Mensagem ao repórter da Globo

Olá, Heraldo!
Recebi sua mensagem informando que você estará no Rio, esta semana, a convite da Cojira-Rio, para o lançamento da segunda edição do Prêmio Abdias Nascimento. Grato pela informação. O que me surpreendeu foi sua convocação para um debate – “Peço que apareça para debater comigo”. Mas quem, em verdade, me convida para uma discussão: você, a Cojira, a Globo, a Fundação Ford? Isso não ficou explícito.
Existe aí um problema ideológico: a Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro tem o hábito de contemplar as Organizações Globo na hora de discutir a discriminação racial. Ano passado, por exemplo, no lançamento do Prêmio Abdias Nascimento, a palestrante foi a Míriam Leitão, com seu discurso neoliberalizante; agora, é você a bola da vez.
Anote aí o que vai acontecer: dar-lhe-ão uma hora pra falar e depois vão abrir no máximo três minutos para considerações individuais dos presentes, com limite de inscrições. Em seguida, haverá um coquetel. Não se iluda, Heraldo! Isso não é debate; é convescote.
Faz lembrar um seminário que teve na ABI, com a presença de Roberto Marinho. O auditório estava lotado, com todo mundo querendo debater com o Doutor Roberto. Ele falou – mais leu que falou – quase uma hora. Uma porrada de gente se inscreveu para o debate. Mas o mediador da mesa comunicou que o poderoso Dr Roberto tinha outro compromisso e teria de se retirar imediatamente. Não houve o contraditório. Já se passou a fase de bater palmas pra maluco dançar.
Não tenha dúvida: o Sistema Globo, comprovadamente, é um forte instrumento de discriminações, entre elas, a social, a econômica, a racial.
No dia do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre as cotas raciais na UnB, o noticiário da Globo deu mais espaço para o estado de saúde do filho do cantor Leonardo do que para o significado da aprovação das cotas. O Globo, em seu editorial do dia 2 de maio, afirmou que a decisão do STF “deixou espetada na conta do branco pobre a fatura da suposta “dívida histórica” da sociedade brasileira com os negros, que a briga racialista invariavelmente antepõe como pressuposto da defesa de suas ideias”. No G1, a antropóloga Yvonne Maggie dizia que era um retrocesso. A CBN não ouviu sequer um militante da causa das cotas, mas entrevistou o antropólogo Roberto da Matta, que fez uma mea culpa, dizendo que antes era contra as cotas, mas que agora admitia sua necessidade. Outros grandes veículos da mídia foram na mesma linha. Joelmir Betting chegou a dizer que era “racismo às avessas”. Nesta terça, dia 8, foi a vez do caderno Razão Social, de O Globo, trazer nos quadrinhos Turma da Febeca – em que os personagens são na maioria deficientes – um protesto contra a política de cotas.
Vale lembrar aqui uma pesquisa realizada pelo Observatório Brasileiro de Mídia, a pedido do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade-CEERT, abordando como a mídia nacional trata questões do interesse da comunidade negra, tais como religiões de matriz africana, cotas nas universidades, quilombolas, ação afirmativa, estatuto da igualdade racial. Foram analisadas, num determinado período, 1.093 matérias, entre os principais jornais e revistas do país. De modo geral, a chamada Grande Imprensa se posicionou contra os principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente. Questões como estatuto da igualdade racial, cotas nas universidades e demarcação de terras quilombolas foram consideradas instrumentos que promovem o racismo.
Outra pesquisa, específica sobre O Globo, apontou que foram publicados 20 artigos sobre as cotas, sendo 7 do Ali Kamel e 6 do Demétrio Magnoli, declaradamente anticotistas. Fico aqui a me perguntar: por que você não pediu um espaço nas Organizações Globo para escrever sobre o sistema de cotas?
A gente sabe que a Globo é uma das principais empresas de comunicação no estímulo à pejotização. Obriga seus funcionários a abrirem empresas e, em vez de serem assalariados, viram prestadores de serviço. Juridicamente, deixam de ser trabalhadores e passam a ser PJs – pessoas jurídicas. No fundo dessa trama, é exigido do tal prestador de serviço que se exima de declarações públicas contrárias aos interesses da corporação. Ou seja, o tal PJ é ferido mortalmente na sua liberdade de expressão. Coisa pior não pode haver para o Jornalismo de verdade.
Certa vez, na cobertura de uma greve dos serventuários da Justiça do Rio, chegou uma repórter da Globo para fazer a matéria. Encontrou na porta do Fórum um cara chorando porque não conseguia o atestado de óbito para enterrar a mãe. Detalhe: era 9h da manhã e, mesmo sem greve, ele não obteria o atestado naquela hora, porque o fórum só abre às 11h. Mas a jornalista não titubeou: gravou com o cara mesmo assim e a matéria foi pro ar, sob o argumento de que o movimento dos serventuários estava prejudicando a população. Ou seja, sai o Jornalismo, entra em ação o teatrinho da Globo, tendo como protagonista a manipulação da informação. E o que dizer da edição global do debate Lula x Collor?
Principal fórum de debates sobre mídia ocorrido até hoje no Brasil, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – realizada em dezembro de 2009, em Brasília, reunindo milhares de representantes dos empresários, do poder público e da sociedade civil — aprovou uma série de propostas de políticas públicas para a área de Comunicação Social do país. Vale destacar algumas sugestões do interesse da sociedade e em especial da comunidade negra: garantir concessões de canais de rádio e TV para comunidades tradicionais, contemplando as de matrizes africanas; paridade racial e de gênero na publicidade; estabelecer percentual nos sistemas de rádio e TV para programas que abordem a história da África e da população de origem africana no Brasil; vaga para o movimento negro no Conselho Nacional de Comunicação Social, entre outros pontos. Não vi nem você nem a Globo por lá.
Já a 2ª Conferência Nacional pela Igualdade Racial, realizada também em 2009, em Brasília, aprovou resolução que trata da responsabilidade judicial de emissoras de TV e rádio pela veiculação de matérias de cunho racista e discriminatório e aplicação de multas diárias em casos de intolerância religiosa. Os participantes da Conferência consideraram que a produção da mídia de forma democrática e plural é altamente estratégica para a liberdade religiosa, a valorização da diversidade cultural e contra a discriminação racial. Você estava lá?
Não por acaso, a minha monografia na pós-graduação em Relações Étnico-Raciais e Educação tratou especificamente da invisibilidade do negro na mídia. É como você me disse por telefone: “Aquela banqueta da Globo não foi feita para negros!”. De fato, apenas 5% dos jornalistas que trabalham em TV são afrodescendentes, de acordo com pesquisa disponibilizada pela Fundação Cultural Palmares. De qualquer maneira, o fato de você estar na Globo não representa que a discriminação racial que existe nos grandes veículos de comunicação tenha sido sustada.
Abordei em minha pesquisa como a mídia se comporta na cobertura de datas especiais. Por exemplo: no Dia dos País, nenhum pai negro foi entrevistado. No Dia das Crianças, nenhuma criança negra foi entrevistada. Nas comemorações de fim de ano, também o negro está ausente nas matérias. Na publicidade, então, a invisibilidade do negro é gritante. É só acompanhar os comerciais que aparecem nos intervalos do Jornal Nacional. Conte o percentual de negros que estão lá. Criou-se um esteriótipo de que o sucesso e a felicidade vendidos nos comerciais têm cor – e ela é branca.
Por que grande parte dos jornalistas não se envolve com a causa contra as discriminações? Agora mesmo, por exemplo, o movimento sindical dos bancários está fazendo uma campanha pela contratação de negros como caixas. Olhe por aí nas agências bancárias e observe quantos caixas são negros. No início do século XX, vale lembrar, uma das reivindicações do movimento negro era a luta pela contratação de negros como lojistas. Os donos das lojas diziam que a clientela não gostava de ser atendida por gente de cor!
Perdi a conta das vezes em que, em coberturas jornalísticas, fui confundido com segurança de eventos. Tenho 1,85m e malho todos os dias para evitar a barriga. Quando um negão do meu tipo físico chega a um evento trajando terno, qual é a primeira impressão das pessoas: “Ih, ele é segurança!” ou “Ah, ele é jornalista!”?
Não dá pra esquecer que, na indústria da mídia, existem alguns jornalistas que vivem na casa grande, mas a imensa maioria está nas senzalas. Espero que você efetivamente se engaje na luta contra as diversas formas de discriminação, que estão nas ruas, mas não entram na telinha da Globo. Quanto à discriminação racial, para fazer a transformação social que interessa ao combate às desigualdades, não basta ser negro; é necessário ter negritude.
Ah, sim! Aproveita para saber da direção do Sindicato do Rio que história é essa de subpiso salarial que eles estão querendo aprovar, bem ao gosto do patronato. Também é uma forma de discriminação.
Por último, Heraldo, sua mensagem é no mínimo descortês, ao colocar como título “Canalhas”. De um lado, demonstra desequilíbrio emocional; de outro, uma arrogância própria de certos globais.
Tente concatenar melhor suas ideias e depois me diga: afinal, você está me chamando para um debate ou pra porrada?
Fernando Paulino

