François Houtart: uma análise consitente e lúcida da atual conjuntura, apontando desafios e pistas de superação

No pequenino e bravo Haiti, tem sido prestigiada a iniciativa da Association Café Philo, de promover e organizar debates para refletir temas de candente atualidade. Neste ano, em memória dos 100 anos da Revolução Russa e dos 150 anos da publicação do Primeiro Livro de “O Capital”, Café Philo houve por bem convidar o Pe. François Houtart, para refletir sobre desafios e perspectivas da conjuntura internacional.

François Houtart, às portas dos seus 92 anos, é um padre belga, hoje trabalhando no Equador, animando um grupo de pesquisadores. É sociólogo, com uma mundialmente reconhecida contribuição, inclusive desde seu período de trabalho na Universidade de Lovaina (Bélgica), tendo contribuído na formação de toda uma geração de intelectuais da América Latina. Era muito próximo de Pe. José Comblin.

François Hourtar segue a brindar-nos com sua já longa e densa contribuição crítica, pelo mundo afora. Já tendo percorrendo cerca de 80 países, inclusive contribuindo densamente nas diversas edições do Fórum Social Mundial, desta vez, desde o Haiti, a convite de jovens pesuisadores, volta a dar prova de sua admirável capacidade de analista social, sempre comprometido com a busca de caminhos alternativos à barbárie capitlaista. Ouso insistir fraternalmente junto aos amigos e amigas, no sentrido de verem/ouvirem/lerem esta sua palestra, seguida de criativo debate, acessando o “link”:

https://www.youtube.com/watch?v=Nxe-OAFa_6E

Segue abaixo uma tradução de sua densa palestra. (AJFC)

“Obrigado, Camilo! Obrigado a vocês todos, por me term convidado para este “Café Philo”, cujo público me parece bastante interessante, para passarmos juntos esta noite.

Vendo o filme sobre Chomsky, ele me fez lembrar de um “slogan” ou de uma história contada na União Soviética, no tempo em que a União Soviética ainda existia. Então se perguntava: “Qual é a diferença entre o Capitalismo e o Socialismo?”- “ Bem, o Capitalismo é a exploração do homem pelo homem, e o Socialismo é o contrário”… Isto nos deve levar a refletir, de maneira concreta, para não cairmos numa repetição de “slogans”. “De maneira concreta” quer dizer também, fazer uma reflexão que consiga inclusive fazer questionamentos de ordem filosófica. Qual é a filosofia de base do Capitalismo, em relação àquela que queremos construir – a do Socialismo?

Nesta noite, nós vamos, primeiro, buscar compreender qual é essa lógica do Capitalismo que, como dizia Schmpeter – economista alemão – tem um caráter destrutivo de todas as formas sociais precedentes, mas que também tem um caráter construtivo que, como dizia Karl Marx, lhe permitiu ser o sistema econômico que, na história da humanidade, que mais produziu o maior número de bens e de serviços. Portanto, tratemos de compreender qual é essa lógica subjacente deste sistema, partindo da realidade, notadamente da realidade de sua crise contemporânea. Num segundo momento, vamos tratar das soluções que são propostas diante da crise do sistema capitalista, no mundo contemporâneo. Finalmente, tratarei de fornecer algumas ideias que provavelmente ajudarão no debate, sobre qual filosofia permite construir uma nova abordagem sobre o que pode ser uma nova filosofia, uma nova abordagem, seja Socialismo, seja Eco-socialismo, seja o Socialismo do Século XXI, seja, como propus numa pequena publicação, Bem Comum da humanidade.

