Carta aberta dos moradores de favelas ao prefeito e à cidade do Rio de Janeiro

NÃO À REMOÇÃO! FAVELA TAMBÉM É CIDADE!

Tendo em vista a tragédia ocorrida após as últimas chuvas que atingiram principalmente as favelas e as comunidades pobres, vimos manifestar ao Poder Público e à população da Cidade do Rio de Janeiro o seguinte:
Os problemas e as tragédias que hoje afligem principalmente os moradores de favelas não são frutos do acaso, mas da omissão e descaso do Poder Público que há décadas não investe em políticas públicas de habitação, na realização de obras de urbanização, infraestrutura, contenção de encostas, drenagem, reflorestamento, coleta de lixo e de regularização fundiária de interesse social.
O histórico de abandono em que vivem os moradores dessas comunidades levou a mais uma tragédia anunciada. É comum o descaso e a negligência com as reivindicações que há décadas são feitas pelas comunidades exigindo obras de contenção de encostas e de infraestrutura que propiciem redução dos riscos, melhores condições e qualidade de vida.
Se já não bastasse a tragédia, sofremos com a falta de informações precisas e de transparência em relação à situação das comunidades e das ações emergenciais para o socorro das vítimas. E observamos a ausência de articulação imediata dos órgãos públicos na assistência aos desabrigados.
Repudiamos a arbitrariedade na relação com os desabrigados que foram levados para locais sem condições adequadas e aliciados para que assinassem laudos de interdição genéricos sem a devida vistoria local e com desrespeito aos critérios técnicos- legais.
Os megaeventos como a Copa de 2014, as Olimpíadas de 2016 e os grandes projetos urbanísticos como a Cidade da Música, a Transcarioca e o Porto Maravilha, que geram imensos impactos sociais e ambientais, seriam, numa cidade justa, executados visando o interesse coletivo e não apenas das elites e da especulação imobiliária. Como foram ou estão sendo executadas, beneficiam principalmente áreas da cidade de alta renda ou concentração empresarial.
Os Poderes Judiciário e Legislativo não podem se associar a este ataque que os governos promovem contra os moradores mais pobres da cidade.
A grande mídia se mostra parcial ao veicular notícias pautadas apenas na versão apresentada pelo governo, ignorando o ponto de vista das comunidades.
É inaceitável o retrocesso/desrespe ito imposto pelo Poder Público, sobre os marcos legais relativos ao direito à moradia adequada e à segurança da posse, (Constituição Federal, Constituição Estadual, Estatuto das Cidades, Lei do Programa Minha Casa Minha Vida), que estabelecem o direito à regularização fundiária integral, capaz de garantir aos moradores o efetivo direito à cidade, com a permanência em suas comunidades, e com realização das intervenções necessárias para prover toda a infraestrutura necessária e a redução dos riscos.
Defendemos uma reforma urbana que garanta o direito de todos à cidade contra as tentativas de segregação e limpeza social que hoje estão explícitas nas ameaças de remoção feitas pelos governos municipal e estadual, que se assemelham àquelas realizadas durante a ditadura militar que caracterizaram os governos de Carlos Lacerda e Negrão de Lima.
O Programa Morar Seguro, do Governo do Estado, e o decreto 32081 da Prefeitura do Rio de Janeiro, ao invés de garantir o direito à cidade, é mais um instrumento nas ameaças de despejo.
NOSSAS REIVINDICAÇÕES:
1. Não às remoções!
2. Pelo cumprimento do Art. 429, da Lei Orgânica Municipal; Art. 234 da Constituição Estadual; Art. 6º da Constituição Federal; Art, XXV da Declaração dos Direitos do Homem; Art. 11º do Pacto Internacional dos Direitos Sociais Econômicos e Culturais; Comentário Geral nº 04 do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Estatuto das Cidades.
3. Destinar maiores investimentos ao reaparelhamento da GEO RIO e da Defesa Civil com a garantia de concurso público e participação da população na gestão desses órgãos.
4. Implementar a longo prazo um programa que contemple a drenagem, contenção de encostas e saneamento nas comunidades, bem como a correta manutenção das obras.
5. Participação ampla das comunidades no debate em busca de alternativas às remoções e nas respectivas decisões.
6. Apresentação de laudos técnicos detalhados da situação mediante visita às casas e áreas atingidas, com a participação da comunidade e de entidades representativas na análise e definição das soluções.
7. A Interdição das casas somente pode ser feita mediante estudo técnico detalhado, e eventual demolição só pode ser realizada, salvo perigo iminente, após ter sido garantida uma  solução habitacional definitiva aos moradores atingidos
8. Priorizar o atendimento e o reassentamento das famílias desabrigadas e/ou em situação de risco iminente, remanejando- as na própria comunidade ou em áreas próximas, conforme determina a Lei Orgânica Municipal.
9. Nas situações de emergência, garantir às famílias desabrigadas um aluguel-social digno enquanto novas unidades habitacionais ou obras para redução do risco não forem construídas.
10. Garantir uma indenização justa às famílias que perderam seus entes nos deslizamentos, independentemente da moradia que possam receber.
11. Priorizar, para as áreas mapeadas como de alto risco após estudos sérios e com participação popular, as soluções que não impliquem o reassentamento de famílias (como obras de contenção, drenagem, dragagem, reflorestamento e delimitação de área ocupável).
12. Os estudos técnicos do Programa “Morar Seguro” devem ser debatidos entre os profissionais e moradores, objetivando soluções participativas com a reformulação da Comissão Gestora deste programa para garantir a participação popular.   

