“…membros do próprio tribunal, o Procurador Geral, o Alto Comissionado das Nações Unidas e até o representante do Ministério da Justiça no Conare reconhecem que a cúpula do STF e o governo neofascista italiano se uniram para iniciar um julgamento sem sentido, gerando um fato de ingerência do Judiciário no Executivo absolutamente inválido. Qualquer que seja a sentença do STF, todo seu procedimento deveria ser considerado inexistente.
“Agora, o embaraçado ministro pretende que qualquer aberração que seja produzida por este incrível pacto de omertá (o primeiro assinado publicamente por dois países) seja respeitada!”
O posicionamento de Lungarzo veio ao encontro do que afirmei no meu artigo Conivência com a extradição deixaria o Governo Lula sob fortes suspeitas, principalmente nestes trechos:
“Não, Sr. Ministro, essa decisão não pode ser respeitada sem que o Executivo esgote até o último cartucho legal para preservar o equilíbrio entre os Poderes.
“…S. Exa. tem agora a obrigação de demonstrar ‘coragem política e decência moral’ na luta contra a escalada reacionária do STF. Não transigir com ela e ficar resmungando de longe, mas sim buscar caminhos legais para obstar essa flagrante deturpação da Justiça.
“E esse compromisso é de todo o Governo Lula, que não pode assistir indiferente à imposição de uma tutela espúria sobre suas decisões legítimas”.
Em termos práticos, pode-se frustrar o complô reacionário tanto na retomada do julgamento no STF quanto por meio da posterior concessão do indulto presidencial a Battisti. O que não eximiria o Governo e os cidadãos conscientes deste país de, mais tarde, lutarem para que seja fechada a brecha aberta pela primeira decisão do Supremo na quarta-feira negra: a de que um indulto concedido pelo Executivo possa ser derrubado pelo STF.
A eventualidade de Battisti ser indultado é assim avaliada por Lungarzo:
“O indulto presidencial é um instrumento legítimo e prestigiado ao longo dos séculos. Se Battisti for condenado à extradição pelo STF, e Lula omitir-se de utilizá-lo para impedir essa extradição, não estaria apenas ‘respeitando’ aquela aberração jurídica (o que já seria muito grave), mas seria cúmplice dela!”
“RACISTA”, “FASCISTA”, “MAFIOSO” E “ESCANDALOSO”
Estendendo sua análise, o membro brasileiro da AI alinhava sete motivos pelos quais Lula deve conceder o indulto, se as coisas chegarem a esse ponto:
- Embora o governo não se interesse pelos Direitos Humanos, e esteja sempre na pauta de Anistia Internacional, não é benéfico ter essa imagem no contexto internacional, especialmente porque as vantagens de bajular Itália são mais aparentes do que reais. Os milhares de restaurantes e pizzarias italianos do Brasil não vão abandonar o país por causa disso.
- A imagem internacional não se constrói apenas com (futuro) petróleo e vitórias sobre uma (suposta) crise. É necessário respeitar os tratados internacionais, não apenas os comerciais, mas também os relativos a refúgio, asilo, extradição, imigração e similares. O representante do País nesses tratados é o chefe de Estado e não o poder Judiciário. Se o Presidente permite que o refúgio seja destruído pelos “cinco da toga”, a confiabilidade no Brasil acabará.
- Se o governo realmente se orgulha de seu povo, do qual fala muito e com grande emoção, deve mostrar a humanidade que é capaz de defendê-lo da injúria e a humilhação que lhe impõe um governo estrangeiro, colonialista, racista, fascista, mafioso e, para completar, escandaloso.
- Se o Presidente defende a igualdade de direitos entre os povos, deve mostrar que percebe sua violação. Enquanto o Brasil ajudou a enriquecer a uma parte expressiva da comunidade italiana, a Itália trata os brasileiros de origem não itálica (entre outros muitos, como albaneses, ciganos e romenos) como o Reich alemão tratou os judeus, mais ou menos.
- Se Lula é patriota como afirma, deve mostrar que os patriotas são corajosos e lideram um povo também corajoso, que não se deixa assustar por uma máfia política que mantém uma precária democracia.
- Se o governo ama a verdadeira democracia, deve reclamar contra sua deturpação. Brasil, Chile e até Argentina mostram certa vergonha por seu período de perseguição e genocídio. Na Itália, as vítimas da operação Gladio, da Estratégia de Tensão, de Propaganda Due, não foram indenizadas como no Brasil, mas perseguidas como se fossem assassinos.
- Finalmente, se incomoda ser considerado um país de brincadeira, deve mostrar-se que eles não são nossos parceiros de jogo. O Presidente deve mostrar-lhes que não tolerará uma aliança entre aquele governo e uma parte corrupta de nosso Judiciário para contrariar as decisões soberanas do Estado Brasileiro. E os representantes dessa soberania são, pelo próprio direito internacional, os chefes de Estado.
Obs.: depois de escrito este artigo, Carlos Lungarzo reconsiderou a questão do instrumento jurídico a ser utilizado na eventualidade de o STF permanecer surdo ao clamor de justiça. Caberá, então, o pedido de clemência (ou graça) ao presidente Lula — não de indulto, que se aplica apenas a quem foi condenado pela Justiça brasileira.