Cenas de uma novela

Está no ar pela Rede Globo de televisão, a novela Cheia de charmes. O folhetim gira em torno de três empregadas domésticas, que de uma hora para outra veem suas vidas alteradas pela fama e o sucesso. Tudo seria lindo e feliz, se a vida das empregadas domésticas no Brasil fosse tão bela assim.
Não é de hoje que a categoria de trabalhadoras está presente no dia-a-dia nas casas de famílias de classe média baixa e média alta. Isto ainda representa um resquício do que foi por três séculos a escravidão no Brasil. Por incrível que pareça, as domésticas, como qualquer profissão digna, são das poucas trabalhadoras que seus direitos são negados. Em sua maioria moradora de favela, sem nenhuma instrução escolar, ganham menos que um salário mínimo. Muitas vezes deixam de ver os seus filhos para dormir no serviço, pois a madame quer economizar na passagem do transporte. Não estranhe se o quarto da empregada for menor que a garagem ou o closet (um guarda-roupa ampliado).
A novela tenta passar a imagem de uma democracia harmoniosa entre domésticas e patrões (as). Mas, em nosso mundo real, nem tudo é uma maravilha. Existe uma rede de abusos desde a exploração do trabalho, passando por humilhações morais e sexuais. Nada é um conto de fada. Outro programa da mesma emissora promove um concurso para apontar a melhor empregada do Brasil, as patroas devem estar gostando muito.
Ficaríamos muito mais felizes se essas mesmas empregadas tão dedicadas ao serviço um dia refletissem sobre o seu papel dentro da construção do trabalho no país. Notará o peso e o valor dê sua tarefa, o quanto é importante e muito valorizada. Se um dia ficarem em greve por 24h, verão o real valor que todas têm. A patroa ou patrão, em muitos casos, ficarão enrolados na casa. Uns vão ficar com fome e sem saber trocar as fraldas sujas das crianças que as domésticas criaram e até deram de mamar, quando deixaram de dar mais atenção aos seus próprios filhos. Lutem por seus direitos, trabalhadoras. Façam valer os seus direitos como o FGTS, que os empregadores negam enquanto realizam festas que dava para pagar quase oito anos de tempo de serviço.  Façam valer o direito de estudar, mudar de vida e estimular outras colegas de serviço a fazer o mesmo. Não caia na cilada de que está tudo ótimo, conforme a novela passa. Não pense que a maioria das patroas quer ver seu bem, mas, querem sim, sugá-las até a última gota de sangue com trabalhos exaustivos, péssimos salários e humilhações.
O emprego de doméstica é legitimo como qualquer outro. Ilegítimo é o porquê de ser tão explorado.
Reforço que o serviço de doméstica ainda é uma sombra do Brasil escravocrata, um símbolo de poder e dominação. Não é à toa que as domésticas são, em sua maioria, mulheres negras. Um trecho da canção Zé do caroço, da compositora Lecy Brandão, é o fiel retrato de como as massas populares são manipuladas pela ótica da teledramaturgia em relação ao nosso dia-a dia:
E na hora que a televisão brasileira
Destrói toda a gente com sua novela
É que o Zé bota a boca no mundo
Ele faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela
Hoje o mundo é dos informados, e muito bem-informados.
Domésticas, é a vez de revolução!!!
(*) Fabio Nogueira é militante da Educafro. E-mail: fabionogueira95@yahoo.com.br

6 comentários sobre “Cenas de uma novela”

  1. Flávio, vc está sendo bem demoníaco em sugerir que as empregadas domésticva façam greve.O que vai ter de empregada demitida vc nem imagina.Só que o prejuízo de ficar sem emprego não será seu, será delas.
    Botar lenha na fogueira é fácil né?O difícil vai ser comer a batata quente depois.
    vai dar uma mordidinha???

  2. Para começar Mauricio,eu,me chamo Fabio Nogueira e não Flavio. Mas,tudo bem.
    Não retiro uma palavra que disse,as domesticas brasieliras são tratadas como cidadãs não de segunda que seria um avanço,mas,sim,como simbolo de poder e dominação.
    Nem mesmo as nossas leis trabalhistas,tão avançadas não atinge sua categoria. Por que? Tenho parentes (tias),que são domesticas.Uma(falecida há seis anos),comentava que sua patroa não deixava comer sobra de carnes para não poder faltar para o caozinho dela e fora outros absurdos que acontecia. Como a minha tia não era mulher de papo soltou os seus “bichos” em cima da madame,não trabalhando nunca mas na casa da dita cuja. E isso foi por 20 vinte anos.Infelizmente,custou a minha falecida tia acordar para a realidade. Desde então a própria prometeu nunca mais abaixar a cabeça para as patroas.
    Se voce está com pena das mademes,junte-se a elas,porém de o que é de direitos as domesticas,pague os direitos delas como quelquer outro trabalhador da iniciativa privada. Não faça o discurso do opressor.
    DOMESTICAS,AVANTES!!!

  3. Caro Maurício,
    esse é um problema de toda greve, ao ser deliberada sua execução qualquer um pode vir a ser demitido. Não é um problema específico das empregadas. O fato é que, diferentemente, elas não têm uma organicidade enquanto categoria ainda consistente. Isso fragiliza a manifestação coletiva, mas não a inviabiliza. É na luta que elas vão conquistar vitórias. Com o seu raciocínio, elas nunca terão condições de lutar pelos seus direitos. Não se iluda de que uma reivindicação histórica como esta, assim como tantas outras, será fácil.

  4. Amigos,
    Trabalho numa Construtora de Imóveis, onde existem alguns Contadores.
    Certa vez durante o almoço, estávamos eu, outros funcionários e o principal Contador da empresa, passava uma reportagem do RJTV sobre o aumento de salário das empregadas domésticas.
    Ao término desta, o Contador diz para o meu espanto que empregada doméstica ganhava muito bem.
    Eu na mesma hora disse que achava o contrário, que ganhavam muito mal.
    Ele disse que elas poderiam trabalhar em várias casas numa mesma semana, sendo assim somavam muita grana no fim do mês.
    Eu disse essas são as diaristas, e para conseguir um pouco melhor se submetem a ter uma jornada cansativa em cada casa que vão a cada dia. Só vão embora quando terminam todo o serviço.
    Ele pra piorar disse que na sua casa a diarista fez um pacote semanal, trabalhava 02 dias na semana ganhando míseros 400,00 por mês.
    Nas palavras dele era muito, pois ainda lhe sobrariam 3 dias da semana para somar grana em outras casas.
    Eu falei que ele pagava muito pouco, nem chegava a ser 1 salário mínimo e além do mais ele nem precisava assinar carteira.
    Isso tudo vindo de alguém que conhece os direitos trabalhistas, mas que usa da inocência e da necessidade de outros para se dar bem.

  5. A questão é tão simples, quem deseja ter domésticas que arquem com as despesas legais ou então arregacem as mãos e peguem a vassoura, o esfregão, o detergente, o sabão em pó, as panelas e cuidem de suas próprias casas. Sou totalmente a favor dos direitos das domésticas. Ah! e respeito muito também nossos garis que tentam virtuosamente manter limpas as ruas que o povo mais deseducado do planeta no quesito limpeza urbana teima em manter suja. Você joga lixo na rua?

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