Nós começaremos por uma visão da realidade. E que aqui gostaria de que propôs alguns gráficos a respeito que de que crise é esta expressa pelo capitalismo. Através este primeiro gráfico, vemos que a crise do Capitalismo, é, antes e tudo, uma crise do capitalismo financeiro, porque é o que domina a economia mundial do mundial do mundo contemporâneo, hoje. Neste gráfico, podemos ver, de um lado, uma curva descendente, que representa a economia real, a economia produtiva, a economia feita dos investimentos realizados em bens e serviços, aí, nós estamos vendo que esta curva descendente corresponde a uma parte do sistema, no decorrer dos últimos anos. Por outro lado, Neste gráfico, vemos uma curva ascendente, sobre tudo a partir dos anos 2000. Esta curva mostra a evolução do Capital Financeiro. Por outro lado, a cuva ascendente corresponde ao ascenso do Capital Financeiro. Esta curva sobe muito rapidamente, sobretudo, a partir dos anos 2000, mostrando a rentabilidade do Capital Financeiro. Vemos que o que se passou foi a dominação do Capital Financeiro, através da filosofia da acumulação do Capital. O Capital financeiro monta suas bases num capital virtual, formado por dinheiro virtual, com dinheiro virtual, portanto gerando uma economia virtual, que alguns chamam de “economia-cassino”.. E a dominação deste setor fez com as contradições destas duas partes do sistema capitalista acentuaram-se ao ponto de explodirem. E o estouro veio, como sabemos, no ano 2008, com a crise financeira e monetária, em escala mundial.

No segundo gráfico, nós percebemos que esta grande bolha, que é a bolha financeira. A bolha financeira correspnde à grande acumulação do capital financeiro, que domina a economia mundial. Enquanto isto, a bolha pequena, que se acha à direita da grande, corresponde à economia real, à que se refere à produção de bens e serviços. A diferença das duas bolhas aponta uma contradição enorme existente entre a economia financeira e a econnomia real. Eis por que se tem chamado a esta economia de uma economia de cassino.

Isto nos leva a irmos mais longe, na análise. Aqui, vamos perceber que esta economia tem à sua disposição os instrumentos e as instituições legais, de que precisa: não apenas o FMI, o Banco Mundial, a Oranização Mundial do Comércio e todo o conjunto de aparelhos financeiros internacionais, que se acham a serviço desta filosofia a economia, mas também todas as economias criminosas, economias subterrâneas, como os parísos fiscais espalahdos pelo mundo, cujo gráfico vocês podem ver aqui. Poranto, esta economia também conta com uma realidade que lhe permite reproduzir-se no plano das instituições.

Um economista latino-americano muito importante, chamado Jorge Bernstein, que é argentino, historiador da economia, estudou o que se passou, no decorrer dos últimos cinco anos, no tocante aos randes ritmos no mundo. E ele consegue mostrar que o conjunto dos grandes rirmos, seja a economia da Grã-Bretanha, seja a economia atual dos Estados Unidos, seja o ritmo para a economia de produção de bens e serviços básicos foram entrando em crise, progressivamente, sobretudo no último período, foram entrando em crise generalizada. Portanto, não se trata apenas de crise financeira, mas se trata, na história da economia, do desfecho final do sistema, do seu exaurimento, do fim de um ciclo histórico, como dizem certos autores, ou, como diz Samir Amin, do Capitalismo senil. Isto não quer dizer que ele tenha perdido sua força, sobretudo sua força de agressão. Isto vai transformar-se, rapidamente, numa série de reações beligerantes, para poder salvaguardar o controle das fontes energéticas ou das matérias-primas. No entanto, no decorrer dos últimos anos, tal fenômeno ameaça agravar-se, com a chegada do Sr. Trump à presidência dos Estados Unidos. Ainda segundo Jorge Bernstein, estamos assistindo a uma espécie de diminuição do processo de globalização, isto é, principalmente, no âmbito do comércio internacional. Disto estamos vendo mais um sinal, como o “Break-seat”, com a retirada da Grã-Bretanha, da União Européia, vemos Trump a opor uma economia de proteção, uma economia de isolamento dos Estados Unidos, em relação a uma economia mundial. Vemos o comércio internacional, por conta de um certo recuo do “crescimento econômico” da China, o que permite a alguns dizerem que estamos chegando ao fim da Globalização, porque hoje estamos vendo sinais de esgotamento deste modelo.

