O filósofo esloveno Slavoj Žižek desenvolve o tema da violência em entrevista ao programa Roda Viva em fevereiro de 2009:
“(…) É preciso desfetichar a violência. Esse horror à violência hoje é parte dessa ideologia liberal da tolerância. Você começa a criticar a violência e no final você advoga a tortura. Acho que Gantánamo e tudo o mais são uma consequência necessária desse aparente liberalismo antiviolência.
Em geral identificamos a violência como algo que abala o ritmo natural das coisas. Quando alguma coisa interrompe o fluxo normal das coisas. Devemos mudar a perspectiva e ver a violência invisível que precisa estar presente o tempo todo para que as coisas aconteçam como normais. Este é o tipo de violência que me interessa. Pode ser econômica, da polícia… O aspecto da violência política que me interessa não é tanto a violência física, matar as pessoas etc. Se você realmente deseja mudar o funcionamento básico da ordem existente, isso é, por definição, percebido como violência.
‘VIOLÊNCIA DIVINA’
Walter Benjamin e muitos outros chamaram a atenção para o necessário excesso da violência do Estado. No sentido de que, mesmo na sociedade mais democrática, em que o poder seja totalmente legitimado, para que o poder do Estado funcione, deve haver algum tipo de ameaça ao superego. No sentido de: ‘Vivemos em uma democracia, mas podemos fazer o que bem entendemos’. Não existe poder sem esse excesso.
E, para mim, o que Benjamin chama de violência divina é um tipo de contraviolência a esse excesso. E, nesse sentido, vou ser muito claro. Sou a favor da violência, mas para mim Gandhi foi mais violento do que Hitler.
A violência de Hitler, matando milhões, foi — usando o termo de Nietzsche — uma violência reativa. Ele tinha medo de que alguma coisa, de fato, mudasse. O fascismo foi uma tentativa desesperada de salvar o capitalismo. O que Gandhi fez — embora ele fosse contra a violência — foi greve, boicote, interrupção de todo o funcionamento da economia da colônia e do aparato do Estado na Índia. Sou a favor dessa violência.
Interessa-me também outra aspecto da violência. E por isso gosto de um filme que horroriza meus amigos liberais: com Brad Pitt e Ed Norton, e espero que tenham visto, ‘Clube da Luta’. Se vocês não têm certeza se um amigo de vocês é liberal ou um verdadeiro esquerdista, pergunte-lhe sobre o filme. Se disser que é um filme pró-fascismo, ele é um liberal. Afaste-se dele. (…)”
O vídeo:
A transcrição na íntegra: http://bit.ly/1b56vc0
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.