Você quer entender como a escravidão sobreviveu tanto tempo sem ser incomodada? Tente, então, entender como mais de 3 mil pessoas morrem anualmente tentando entrar na Europa pelo mar enquanto os líderes que têm os recursos para agir ano após ano se calam ou fingem tomar providências.
É que algumas vidas valem mais. Em alguns casos a indignação toma conta do “coração” das pessoas, que trocam sua foto nas redes sociais e prestam longas homenagens. Mas não para os somalis, eritreus, iemenitas e outros tantos desesperados. Esses possivelmente não têm alma. A nossa civilização não cruza o mar, mesmo que sejam bem-vindos os recursos financeiros extorquidos do outro lado do oceano. E nós aqui achando que conquistamos nossa humanidade comum.
Passam-se os tempos e nos mostramos iguais aos nossos antepassados. Para os mais graves crimes já perpetrados, para as mais terríveis e mais complexas situações que tiram tantas vidas, cá estamos, criando nossos mecanismos para fingir que a escravidão acabou. Fingindo que o mecanismo de considerar razoável segregar raças e abandoná-los à própria sorte é uma fatalidade sociológica imperativa.
Dormimos sem nos dar conta do que já morreu em todos e cada um de nós.
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.