Em tempos de crimes imprescritíveis

No mesmo dia em que as agências internacionais divulgavam a informação segundo a qual o serviço secreto alemão (BND, na sigla em alemão) destruiu, em 2007, centenas de atas relacionadas com o passado nazista de alguns de seus agentes, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidia livrar a cara de militares brasileiros acusados de torturar presos políticos na Oban (Operação Bandeirante) durante a ditadura. Motivo alegado: os crimes já prescreveram.
Alguém pode estar perguntando, mas o que tem a ver uma coisa com a outra? Tem sim. Ambas as informações remetem à questão relacionada com crimes contra a humanidade, como os cometidos por agentes nazistas e os da ditadura brasileira. E crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Não é à toa que até hoje, mais de 60 anos depois do fim da II Guerra Mundial, criminosos nazistas descobertos são submetidos a julgamento, alguns deles com idades superiores a 90 anos.
Para atenuar, há quem diga que a destruição dos documentos se deveu ao fato de terem sido considerados irrelevantes. Claro, há desculpas para tudo.
No caso do serviço secreto alemão não é de hoje que se informa que agentes nazistas que ocupavam altos postos na etapa nazista foram absorvidos pelo regime instalado depois da II Guerra na então Alemanha Ocidental. O motivo alegado para o aproveitamento desses criminosos foi de que seriam de grande utilidade no combate ao comunismo. Era o tempo da Guerra Fria.
Aqui no Brasil, também em plena Guerra Fria, o regime implantado depois de 1964 escolheu seus agentes para torturar e matar quem não rezava pela cartilha do poder. Boa parte foi escolhida a dedo e fazia parte da engrenagem de manutenção do regime ditatorial. Tudo ficou por isso mesmo. E agora, quando houve possibilidades de se tentar ações na Justiça, o Tribunal de São Paulo alegou que os crimes estavam prescritos, ignorando convenções internacionais que dispõem sobre a matéria, ou seja, de que crimes contra a humanidade são imprescritíveis.
O Tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, apontado como torturador pela presidenta Dilma Rousseff, em depoimento à Justiça Militar, em 1970, vibrou com a decisão e acabou demonstrando, em entrevista no jornal Folha de S. Paulo, que não mudou nada ao longo do tempo. O militar agora na Reserva continua a usar uma linguagem de ódio da Guerra Fria.
A Procuradoria Regional da República recorreu ao TRF contra a decisão que livrou os acusados.
Tais fatos estão na ordem do dia, sobretudo agora quando se aguarda o início dos trabalhos da Comissão da Verdade. Ainda falta a Presidenta Dilma Rousseff indicar os sete nomes que investigarão as violações dos direitos humanos, cometidas entre 1946 e 1988. Mas o foco que importa mesmo é o posterior a 1964.
Não há dúvida que o simples fato de se criar uma Comissão da Verdade, mesmo com atraso, é um avanço. Mas será completo esse avanço se realmente os brasileiros conhecerem a verdade. Nada de meias verdades ou mesmo mentiras, como querem alguns setores.
Mas para evitar que isso aconteça é necessário que a sociedade brasileira acompanhe o desenrolar dos acontecimentos e se for o caso pressionar no sentido de a Comissão da Verdade se tornar verdadeiramente um marco na história deste país.
Enquanto isso, na área internacional um fato estranho aconteceu no Irã: a invasão da embaixada do Reino Unido em Teerã por jovens islâmicos. O fato está servindo de pretexto para que os países ocidentais aumentem as pressões sobre o regime dos aiatolás.
Nesse sentido, a invasão pode ser analisada sob vários aspectos, até mesmo se o episódio não teria sido estimulado por agentes secretos de países interessados em iniciar alguma ação armada contra o Irã. Ou uma luta interna no interior do governo iraniano.
De qualquer forma, a ocorrência não exime de responsabilidade o próprio governo. Mesmo sendo os britânicos inimigos dos iranianos, e o são, as convenções internacionais dispõem sobre garantias às sedes das representações diplomáticas. Já que existe uma embaixada e o Irã e Reino Unido têm relações, pelo menos até a invasão da embaixada, o governo de Teerã teria de cuidar para evitar agressões dessa natureza.
O episódio remete ao final do governo Jimmy Carter, lá por 1979, quando a embaixada estadunidense foi ocupada também por jovens que protestavam contra a potência hegemônica. Os EUA enviaram soldados para uma operação de retirada dos reféns, mas deu tudo errado. O vexame influiu na eleição presidencial. Carter perdeu a reeleição para Ronald Reagan, um republicano de direita extremada que antecedeu Bush pai e assim sucessivamente. Em suma: deu no que deu.

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