Um câncer difuso

As mazelas são muitas, mas uma das piores pragas deste país é o corporativismo.

Altamente nociva, principalmente quando se dá no âmbito público – já que, nesse caso, pode-se prejudicar um país inteiro –, a prática pode ser comparada a um câncer que impede a regeneração e, por consequência, o bom funcionamento, de um dado sistema.

Correm na mídia situações emblemáticas, que envolvem acontecimentos absolutamente crônicos nos níveis municipal, estadual e federal das esferas política e policial brasileiras.

Vide, por exemplo, o caso do embate entre o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, e o Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da cassação automática dos mandatos políticos dos réus condenados no julgamento do Mensalão, decisão esta que o dirigente se nega a cumprir.

Pode até ser que Maia tenha algum tipo de respaldo jurídico para dizer que não acatará a ordem dos magistrados – por mais improvável que isso pareça –, mas o que importa nesta discussão é que, não fosse a força do protecionismo mútuo, calcado em vistas grossas, que impera em Brasília, o mais provável é que ele não tivesse assumido essa briga.

Se o presidente da Câmara se expôs dessa forma foi porque está plenamente ciente de que questões como ética e moral são prontamente sobrepostas pelos interesses fisiológicos que correm nas artérias e veias da casa.

Com isso, na hora dos escândalos, o que vale mesmo é apelar para as entrelinhas da Constituição, aproveitando-se das brechas jurídicas para salvar o mandato ou as economias do colega.

Por mais escandaloso que seja o argumento, e ainda que a imagem do Congresso saia manchada, a estratégia segue se sustentando como a melhor opção, até porque, por lá, quase todos têm o rabo preso.

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No caso das polícias, o exemplo mais gritante é a forma como se dão as investigações e julgamentos relativos a processos envolvendo a conduta de PMs. Como as ações tramitam sob a forma de Inquéritos Policiais Militares (IPMs), os resultados são, quase sempre, favoráveis aos agentes da corporação.

Recentemente, o Capitão Dennys Bizarro, que foi FILMADO pegando os pertences do coordenador do Afroreggae, Evandro João da Silva, das mãos dos bandidos que o haviam assassinado a tiros, no Centro do Rio, em 2009, foi promovido a major da PM.

Quase três anos após o assassinato, a Corregedoria da Polícia Militar optou pelo arquivamento do processo, o que possibilitou a promoção do policial, que não só deixou de prestar o serviço pelo qual é remunerado, isto é, proteger o cidadão, como ainda liberou os criminosos.

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Os casos citados são apenas dois em um universo de dimensões de difícil mensuração, quanto mais se for considerado o fato de que o corporativismo se faz presente em qualquer ambiente profissional – na realidade, tal prática começa em casa, na vizinhança, na comunidade, mas sob outras roupagens, como o amor familiar e o senso de comunitarismo, o que não necessariamente é algo grave, posto que, nessas esferas, não se é obrigado a agir segundo os preceitos de uma ética profissional.

No entanto, trata-se de casos significativos, que estão na ordem do dia dos brasileiros, por prejudiciais que são ao cotidiano dos cidadãos.

São pontas de um iceberg cuja base se mantém em profundidades às quais boa parte dos holofotes da mídia não tem acesso, e onde até mesmo a Justiça tem dificuldades de se movimentar.

Porque o corporativismo não é como uma ciência exata, mas um conceito subjetivo e, por isso, difuso – qualidades que o mantém quase que à prova de provas.

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