Conselho Popular do Rio de Janeiro e

Movimentos Sociais Unidos Contra a Remoção

3 comentários sobre “Carta aberta dos moradores de favelas ao prefeito e à cidade do Rio de Janeiro”

  1. Todo apoio à luta dos desabrigados e movimentos de moradores em favelas!
    Lições do mercado habitacional, decisão política, e orçamento público: a tragédia nossa de cada dia.
    1 – Não às remoções!
    2 – Levando-se em conta o mercado formal imobiliário, concentrador das melhores fatias no território urbano, e, excludente das populações de baixa renda, aplicar o tal “rigor da legalidade” de parcelamento e ocupação do solo urbano sobre àqueles que não conseguiram inserir-se neste mercado, é, culpabilizar e criminalizar as vítimas além de justificar o que se prepara com as remoções generalizadas, que estes moradores de favelas e seus movimentos organizados denunciam com base em direitos garantidos em lei, tendo em vista o rearranjo do território urbano no Rio de Janeiro para acolher pesados investimentos e lucros astronômicos que megaeventos gerarão ao capital imobiliário.
    3 – Como normalmente os governantes são agentes dos interesses especulativos na cidade, não há “despreparo”, “negligência administrativa”, “omissão histórica na questão das moradias irregulares”, etc. Há, sim, decisões politicamente planejadas para conduzir a manutenção e os investimentos públicos em áreas nobres da cidade, transferindo valor ao capital imobiliário que engorda com o dinheiro público.
    4 – O que a hipocrisia e o oportunismo político-empresarial semeiam ao confundir na opinião pública que reivindicações sociais do movimento de favelas seriam “pretexto social para manter seres humanos pendurados em precipícios, à mercê de temporais”, distorce e infantiliza as justificativas que os moradores estão apresentando, como se não soubessem o que é uma área de risco e um laudo técnico. Entende o povo e suas representações políticas como ignorantes, teimosos, e suicidas. Como se, jamais, tivessem reivindicado contensão de encostas, drenagem, saneamento básico, coleta de lixo regular, programas habitacionais e regularização de posses de terra e construções.
    5 – O que se quer, não é permanecer em áreas de risco iminente ou progressivo. O que se quer é o respeito ao direto à vida social, cultural, afetiva com o lugar de moradia, e os laços de parentesco e vizinhança.
    Possíveis remanejamentos internos para áreas seguras, com o respectivo acompanhamento técnico-urbanístico, podem perfeitamente ser feitos.
    Os moradores tem que ser ouvidos!
    Para o Rio não sair do “Tom”, Já dizia o poeta: “quando derem vez ao morro / toda cidade vai cantar!…”
    A quem serve o discurso “técnico” e “competente”?
    Para ilustrar:
    Rolnik: Áreas de risco foram loteadas e povo paga com vidas
    http://fazendomedia.org/?p=3276
    Fraternal abraço e força na luta!

  2. Remoção é uma palavra que só me lembra II Guerra Mundial, nazismo e outras aberrações do mundo político. Uma PROPAGANDA de melhoria de condições da população. Casa não é só muro e telhado…

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