17 comentários sobre “Mensagem ao repórter da Globo”

  1. As organizaçoes,nunca representou a vontade popular e ,sim de uma classe dominante que até hoje manda e desmanda nesse país.
    Não é de se estranhar que essa mesma organização vai de encontro a os nossos pensamentos.Foram poucas vozes encontrada em seu periodico que foram a favor das cotas,umas delas (com todas as criticas que recebe) foi Mirian Leitão.Certa vez na UERJ,perguntei a propria como as organizaçoes Globo,estava encarando a sua posição,simplesmente ela disse :__Com desagrado.
    Nos úlimos tempos quatros minorias estão fazendo as classes dominantes ficarem de barba de molho:os negros,as mulheres,os índios e o movimento lgbt.
    Por muitos anos essas minorias aguentaram caladas todos tipos de preconceitos e injustiças,agora quando estão reagindo ou partindo para o confronto,as mesmas classes se sentem ameaçadas e o pior de toda história:o povo da periferia abaixa cabeça e dizem Amém!
    Enquanto não nos organizarmos para uma mudança e seguir o nosso próprio caminho,ainda teremos muitos “intelectuais”nos tratando -nos como pobre coitados.
    Como dizia o saudoso Joasinho trinta:__”quem gosta de miséria é intelectual”.

