Um primeiro feixe de prótons percorreu sem problemas e antes do previsto o maior acelerador de partículas do mundo, que voltou a funcionar nesta sexta-feira (20/10), após uma paralisação de 14 meses. O anúncio foi feito pelo Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN).
O próximo passo, segundo as agências de notícias internacionais, será projetar outras partículas na direção oposta para que possam colidir, recriando as condições que existiam no universo imediatamente após o Big Bang. Um grupo contrário ao experimento alega que, com as colisões de alta energia, a matéria estará em um estado jamais observado antes. O temor é pelo surgimento de um buraco negro capaz de aspirar tudo o que estiver ao redor.
O que é curioso, porque nos coloca, no mínimo, uma importante questão filosófica: o que você colocaria ao redor do experimento?
Muitos mandariam o Sarney para férias forçadas na fronteira entre a Suíça e a França, local do evento. Mas precisamos nos esforçar um pouco mais, até porque o momento está próximo. Poderíamos enviar uma comitiva, de vez, com membros dos três poderes, a partir de uma votação popular no Mercadão de Madureira, coordenada pela Regina Casé. É preciso fazer um esforço para que eles não saibam do que se trata, mas isso não será muito difícil. Basta dizer que a viagem será para a Suíça, paga pelo povo.
Outra possibilidade é enviar todas as energias negativas de 2009, acomodadas dentro de uma espécie de “tupperware” simbólico, para que 2010 seja um ano melhor. Os riscos são que as colisões se tornem tão fortes que o buraco negro se estenda a toda a Europa, que piore de uma vez por todas a situação no Iraque ou, mais ainda, que o José Serra ganhe as eleições!
Claro que algumas pessoas seriam mais objetivas. Mandariam aquele tio chato, o cachorro que você considera o maior equívoco do seu marido (a casa é um quarto-sala!) e até mesmo toda aquela papelada que, um dia, o Alcebíades jura que irá organizar em arquivos temáticos.
O que eu proponho é que os cientistas esperem até estarmos mais certos sobre o que significa, de fato, o governo Obama. Se ele não mudar nada, aí sim sugiro que se acelerem todas as partículas de uma vez e liberem logo os programas de auto-ajuda e de venda de tapetes persas na televisão.
Falam tanto em fim do mundo, hoje em dia, que eu começo a desconfiar que alguém está ganhando muito dinheiro com isso. Se não, precisaríamos entender os reais motivos da simulação das partículas.
A reconstituição das condições da criação no universo não deixa de ser um ato de fé, o mesmo projeto que faz com que as Lojas Americanas estejam abarrotadas de filmes “bíblicos”, como se a Bíblia fosse um relato fidedigno do que aconteceu há um tempão – pouco importa quanto tempo, desde que Jó continue sofrendo e Judas continue a ser essa pessoa superpolêmica.
O que explica, na verdade, essa neurose coletiva e científica da Humanidade – o acelerador custou de 4 bilhões de euros, levou 12 anos para ser construído e contou com a colaboração de 7 mil cientistas – é a nossa necessidade irremediável de, justamente, tentar explicar tudo o que nos cerca, como se houvesse um grande “mistério” a ser “revelado”.
A nanotecnologia está nos mostrando que muitas partículas possuem comportamentos que ainda não podem ser explicados de modo seguro, cientificamente falando, ou pelo menos não como acreditávamos quando surgiu a tecnologia da biologia molecular. É possível afirmar que uma determinada partícula tome uma decisão improvável, até mesmo contrária à regra geral, como por exemplo ir a um jogo preliminar da série B do Campeonato Carioca, entre América e Bonsucesso, e sair ao final sem sequer aproveitar o fato de que o ingresso dá direito a assistir a próxima partida.
O comportamento caótico das partículas diz um pouco respeito ao comportamento do próprio ser humano, que prefere o risco de criar um buraco negro – apenas para entender como poderia ser possível destruir tudo o que há em volta, incluindo o Sarney – a aproveitar tudo o que existe de excepcional na Natureza, como a Luana Piovani.
Seria interessante, de qualquer forma, saber qual o real tamanho desse buraco. Vale o risco de dar um pulo lá, esperando encontrar a Luana, mas sabendo de antemão que você poderá ficar preso, para sempre, ao lado do Sarney.
Ou, numa perspectiva realmente perturbadora, com a filha dele.
(*) Este meu artigo foi publicado originalmente na revista Debates Culturais, editada por Alessandro Lyra Braga.
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.