Sei não, mas beira, no mínimo, o deboche – na verdade, chega a ser meio repugnante – a veiculação de uma série de reportagens por um jornal do Rio de Janeiro sobre a felicidade do carioca (“Eu sorrio, eu sou Rio”) em um momento no qual, além da recorrência de problemas que sempre afetaram a cidade, como trânsito caótico, praias, rios e lagoas sujas, e oferta de péssimos serviços, os moradores da cidade se veem assolados por preços desproporcionais em todos os segmentos da economia local.
Desde o anúncio de que o Rio sediaria a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o custo de vida na cidade encareceu sobremaneira, tornando praticamente intangíveis sonhos como a aquisição de um imóvel próprio, ou mesmo seu simples aluguel, a depender da localidade de que se está falando. Hoje, qualquer quarto e sala em um bairro da Zona Sul, por exemplo, não sai por menos de R$ 800 mil.
Outra questão preocupante é o aumento do preço dos alimentos. Não seria exagero afirmar que uma compra nos supermercados da cidade custa, atualmente, pelo menos o dobro do que custava há dois anos. Para piorar o cenário, comer na rua, no Rio de Janeiro, é quase um assalto à mão armada. Uma pesquisa recentemente publicada por jornais mostrou que comer em um restaurante self-service no Rio sai, em média, 61,5% mais caro do que em um estabelecimento de São Paulo, onde, certamente, a qualidade do serviço é muito superior.
Está certo que o Rio de Janeiro é um dos lugares mais interessantes do mundo, com belíssimas e singulares paisagens, opções de lazer gratuitas, como as praias, pessoas simpáticas e, sem dúvida, felizes. Mas nenhum desses aspectos – que, em realidade, são fatores estruturais, que sempre se fizeram presentes na vida da cidade – pode justificar a aberta e entusiástica “campanha” que boa parte da imprensa carioca vem fazendo com o claro intuito de valorizar a cidade – até porque não cabe ao jornalismo esse tipo de função.
Fica a impressão de que, simplesmente porque o governo instalou 30 UPPs em universo de mil favelas na cidade – em muitas das quais o tráfico de drogas continua a rolar solto – e porque o Rio sediará dois grandes eventos internacionais, seus moradores são agora obrigados a arcar com o ônus de viverem em uma cidade de grife, muito embora não tenham a seu dispor a qualidade de vida esperada para um lugar onde se paga tão caro para viver.
A contradição remete a uma campanha, iniciada ao fim de ano passado, chamada “Somos um Rio para quem?”, que ironiza o slogan da atual gestão da cidade “Por um Rio mais justo, humano e feliz para todos”. Para políticos e investidores, principalmente aqueles que vivem da especulação imobiliária e da construção civil, o ambiente de negócios – ou melhor, a cidade – está inquestionavelmente maravilhoso. Se considerado que são eles – o governo e o empresariado – os principais anunciantes dos grandes veículos de comunicação, não fica difícil imaginar o porquê de tamanha euforia traduzida pelas páginas de jornais.