Pacote-escambo

mapamundiÀs vezes, fatos absolutamente desimportantes podem ser capazes de expressar o que há de mais banal – porém profundo e arraigado – em nossa sociedade.

Como somos muito afeitos a filmes estrangeiros, é prática comum a dublagem de películas internacionais, bem como séries e documentários de toda sorte, em nossos cinemas e TVs. Embora o modelo seja relativamente bem-sucedido, não raro nos deparamos com falas toscas ou meio sem sentido, quando, por exemplo, os personagens falam de assunto muito particular à cultura ou país de origem.

No entanto, o que definitivamente parece estar “fora de lugar” nas dublagens são a forma e o vocabulário usados.

Em quantos filmes já não vimos pessoas falarem de maneira formal em situações claramente casuais? Quantas vezes o mocinho da história não exclamou “Protejam-se!”; ou o bandido não ameaçou dizendo “Prepare-se para morrer!”? E a quase exclusiva conjugação de verbos nocionais (que expressam ação) na primeira pessoa do plural (nós), deixando o tão popular “a gente” esquecido?

O que dizer de documentários engraçadinhos, como alguns que passam em canais de origem estrangeira na TV a cabo, que ficam fazendo piadinhas totalmente americanizadas, sob a voz de narradores que parecem ter a idade mental de uma criança de 10 anos? 

Por que razões ocorre esse descolamento, essa  falta de harmonia entre a situação representada imageticamente e o texto em áudio, se o esperado era que fossem estritamente complementares? Por que sentimos que há algo de estranho ali?

Mal comparando, trata-se de uma lógica algo semelhante com o sucesso de muitas músicas americanas que, caso tivessem sua letra traduzida e cantada em português, jamais chegariam ao estrelato.

Ainda que isto possa soar determinista, há certas coisas que não funcionam nem soam da mesma maneira em culturas (e aí estão inseridos a língua, costumes, religiões, etc.) distintas. E, mais específica e problematicamente, mesmo aquilo tomado ao pé da letra com a melhor das intenções pode sair mal na fita.

Por isso, tradutores, políticos, economistas, autoridades, intelectuais e outros tantos cidadãos-sujeito precisam ter cuidado ao alvejar a importação de formatos em sua totalidade, do tipo “pacote completo”, em vez de optar por um meio-termo.

Do futebol ao sistema de transportes público e comercial; de modelos de sociedade ideais a brinquedos e desenhos infantis; de enlatados americanos dublados à série policial da TV brasileira com vocabulário clichê(americano), a adoção desses pacotes tipo-exportação  costuma apresentar falhas. E, com freqüência, esses defeitos são apontados como inadequações dos subdesenvolvidos vira-latas, quando, ao contrário, não dão certo ou são estranhados justamente por serem eles mesmos produto da inadequação do pacote-escambo à sociedade que o adquiriu.  

PS.: Mesmo sendo eminentemente moderna, a antropofagia de Oswald de Andrade podia servir de referência para nossos “pós-modernismos”.

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