. Ele prefere renunciar a ser um presidente com pouco poder. Quer manter-se no cargo aumentando os seus poderes e obrigando a oposição a retirar-se das ruas.

Rotação uruguaia

LONDRES, 8/3/2005. O novo governo uruguaio está produzindo mudanças na política externa, que repercutem em toda a região. Enquanto o presidente proeminente (Battle) foi o mais hostil à Cuba (país com o qual rompeu ligações), a primeira ação do novo mandatário (Tabaré) foi de reestabelecer relações com a ilha. Montevideo disse que já não se dedicará a questionar direitos humanos de Cuba, e sim se concentrará em seu próprio país.

Enquanto Battle foi mais reticente à Comunidade Sul-americana de Nações, Tabaré impulsionatá a ela e ao Mercosul. Chávez já saudou o novo aliado implantando um bloqueio pro-independência.

A Bolívia poderia ser o próximo país a tornar-se de esquerda. Sem embargo, as novas administrações não querem uma virada na direção das políticas de confronto com os EEUU e nacionalização próprias de Velascos, Torres, Allende, Torrijos e outros nacionalistas nos anos 1960 e 1970. Washington já saudou Tabaré e ele tratará de manter bons vínculos com os EEUU.

A questão indígena

LONDRES, 5/1/2005. Nos últimos anos foram feitos diversos levantamentos que aguçaram a questão indígena, de Quito a Andahuaylas e de Chiapas ao Chapare. O nacionalismo étnico vem crescendo internacionalmente e foi um dos fatores que propiciou a desintegração das federações socialistas do leste europeu em 1989-91.

A União Européia procurou contrastar os efeitos centrífugos das reivindicações étnicas, ao permitir que as minorias nacionalistas tivessem suas próprias autonomias e parlamentos, além de fomentem o uso oficial de seus idiomas junto aos colégios, universidades, tribunais, congressos e à mídia.

É inevitável o crescimento das demandas em prol de se fazer com que os povos ameríndios tenham maiores níveis de autonomia e que, dentro de seus próprios idiomas, possam ser instruídos, julgados e legislados.

Alguns setores, decerto, usarão tais reivindicações para impulsionar um levante popular, enquanto os liberais e sociais-democratas deverão regulamentar algumas dessas petições para se evitar uma explosão social e racial, buscando assim, a integração desses povos historicamente marginados ao Estado. Tradução de Pepe Chaves

Neo-golpismo

LONDRES, 5/1/2005. Os novos levantes armados na América Latina têm um novo caráter desde os anos 90. Quando sucumbiu o bloco soviético, fracassou Guzmán e se consolidaram as democracias liberais na região. Já não se vieram dando para tomar o poder mediante revoltas militares ou uma revolução, senão para pressionar, renegociar e eventualmente, querer chegar eleitoralmente ao governo.

Chávez e Gutiérrez fizeram seus discursos como ante-sala para se chegar ao palácio pela via das urnas e não das armas. Humala se inscreve na mesma tendência, por querer apresentar a uma ala militar como sendo o porta-voz de raças ou classes oprimidas.

O motim andahuaylino se deu na mesma data em que 11 anos atrás se deu a sublevação de Chiapas. Enquanto protesta pela discriminação ao índio, não tem maior relação com suas comunidades. Mais que um golpe tradicional, o objetivo ‘etno-cacerista’ é um golpe de publicidade. Tradução: Pepe Chaves

Pinochet

LONDRES, 5/1/2005. A corte suprema avaliou a ordem de detenção domiciliária para Pinochet. Ainda que seus defensores possam procurar novas saídas legais, o verdadeiro é que ele se encontra em maus lençóis. Seu processo poderia ter efeitos sobre o futuro de Fujimori e dos outros ex-ditadores chilenos.

Enquanto Lagos conseguiu isolar a direita dura, agora deverá defrontar a uma esquerda dura que se sente encorajada, após o crescimento nas eleições locais, o que demanda maior firmeza e ampliação da Justiça.

A esquerda pede que, não somente se castigue a Pinochet, mas também que se rompa radicalmente com o sistema econômico que ele desenvolveu.

O oficialismo vai querer mostrar que agora se pode confiar na renovada Justiça chilena e que o conservadorismo foi neutralizado (ao ponto de poder sacrificar a quem chegasse a ser seu herói), em parte, devido a fato de que os antigos socialistas se reciclaram adotando o modelo monetário deixado por Pinochet. Tradução de Pepe Chaves

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