
Uma penca de pessoas bem nascidas se reuniu no Leblon neste domingo (01/03) para protestar contra o Plano Nacional dos Direitos Humanos, que aparentemente quase ninguém leu. Mas quem tem os meios de comunicação tem tudo, não é mesmo? As cinquenta pessoas, que por vezes soltavam gritos de ordem como “Imposto zero!” e “Cerveja já no Maracanã!”, estavam tão organizadas que têm até um blog, olha que lindo! (contrapndh3.blogspot.com)
Neste blog, que é bem bonitinho (parabéns a vcssss amiguinhos!), eles conseguiram, como grande vitória do “movimento”, uma notinha na TV Globo. Dizia o seguinte [comentários em itálico]:
“Um grupo de manifestantes fez um protesto na orla neste domingo contra o Programa de Direitos Humanos do Governo Federal. Dezenas de pessoas saíram em passeata pela praia do Leblon”. [Eram 50 pessoas. No máximo.]
“O grupo é contra o Plano Nacional de Direitos Humanos, que prevê entre vários temas a revisão da lei da anistia, o avanço da reforma agrária e um acompanhamento governamental da linha editorial dos órgãos de imprensa”. [Vejamos mais abaixo.]
“No mês passado, o presidente Lula prometeu fazer algumas mudanças no decreto para contornar a polêmica sobre o Programa. O Palácio do Planalto afirmou que não vai se manifestar sobre a passeata.” [Pressãozinha básica]
Imagina se o Palácio do Planalto se manifestasse oficialmente toda vez que cinquenta pessoas se reunissem:
- “Neonazistas fazem assembleia para definir rumos e estratégias políticas”;
- “Moradores do Bairro Peixoto realizam manifestação para se emancipar da cidade”;
- “Associação dos Surfistas Heteros de Grumari pede adesão para nova campanha de 2010”.
A parte do PNDH3 que se dedica à comunicação não cita nem uma única vez os “órgãos de imprensa”. Vai da página 164 a 167. Seria legal a galera do Leblon dar uma lida. Mas todo mundo tem que ler, heim? Até porque, como já alertava o Mário Quintana, o verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê.
Um dos “líderes” do “movimento” diz que não precisa ler não:
“Certamente que a maioria não leu (são 224 páginas com um texto bastante circular e repleto de floreios para tentar desviar a atenção dos leitores), e na verdade acredito que nem precisam ler (as noticias contrarias ao PNDH-3 fazem geralmente um bom resumo daquilo que é o projeto) […]“
Mas vamos dar uma força!
Na diretriz 22, o objetivo estratégico número um diz: “Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas. Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura. Parceiro: Ministério da Ciência e Tecnologia.”
Acompanhe outras ações “terroristas” dos comunistas pós-modernos:
- “Promover o diálogo com o Ministério Público para proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos.”
- “Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos.”
- “Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.”
- “Desenvolver programas de formação nos meios de comunicação públicos como instrumento de informação e transparência das políticas públicas, de inclusão digital e de acessibilidade.”
- “Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais.”
- “Promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso de pessoas com deficiência sensorial à programação em todos os meios de comunicação e informação, em conformidade com o Decreto no 5.296/2004, bem como acesso a novos sistemas e tecnologias, incluindo internet.”
- “Promover parcerias com entidades associativas de mídia, profissionais de comunicação, entidades sindicais e populares para a produção e divulgação de materiais sobre Direitos Humanos.”
- “Incentivar pesquisas regulares que possam identificar formas, circunstâncias e características de violações dos Direitos Humanos na mídia.”
- “Incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e similares, voltada para a educação em Direitos Humanos e que reconstrua a história recente do autoritarismo no Brasil, bem como as iniciativas populares de organização e de resistência.”
O documento está acessível em http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf
Os pontos polêmicos foram amplamente discutidos nas conferências nacionais de Direitos Humanos, Juventude e de Comunicação, entre outras. Desta última, aliás, curiosamente as Organizações Globo se retiraram. Os nobres defensores da liberdade, na Globo, também não costumam mostrar as manifestações pró-PNDH3.
Assista ao vídeo abaixo e clique aqui, ou nos links ao final, para entender um pouco mais sobre esta disputa.
Sites relacionados:
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
Aquela velha expressão: “-Seria cômico, se não fosse trágico!”
Foram apenas 50 pessoas hoje, mas o poder de mobilização desses cidadãos – moradores do cartão postal – já foi bem maior, assim como o poder de mobilização social de todos os setores, classes, etc. Na nossa crise pós-moderna não há espaço para mobilizações políticas, apenas fake, cenas ensaiadas em bastidores públicos, patrocinadas por coronéis de gravata com recursos do povo. Arrisco dizer que a próxima [mobiliz]ação do grupo vai invadir o horário nobre e ocupar cenas importantes do Leblon à Búzios para dialogar com as mulheres de Atenas. Com um casal de galãs, meia dúzia de figurantes e uma mega produção é montada a política no Brasil. Não é fantástico?
PS: Belo texto Gustavo!
Pois é, Gustavo, boa parte desse pessoal deve ser da família do Manoel Carlos…
No mínimo, deveriam ter lido na íntegra o projeto, já que tanta polêmica vem se propagando em torno dele.
Eu mesmo sei pouco a respeito do assunto, mas me parece que é um tema que deve sim estar na pauta do governo. E entendo porque certos setores da sociedade se preocupam, afinal, o projeto afetará, de alguma maneira, a questão das concessões e autorizações públicas para rádio e TV. Uma ameaça à farra empresarial.
Se conseguem pôr uma energia para campanhas tão fúteis, porque não utilizam a mesma energia para assuntos mais sérios? Tenho certeza que isto tudo faz parte da abstinência aos blocos de carnaval que passaram por lá há coisa de duas semanas atrás…