Sucede que a crise, que afeta o sistema capitalista não é apenas uma crise financeira, não é só uma crise monetária. É também uma crise de um conjunto de situações. Eu penso na situação alimentar, no mundo. Claro, a FAO diz que não há problema: fisicamente, nosso Planeta pode alimentar 7 bilões de habitantes, que temos hoje, e que poderá alimentar os 10 bilhões de habitantes, que teremos em 25 anos. Mas, tendo em vista que o próprio sistema se acha em crise, tanto em sua parte produtiva, quanto em seu componente financeiro, tem procurado novas fronteiras para continuar sua dinâmica de acumulação do seu campital, com mais ganhos e mais acumulação. E um dos setores escolhidos notadamente pelo capital financeiro, é o de alimentação. E neste gráfico, vemos que, desde 2008, o Banco de Chicago, que fixa os preços dos grãos, vemos que a soja – sendo que o mesmo sucede com relação ao milho, com arroz, com o trigo – teve um enorme aumento dos preços, dos grãos e dos produtos agrícolas. Alguns desses preços chegaram a aumentar o dobro, em menos de um ano, permitindo assim uma especulação e um ganho de capital, enquanto no mesmo período, segundo a FAO, mais de 150 millhões de pessoas, no mundo, caíram para uma posição inferior à linha da pobreza, isto é, abaixo da linha da fome, por causa desses setores capitalistas que investiram nos produtos agrícola.

E não houve apenas este fenômeno, que é de tipo conjuntural, mas tambem houve a contra-reforma agrária, que tem acontecido, no mundo inteiro, nos últimos trinta anos, e que restringe o desenvimento da agricultura nas monoculturas – notamente, no caso da América Latna e da África -, que se revela profundamente destrutivo da natureza, do ambiente, mas também das populações camponesas e, em particular, das populações indígenas. Podemos ver algumas fotos sobre este fenômeno da monocultura, e, em breve, a ele voltaremos.

Tal fenômeno nos leva a examinar quais são as possiblidades para o Planeta, a continaur prevalecendo essa lógica de utilização das riquezas naturais, de modo irracional. Isto fazendo-se segundo, em princípio, uma orientação “racional”, pois a racionalidade capitalis é única que é aceita, e que conduz, em consequência, por conta desta pretensa “racionalidade, ” – a uma completa irracionalidade, em relação ao bem-estar da humanidade.

E vemos que, no decorrer dos últimos anos, sobretudo após a Segunda Guerra mundial, e durante o período neoliberral, houve uma super-exploração das riquezas naturais, sobretudo de energia, acarretando consequências previsíveis da impossibilidade, para o Planeta, de continuar a produzir os bens hoje utilizados para o consumo diário das populações. Vemos, por conseguinte, que está relativamente próximo o prazo para o esgotamento das riquezas principais que hoje utilizamos, pouco importando o prazo preciso de tal esgotamento. Pode ser em torno de dez anos. Daqui a 40 anos, não haverá mais petróleo; daqui a 60 anos, não haverá mais gás natural… e assim, a prata, o ouro, o chumbo, o zinco, o cobre… Tudo o que utilizamos tem uma vida limitada, dentro desta lógica do Capitalismo. O Capitalismo tem a lógica do curto prazo. Sua lógica de exploação é de curto prazo. Ele não pensa a longo prazo. Ele pensa que a tecnologia sempre há de resolver os problemas. Então, nós nos encontramos numa situação de progressivo esgotamento dos recursos naturais do Planeta.

