O relato é da organização “Redes de Desenvolvimento da Maré”:
Nada justifica a ação da Polícia Militar e do Bope na noite de ontem [24 de junho] e hoje [25 de junho] na Maré. O saldo de oito mortos (número confirmado até agora, mas que pode aumentar), entre eles um sargento da Polícia Militar, escolas com aulas suspensas, comércios fechados, moradores sitiados em suas casas, vários feridos, ruas sem luz. Situação que poderia ter sido evitada caso o Estado não tivesse uma atuação dentro da favela e outra fora.
As balas disparadas ontem [24] não foram de borracha, como em outros pontos da cidade — violência também não justificada contra manifestantes, mas que denota claramente a diferença de conduta da Polícia dentro das favelas.
“O Observatório de Favelas está sem energia e sem telefone: o Bope acertou o transformador e cortou os cabos de telefone. Qual o sentido disso? Por que entrar na favela se o problema estava na Avenida Brasil? Qual o sentido dessas mortes, que poderiam ser todas evitadas? O Estado tem que ter equilíbrio; senão, quem terá?”, questiona o coordenador do Observatório de Favelas Jailson Silva.
A organização, que é parceira da Redes e tem sede na rua Teixeira Ribeiro, na Nova Holanda, foi alvejada ontem [24] por uma bomba de gás lacrimogêneo jogada pela Polícia. Alunos ficaram presos na sede da organização, sem poder sair. Denúncias de moradores se espalham pela comunidade, inclusive de que casas foram invadidas e pessoas agredidas durante a noite.
A desastrosa incursão do dia 24 à noite continua hoje por policiais militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Batalhão de Ações com Cães (BAC) e Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque). A desculpa oficial, como sempre, fica por conta do combate ao tráfico e prisão de criminosos. Mas nada justifica o impacto e desrespeito aos moradores que vivem na Maré.
Leia relato de uma moradora que viveu os horrores de ontem e prefere não se identificar:
“Na noite do dia 24, após arrastão na avenida Brasil, moradores das comunidades Nova Holanda e Parque União ficaram reféns do confronto entre policiais e traficantes. O que começou como repressão a manifestantes em Bonsucesso, virou um noite de muitos tiros e tensão para moradores. Há relatos de troca de tiros até às 5 horas da manhã.
Quem estava dentro não conseguia sair e quem estava fora não podia entrar. Policiais atiraram em postes e deixaram a rua Teixeira Ribeiro às escuras. Uma bomba de gás lacrimogêneo rolou para dentro do Observatório de Favelas: funcionários e alunos ficaram sufocados com o gás e tiveram que permanecer no local até às 22h30.
Era notório, pela manhã, o cansaço da noite mal dormida. Moradores que não conseguiram entrar em suas casas antes da 1 hora da madrugada, estavam saindo novamente para o trabalho às 7 horas, abatidos e com fortes olheiras.
A tensão ainda é grande já que a polícia permanece na comunidade invadindo casas e revistando moradores. Quem não é da imprensa formal é olhado de cima para baixo com ar de repressão.
Mas o morador de favela já aprendeu a usar as redes sociais, e nos comunicamos por aqui. A imprensa quase não fala sobre os acontecimentos e os moradores também se tornam reféns da falta de informação”.
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.