  2. Estão confundindo as coisas. Estão confundindo a cor do Heraldo com sua condição de funcionário da Globo. Acredito que o Heraldo seja um homem de direita, o que não é crime, para se sentir tão a vontade lá na turma do Ali Camelo. Mas a imagem dele na telinha é um grande impulso a imagem do homem de cor em nossa sociedade. Acho que só aparecendo ali já fez muito pela causa. Tem centenas de brancos que se submetem ao Camelo e nem por isto são criticados na blogosfera. Vão acabar queimando o Heraldo, enquanto que a idéia é colocar mais gente de cor na TV, nos jornais e nas rádios.

  3. Penso que numa conjuntura de precarização do trabalho o povo brasileiro está preocupado com a exploração do trabalhador; a absurda taxa de mais valia e o TRABALHO ESCRAVO(!) em nossa pátria. Já não falo em nossa sociedade porque:de que sociedadeestaríamos a falar?Da negra, ou do restante de nossa sociedade?Se fazem questao de se diferenciar em movimentos negros, afros, comunidade negra, etc,terras quilombolas, escolham um território e reivindiquem autonomia ou independência.Um país negro com emissoras de televisão à farta.No pé em que estamos, por que não?Insuportável essa briga boçal, esse bater de cabeças entre divisionistas alienados do todo(que para eles é o resto).Cavalos da direita que ajudam a perpetuação da opressão em nosso país.Entre derrisóriaS gargalhadas nossos opressores devem dizer:”eles que são pretos que se entendam”. A sociedade brasileira , não tem dívidas oriundas do mercantilismo.Isso é um anacronismo alimentado por sambas de enredo.Nossa sociedade está voltada para a ampliação da democracia e institucionalmente oferece igualdade de oportunidades para todos. Todos queremun iversidade pública de boa qualidade e gratuita. Estudemos para isso, pois. Humanos,somos homens e mulheres. Aprendemos também que preto não é cor:é ausência de luz.Deus é preto ou branco?Quem se habilita e reponder à pergunta do “professor” Garcia, louco morador de rua da zona portuária??Vamos pressionar, unidos, para a votação de Lei do Trabalho escravo na câmara que a direita está a emperrar.

  4. Pelo amor de Deus! Quanto preconceito e rancor Fernando! O seu discurso é mais amargo do que chocolate 100% cacau. Está na hora de vocês “ativistas” pararem de choramingar e se integrarem aos demais. O Heraldo está sendo perseguido por vocês porque ele decidiu estudar, trabalhar e puxar alguns sacos para subir. Exatamente como qualquer pessoa normal faz. Mas vocês não! Vocês preferem ficar chorando pelos cantos que são excluídos, que ninguém gosta de vocês. Amigo, sou negro, nasci em família pobre mas não fiquei abanando bandeirinha na rua não! Eu fui para a escola! Assim eu não entendo como vocês insistem em encher o saco do Heraldo. Amigão, nesse mundo só se sobe com estudo. Não é com “agitação e propaganda” não. Está na hora dos “intelectuais” e “ativistas” desse país tomarem uma postura mais responsável e adulta. Ficar fazendo birra e destilando raiva e ódio como você está fazendo só alimenta a fogueira do racismo. Jucélio.

  5. A estrutura podre da elite brasileira, que enriqueceu durante a ditadura, usando o judiciário e os meios de comunicação para manter o poder imperativo no usufruto das riquesas brasileiras. a coisa tá mudando.

  6. Heraldo Pereira e Jucélio Silveira
    Se acomoda então, não se incomoda em ver
    Mesmo sabendo que é foda
    Prefere não se envolver
    Finge não ser você
    E eu pergunto por que ?
    Você prefere que o outro vá se foder.
    Não quero ser o Mandela
    Apenas dar um exemplo
    Não sei se você me entende
    Mas eu lamento que,
    Irmãos convivam com isso naturalmente
    Não proponho ódio, porém
    Acho incrível que o nosso compromisso
    Já esteja nesse nível
    Mas Racionais, diferentes nunca iguais

  7. Como eu lutei contra ditadura.Lutei pela democracia, acho que conquistei o direito de dizer: o Heraldo tem o direito de ser de direita. Os verdadeiros inimigos da democracia são outros. Eu gostaria de saber a que mensagem se refere o Fernando Paulino sobre o uso da palavra ¨canalhas¨.

  8. O indivíduo que afirma que “puxar saco” “para subir” é coisa de “qualquer pessoa normal” precisa revelar em que nação se formou e vive.Não deve ser brasileiro.Deve estar falando para gente de outras nações.

  9. Pingback: Heraldo Pereira e o racismo na Globo | Altamiro Borges

Deixe uma resposta