Isto se dá notadamente no caso da energia. Nos últimos 50 anos, sobretudo nos países ditos desenvolvidos, a energia foi explorada de tal modo irracional, que hoje nos encontramos tal como mostra este gráfico. Toda aquela zona branca e cinza, concernente ao período 2000-2005, corresponde à fala de energia que vamos ter, no mundo. Portanto, uma falta de energia, e a impossibilidade de continuarmos com o modelo hoje existente, baseado nessas fontes de energia. Mas, vocês podem dizer: “Mas, há novas fontes de energia que estão sendo descobertas e que estão sendo exploradas!” Mas, também é verdade que o sistema capitalista boicotou a pesquisa científica, boicotou as aplicações tecnológicas que não estavam na linha dessas vantagens imediatas de utilização do petróleo, do gás ou do carvão. Isto não impede que estejamos diante de problemas que também põem problemas para o Capitalismo. Então, quais são as soluções que, notadamente no plano energético, estão buscando encontrar? Pois bem, sobretudo no âmbito da agro-energia. Problema sobre o qual tenho buscado estudar mais. Publiquei um livro sobre agro-energia que mostra que essas ditas “energia verde”, “biodiesel” (Diz-se “bio”, mas os camponeses dizem; Não! Não é “bio”, pois “bio” quer dizer vida, e “biodiesel” é morte… De sorte que a Via Campesina rejeita este termo). Deve-se falar em agro-energia: aí, sim, está correto. Então, para o Capitalismo, a solução é o desenvolviento da agroenergia. Pois bem, este gráfico mostra a Indonésia. Toda essa zona colorida refere-se às terras destinadas ao desenvolvimento da agroenergia: a exploração da palma africana, cana de açúcar, soja e tudo o que permita produzir uma energia que enfrente a dificuldade em relação ao petróleo. Este outro gráfico, também relativo à Indonésia, mostra o resultado desta política. Aqui estamos na Ilha de Sumatra, uma das grandes ilhas da Indonésia.

Este primeiro mapa mostra, na zona vermelha do mapa, referente a 1950, a grande destruição das florestas antes existentes, 1950. Mostra a destruição das florestas originais da Indonésia, as quais junto com as da Malinésia, formam a grande reserva de florestas da Ásia, de importância semelhante à da floresta Amazônica, na América Latina. Ainda no mapa, vemos, à esquerda, relativamente a 1960, enquanto embaixo, à direita, vemos o ano 2000, em seguida 2010. Vemos a completa destruição das florestas originais da Indonesia. Apenas um exemplo dentre muitos outros. Por tanto, uma destruição da natureza, para se tentar substituir fontes de energia que começam a se reduzir. O mesmo acontece na Amazônia, na América do Sul, que é um dos pulmões da humanidade, e que regula todo sistema do clima e das chuvas, na América do Sul, que está sendo agredida, nos vários países que a constituem, aí, seja em relação aos países neoliberais, seja aos países progressistas, todos estão destruindo a Amazônia, ao ponto de a FAO declarar que, dentro de quarenta anos, não haverá mais floresta Amazônica, apenas uma Savana. Todas as funções da floresta Amazônica terão desaparecido, o que significa uma catástrofe, não apenas natural, mas também social, tendo em vista que afetará em torno de 30 milhões de pessoas que vivem nesta região, principalmente os povos indígenas. Então, esta lógica esta destruindo as próprias bases de sua riqueza. Eu penso, por exemplo nas minas a céu aberto encontradas no Brasil, onde atua a famosa mina de ferro, Vale do Rio Doce, uma das duas maiores minas de ferro do mundo, nesta região, acontece uma destruição ecológica, numa mina que tem 60 mil quilômetros quadrados de território concedido (tendo a conessão), com permissão para se desenvolver, estendendo-se até à floresta Amazônica. Só em 2013, o Brasil destruiu uma área de floresta correspondendo a 21 vezes o tamanho da Bélgica. Estas são as soluções que o capitalismo apresenta pela via da monocultura, como acontece no Brasil, em relação à monocultura da soja. Isto mostra bem o que vem a ser essa tal agricultura “moderna” e o que significa “modernizar” a sociedade, sem levar em conta o conjunto de fatores que ela comporta, sem levar em conta o que ela destrói, em termos de ambiente e em termos de população camponesa e população indígena.Aqui se vê o mapa apontando o nível de desmatamento no mundo: a zona em vermelha representa a parte desmatada. Vemos que, no continente sul-americano, a destruição das florestas continua a acontecer, não só por eles mesmos, mas destruídas pelas multinacionais, que impõem aos países do continente do Sul que eles sejam produtores de matérias primas, exportadores de produtos agrícolas, e, por consequência, que destruam seu próprio ambiente. Jà nesta parte verde, pode-se ver a parte que começa a ser feito o reflorestamento. E, como se vê, é na China que, no momento, onde estão sendo feitos os maiores esforços.

