A violência contra as mulheres, bandeira que acredito ser atual, de todxs e em todo e qualquer lugar, ganha um novo fôlego com os dolorosos relatos sobre os ataques que experimentam as mulheres todos os dias.
O #MeuPrimeiroAssédio — calma, não pretendo aqui me vitimizar como homem coitado, roubar protagonismo etc — foi um único e marcante assédio: eu estava voltando, ainda muito jovem, de um jogo no Maracanã quando um homem, dentro de um carro próximo ao estádio, me ofereceu carona. Eu creio que era muito novo e acabei aceitando.
E lá estava eu dentro de um carro de um desconhecido, quando subitamente essa pessoa começa a colocar a mão na minha perna. E insiste. E volta a insistir. Depois de algum tempo — minha memória do fato não me permite dizer quanto –, eu me irrito com a “carona” e peço para ele parar o carro. Não fiz antes por impotência, e creio ter sido grande a minha sorte de a pessoa não querer insistir violentamente, apesar da minha fragilidade enquanto adolescente. Foi sorte mesmo, penso eu. Poderia ter saído daí alguma tragédia pessoal maior. Mas nada aconteceu de mais grave.
Por que eu decidi colocar esse relato aqui? Acredito que ele foi importante na minha vida. Não porque eu tenha algum trauma desse momento, pelo contrário: o sentimento de extrema vulnerabilidade e impotência que eu experimentei era algo completamente novo (ainda que um novo pesadelo). Era diferente do bullying, diferente do fracasso na escola. Era muito forte, só que diferente. E eu nunca mais tive que passar por isso. (calma, mãe!)
Talvez isso tenha me levado brutalmente para o lado dos direitos humanos, do ativismo. Vai saber. Acho que ajudou. Lendo os relatos esses dias, essa memória voltou muito forte e eu só conseguia ficar pensando o quanto é quase inútil para um homem que eventualmente viveu isso uma ou até mais vezes em sua vida tentar se colocar no lugar de quem vive isso diariamente, há séculos. Da dor extrema da violência de gênero sem um ombro ou política pública para ajudar.
O protagonismo da luta feminista é inequivocamente das mulheres, mas se colocar no lugar dos outros — mesmo que à força, como neste caso — nos torna seres humanos melhores. Seres humanos que não diminuem a luta feminista nem por um segundo. Já ajuda bastante, pelo menos, para não se tornar um desses babacas que usa um meio de comunicação qualquer para diminuir o feminismo.
Tentar se colocar no lugar das mulheres, mesmo que de modo ‘inútil’, faria com que, em uma geração, a violência contra as mulheres fosse o pior dos crimes, sob o qual nenhuma justificativa seria possível.
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.