O prêmio da Mega Sena acumulou. Chega a 70 milhões de reais. O número se escreve assim: R$ 70.000.000,00. É bastante dinheiro. Eu não poderia imaginar o que faria, sozinho, com toda essa dinheirama.
Esta “notícia” acima é tão importante que os telejornais da noite correm para falar, pausadamente, os números. Todos os principais telejornais anunciam tal novidade. São milhões e milhões de brasileiros que gastam semanalmente dinheiro nas lotéricas para tentar a sorte grande.
O povo brasileiro, enfim, se mobiliza semanalmente (quartas e sábados), vai às lotéricas e tira dinheiro do próprio bolso, na esperança de ficar rico. “Sozinho”, na prática, porque mesmo dividindo com outros ganhadores, o valor ainda é impensável.
Pode ser uma loucura qualquer da minha cabeça, mas toda vez que revejo esta “notícia” nos jornais – e elas estão aí, semanalmente! -, lembro de um estudo da Fundação Getúlio Vargas, lançado em janeiro de 2006.
Segundo o documento “Educação da Primeira Infância”, da FGV, o investimento público em educação infantil é o que apresenta maior e mais amplo retorno social. “A pesquisa analisou a freqüência de crianças nas creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 6 anos). Realizado nos 5.500 municípios do país no ano passado [2005], o levantamento demonstra que a ausência de investimentos em educação infantil prejudica a sociedade de forma geral, aumenta a criminalidade e onera o Estado que, mais tarde, terá que investir em programas sociais de transferência de renda e segurança pública ou na manutenção de presídios, por exemplo.”
Seria um tema interessante, cujos ganchos jornalísticos estão aí todos os dias – incluindo, sem dúvida, o retorno do caso Ezequiel/João Hélio à pauta da mídia. Poderíamos fazer este vínculo, talvez, procurando saber quais cidades mais investem em educação infantil há mais tempo, e quais são os resultados aparentes desses investimentos.
O tema, de fato, merece atenção. Segundo uma nota do jornal Correio Braziliense de 03 de fevereiro deste ano, o Plano Nacional de Educação estabelece que, até 2012, o país tenha metade das crianças de até quatro anos matriculadas em creches. Este índice de atendimento ainda não atingiu 30%. “Para o professor José Marcelino Rezende Pinto, da Universidade de São Paulo (USP), o objetivo só deve ser alcançado se os investimentos públicos na educação infantil aumentarem”, diz a nota.
O Ministério da Educação (MEC) tem um programa voltado para a construção de creches, o Proinfância, que é alvo de críticas, aponta a nota. “Os prefeitos consideram a manutenção das instituições de ensino o grande problema. O custo total de cada construção está estimado em até R$ 950 mil, e o valor liberado, em média, por município, é R$ 700 mil”.
O quadro poderia ser diferente se, em vez de irmos uma ou duas vezes às lotéricas, tomássemos outro caminho. O da Secretaria de Educação da nossa cidade, por exemplo. Poderíamos, eventualmente, mobilizar um ou dois reais, toda semana, para a melhoria de uma creche pública. E, principalmente, cobrar do Estado (neste caso, da Prefeitura) o correto investimento em educação básica. Seria uma forma de mobilização que, certamente, realizado uma ou duas vezes por semana, teria efeitos profundos na sociedade brasileira em cinco anos, talvez até menos.
Mas podemos também continuar indo a uma lotérica, tentar a “sorte”. Então, se for assim, boa sorte a todos. Precisaremos muito dela…
Jogatina com apoio federal
O curioso é que o Governo Federal é o principal apoiador desta corrida insana dos milhões. Nota-se que a maioria dos apostadores são pessoas humildes, classe média baixa e por aí vai. Basta frequentar as lotéricas, como eu faço para pagar contas. Quem tem dinheiro tem seus próprios jogos de sorte e muitas outras fontes de renda, incluindo as apostas na ciranda financeira internacional e nas Bovespas da vida.
A assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal diz que 46% do total arrecadado vai para o prêmio bruto; 3%, para o Fundo Nacional de Cultura; 1,7% para o Comitê Olímpico Brasileiro; 0,3%, para o Comitê Paraolímpico Brasileiro; 18,1%, para a seguridade social; 7,76%, para o FIES (educação superior); 3,14%, para o Fundo Penitenciário Nacional; e 20% para despesas de custeio e manutenção de serviços.
Pelas minhas contas, 0,0% vão para a educação infantil. E algum recurso vai para os presídios, ou seja, a tal prioridade burra de investimentos de novo, com foco no problema.
Mesmo se fosse alguma coisa para a educação infantil, cá entre nós, simplesmente me parece burrice tirar dinheiro de uma parcela considerável de pessoas de baixa renda por meio do incentivo a apostas para financiar alguns poucos projetos e, ao mesmo tempo, criar um ou dois milionários.
É uma espécie de geração instantânea de desigualdade social: alguém ganha R$ 70 milhões de reais de uma vez só e, por conta disso, terá de investir em segurança privada, para proteger seu patrimônio. Um assaltante que tentar algo contra este novo milionário poderá ir para a prisão, mas – veja só que beleza! – temos 3,14% deste mesmo dinheiro para dar de apoio ao Fundo Penitenciário Nacional, para que este assaltante fique bem alojado.
Seria um pouco mais inteligente taxar grandes fortunas, como fazem países europeus como França e Espanha, por exemplo.
Sobre os jogos de azar
Neste tema, ainda, o blogueiro Hélio Teixeira trouxe uma interessante nota sobre as atividades da Bellwood, uma entidade canadense sem fins lucrativos que oferece tratamento para pessoas dependentes de álcool e drogas, transtornos alimentares e uma variedade de comportamentos compulsivos ou problemáticos.
Com sede em Toronto, Ontário, a Bellwood tem ajudado pessoas de todas as províncias do Canadá, que lutam para mudar a sua vida. Desenvolvendo hábitos saudáveis e equilibrados, livres de vícios e dependências.
A entidade lançou ano passado uma campanha de mídia impressa com o tema “Gambling. It’s just as addictive” (Jogo de azar. É tão viciante quanto…). Uma das peças é a imagem ao lado (clique nela para acessar outras).
No caso da Mega Sena e relacionados, talvez seja ainda pior. A única recompensa aparente é a própria expectativa de ganhar milhões de reais da noite para o dia. E sonhar com a “riqueza”, enquanto sua vida se empobrece (de várias formas) a cada aposta.
Pensando bem, faz todo o sentido dizer que o povo brasileiro está “jogado à própria sorte”…
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.