Eu continuo a insistir na multiplicidade da crise: crise alimentar, crise de energia, crise de matérias primas, mas também crise que, pouco a pouco, vai afetando os ecossistemas do Planeta. Estes dois gráficos nos mostram uma projeção concernente ao aquecimento da Terra, indicando as possibilidades, tanto de aceleração do aquecimento global, quanto de limitação do mesmo, até certo ponto. E vimos que a ONU vem se ocupando disto. A COP de Paris e, mais recentemente a realizada em Marrocos. E a próxima que se realizará, penso eu, na América Latina. Trata-se, é claro, de esforços das Nações Unidas, visando a controlar os efeitos deste fenômeno, mas raramente se analisa tal realidade enquanto efeito provocado pelo sistema capitalista. E o que é mais grave, no que diz respeito à Conferência de Paris, é que foram celebrados acordos voluntários, isto é, que não tem caráter obrigatório, permitindo ao Sr.Trump destruir tudo que havia sido acordado pelo Sr.Obama, porque fica sem efeito jurídico. O que se viu, após a Conferência de Paris, foi a alegria das multinacionais – do presidente das Nestlé, do presidente da Monsanto, e de muitas outras pelo fato de que, graças à força dos seus “lobbies”, essas multinacionais conseguiram, que as decisões tomadas no interior das Nações Unidas, sejam assumidas conforme os interesses do mercado, priorizando os valores de mercado do sistema capitalista.

Só mais um exemplo, e terminarei dom este gráfico do PNUD, por meio do que se chama de copo de champagne, que expressa o que é mesmo a lógica, da filosofia do sistema capitalista. Este gráfico, a distribuição das riquezas no mundo, por 20% da população. 20% perde população mais rica absorvem 84% enquanto, nas camadas debaixo os 20% mais pobres devem consternar-se com apenas 1,6%. Está aí a demonstração da construção de uma sociedade essencialmente desigual,Não apenas em relação a riqueza econômica, como também em relação ao poder de decisão políticas, e poder de decisão militar. É isto que faz a lógica fundamental do Capitalismo.Pode se dizer que tal economia é construida, de um lado, Sobre o capital como motor, como único motor da economia, e tudo mais deve acompanhar-lo, sendo preciso que o Estado faça valer seus interesses, visto que este é o único meio de assegurar o crescimento econômico. A orientar-nos por esta crença – pois se trata de uma crença desprovida de base empírica -, estamos diante de uma contradição. Na verdade o Capitalismo está fundamentado em 2 pilares: Um primeiro corresponde a concentração, como podemos ver pelo gráfico do PNUD; O outro pilar é o da ignorância das exterioridades, isto é dos fatores que são externos à lógica do Capital e do Mercado. Nada disto deve ser pago pelo Capital, ou seja: Todos os danos naturais e todos os danos sociais não são de suas responsabilidade. Tais danos são pagos pela natureza e pela sociedade. Pelas comunidades, por aqueles obrigados a migrar. Trata-se, pois, se perceber a existência desses 2 pilares: o da concentração das riquezas e o da ignorância dos fatores “externos” ao Capital e ao Mercado. Eis qual é a essência da filosofia Capitalista.

Diante disto – e aqui inicio o segundo ponto da palestra, que será muito rápido -, quais são as soluções? Um primeiro passo é de continuarmos a analisar mais detidamente como este fenômeno se dá nos mais diferentes países, buscando examinar as várias manifestações, de forma concreta, e não com base em (slogans) ou propagandas, como faz a lógica capitalista, o mesmo no âmbito do socialismo reduzido a mera linguagem. Numa palavra, trata-se de examinar a realidade concreta. Desse modo, podemos ter 3 formas de soluções:

– Uma primeira solução assim pode ser expressa: diante da crise, a solução está em adotar mais liberalismo – é o que se passa nos EUA, na Europa. Trata-se de acentuar as medidas correspondentes ao período neoliberal, ainda que o neoliberalismo não seja apenas um período. Trata-se de adotar políticas de austeridade, reduzir os investimentos sociais do Estados, reduzir as conquistas notadamente da Classe Trabalhadora, conquistas obtidas a duras penas, durante as últimas décadas ou no último século, tudo fazendo em beneficio dos interesses do Capital, visto que de acordo com sua lógica, deve ser o único motor a pôr em marcha na economia. É assim que estamos numerosos países a se relançarem no neoliberalismo, como forma de superar a crise. Segunda solução: regular o Capitalismo. Funda-se na ideia de que a economia capitalista necessita ser regulada, pois o mercado não pode ser regulado por si mesmo. O mercado capitalista precisa ser regulado por instituições, principalmente pelo Estado. Trata-se de uma idéia formulada por Keynes, pelo Keynesianismo, no período entre as duas grandes guerras mundiais, como tentativa de regular o Mercado por meio do Estado. E hoje, como vivemos num mundo globalizado, regular o Mercado implicaria fazê-lo em escala internacional, por meio e instituições como o FMI, o Banco Mundial, A Organização Mundial Do Comercio, etc. Esta é a tese defendida pela chamada Comissão Stiglts, da qual, como lembrou no ínicio desta sessão, lembrou Camilo, eu também fiz parte. Tratava-se de uma comissão composta essencialmente por economistas. Da Comissão eu era o único que não era economista.Esta Comissão, ainda que com um perfil majoritariamente neoKeynesiano, assumiu posições bastante radicais, que não foram aceitas pelas Nações Unidas, pela Conferência Especial das ONU sobre a crise econômica, porque suas posições foram consideradas excessivamente radicais, meso ao interno do sistema. A Comissão Stiglitz, mesmo não pondo em xeque a lógica do sistema, propunha acabar como os paraísos fiscais, é preciso que o dólar não seja mais a única moeda de referência, no comércio internacional, é preciso reformar o FMI, o Banco Mundial, etc., toda uma série de medidas bastante radicais, mas sem pôr em questão a filosofia do sistema

E a terceira solucção é a que eu gostaria de desenvolver, em algumas palavras, agora. Sustentamos que a crise é tão séria, e estamos chegando ao que uns dizem ser o fim de um ciclo histórico do sistema capitalista, que deve ser considerado um parêntese na história da humanidade, e nós devemos, não apenas “regular” o sistema, mas procurar uma alternativa ou alternativas ao sistema capitalista.

Como, então, buscar uma alternativa ou alternativas ao sistema capitalista, e o que isto quer dizer? No pequeno livro que publiquei – O Bem Comum da Humanidade -, eu digo é devemos passar de um paradigma de morte, que é o do Capitalismo – morte da natureza, morte de milhões de pessoas – au um paradigma de vida, em que a organização coletiva da humanidade no Planeta permita concretamente criar a vida, reproduzir a vida, permita melhorar a vida. E não apenas a vida dos seres humanos, mas a vida do conjunto dos seres do Planeta. Ora, isto parece muito bonito! Mas, também, pode parecer uma idéia que flutua nas nuvens… isto é, uma utopia, no sentido negativo de Utopia, ou seja, uma ilusão. Então, se nós não conseguirmos concretizar essa idéia, estamos diante de uma filosofia idealista, que não leva em conta a realiade. Agora, se quisermos desenvolver, como aliás, na linha marxista, outra filosofia que não a do Capitalismo, então, devemos partir de realidades concretas.

E aqui, eu vejo quatro realidades concretas, que correspondem à essência mesma da construção da sociedade humana – de todas as sociedades e de todos os tempos:

= Em primeiro lugar, suas relações com a Natureza. Nenhuma sociedade pode viver sem relações com a Natureza, quer se trate de sociedades simples ou de sociedades complexas. Nas sociedades capitalistas, suas relações com a Natureza são vividas como objeto de exploração. Explora-se a Natureza – pelo extrativismo ou de outros modos, sem se levar em conta as exterioridades. Enquanto isto, a atitude nova se faz com o respeito à Natureza. Aqui, a Natureza é tratada como fonte de vida, de todo tipo de vida: de vida física, de vida cultural, de vida espiritual. É claro que isto não significa nada poder-se extrair da Natureza – a Natureza é generosa! Pode-se, sim, extrair bens da Natureza, mas isto deve ser feito em função de valores que permitam a reprodução, a regeneração da Natureza. Hoje, exploramos a Natureza, de tal modo, que seria preciso um Planeta e meio, para poder continuar o ritmo de exploração da Terra, que conhecemos. E se todo o mundo consumisse ao nível dos Estados Unidos, seriam necessários quatro Planetas…O único problema é que só temos um! Faz-se, portanto, necessária uma outra atitude prática que se realize, de modo mais concreto. Por exemplo, não é mais possível que se aceite a propriedade privada ou corporativa das riquezas naturais. Trata-se de um patrimônio comum. Não se pode mais aceitar a mercantilização dos elementos essiais à vida, tais como as sementes, a água…

= Segundo aspecto: que tipo de produção de base material para a vida. Não vida que não tenha uma base material. Nas sociedades capitalistas, a base material é a exploração, é a valorização do valor de troca. O valor de troca em relação ao valor de uso. Temos o valor de uso, quando temos necessidade de utilizar, na vida, determinado bem, de maneira racional. Enquanto isto, o valor de troca tem como única base o ganho de capital, para a acumulação de capital. Portanto, para o Capital, o único valor que importa é o valor de troca. Tudo vira mercadoria, para a acumulação de Capital. Assim, nós temos que rever essa filosofia baseada no valor de troca, considerada em relação ao valor de uso. Isto tem implicações bem concretas: não podemos aceitar a existência de paraísos fiscais, nem a dominação do Capital financeiro na economia mundial, nem o segredo bancário, etc., etc.

= O terceiro aspecto trata da dos processos democráticos de organização coletiva, em todos os domínios, não apenas no plano político, mas também no âmbito econômico – nada menos democrático do que a ecibinua capitalista, que só concentra o poder de decisão – mas se trata de democratizar de modo generalizado, em todas as relações sociais, inclusive nas relações homem-mulher, também em todas as instituições sociais, inclusive nas do tipo sindical, de tipo cultural, de tipo religioso, etc., de modo a que se assegure aos sujeitos o lugar que lhes corresponde, na contrução social.

= E, por fim, a interculturalidade, isto é, a possibilidade de que todas culturas participem da construção deste novo paradigma: todas as culturas, todos os saberes, todas as filosofias, todas as espiritualidades, para a construção deste novo paradigma.

Agora, deixo para a discussão que se segue. Virão diversos tipos de questionamentos em torno desta questão: será que podemos construir o Socialismo, de um dia para outro? Eu penso que não, dada a relação de forças. Mas, o que podemos fazer é constuir transições. E aqui, a questão é saber: quais são os atores capazes de assumir esta nova construção? De todos os modos, creio ser importante reafirmar que é a lógica, que é a filosofia capitalistas que devem ser questionadas, para reconstruirmos uma nova lógica, cujo presença já podemos ver em milhares, em milhares de inicicativas locais, que ainda não têm força suficiente para constituíem um verdadeiro desafio à filosofia do Capitalismo, existentes em todo o mundo, mas que formam a base da esperança que podemos ter. Obrigado!

www.youtube.com/watch?v=Nxe-OAFa_6E
(Do minuto 10:40 ao minuto 49:00)

Trad.: Alder J. F. Calado

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