Carta aberta às autoridades da Igreja Católica Romana

cristoCom obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o «cheiro de ovelha», e estas escutam a sua voz. (Evangelii Gaudium, n. 24)
Querido Irmão Francisco, Bispo de Roma
Querido Irmão Núncio Apostólico no Brasil
Queridos Irmãos Bispos da CNBB
Rendemos graças a Deus pelo dom da presença frutuosa em nossa Igreja (e para além dela) do Papa Francisco, que, por seus gestos e palavras, não tem cessado de anunciar um novo tempo em nossa Igreja. Tempo de uma mais intensa conversão, renovação, na perspectiva dos valores do Reinado de Deus. Muitos são os sinais que nos tem legado a esse respeito. Um deles: sua abençoada Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, em que nos apresenta uma verdadeira proposta programática para os próximos tempos. Proposta programática que, entre suas diretrizes nucleares, comporta: a reforma da Igreja em saída missionária, a Igreja vista como a totalidade do Povo de Deus, a inclusão social dos pobres, a paz e o diálogo social. (cf. “Evangelii Gaudium”, n. 17).
Evangelicamente enraizada, tal proposta programática requer um novo perfil dos distintos segmentos eclesiais, cada qual assumindo seu protagonismo específico a serviço da humanidade, em especial dos pobres, com critérios alternativos aos que têm prevalecido até aqui, a saber: com espírito de diálogo e colegialidade, sem clericalismo, com inserção crítico-propositiva das leigas e dos leigos nas forças sociais organizadas em busca das mudanças necessárias.
Nesse sentido, por mais alegres e esperançosos que nos sintamos – e nos sentimos! – com os sinais alvissareiros apontados pelo Papa Francisco, sabemos, por outro lado, que não basta o testemunho do nosso querido Papa Francisco, em sua simplicidade evangélica, em seu ardor missionário, em seu compromisso com a causa dos pobres e marginalizados. Há de ser uma proposta a ser tomada a sério por todos os segmentos de nossa Igreja: Leigas, Leigos, Religiosas, Religiosos e Ministros Ordenados, não apenas individualmente, mas também em seus respectivos órgãos representativos, em suas dioceses e paróquias e tantos outros espaços eclesiais.
No caso específico de nossa Arquidiocese da Paraíba, reconhecemos esforços e avanços pontuais obtidos, nessa direção, em algumas experiências eclesiais, que, no entanto, constituem benditas exceções.
Na última década, a Arquidiocese da Paraíba tem enfrentado sucessivas experiências de contratestemunho pastoral, em diferentes esferas de sua realidade, das quais destacamos apenas as seguintes, pelo seu impacto mais pronunciado:
– um zelo extremado pelo desempenho estritamente administrativo, não raro em prejuízo do cuidado e do compromisso com a organização pastoral, sobretudo em relação às pastorais sociais mais ligadas aos pobres do campo e da cidade (CPT, Pastoral Operária, PJMP, CEBs, entre outras). Justamente no tempo em que se espera dos cristãos, inclusive dos católicos, um compromisso social e político mais firme na luta contra as injustiças sociais e por uma nova sociedade, eis que nossas pastorais sociais, com raras exceções, se apresentam omissas ou pouco atuantes nos processos de luta e organização;
– numerosos episódios protagonizados pelo Sr. Arcebispo Dom Aldo Pagotto, com notória frequência envolvido em várias situações de conflito (*Conferir “links” ao final do documento) com diversos padres e leigos, nos quais sobressaía sua postura autocrática, discriminatória e punitiva, pouco propensa ao diálogo, sobretudo tomando-se em conta tratar-se, na enorme maioria, de situações facilmente contornáveis pelo exercício do diálogo ou pelo apelo aos órgãos colegiados da Arquidiocese;
– declarações agressivas feitas, na imprensa, contra alguns movimentos e pastorais sociais, por discordar de suas lutas, enquanto, por outro lado, mostra-se, não raro, a compartilhar generosamente o lado dos poderosos, tanto do campo político-partidário quanto do campo empresarial;
– suspensão de Ordem, por vários dias, decretada contra o Pe. Luiz Couto, uma referência exemplar na defesa dos Direitos Humanos, em toda a Paraíba, por suas posições éticas amplamente acolhidas pelo “sensus fidelium” (favorável ao uso de preservativos, crítico em relação ao celibato sacerdotal obrigatório e não discriminação aos homossexuais);
– graves denúncias de pedofilia de que vêm sendo acusados alguns padres da Arquidiocese, sendo que um deles foi ordenado pelo Sr. Arcebispo, mesmo tendo sido este previamente advertido por colega seu para não ordená-lo, tendo em vista ter sido expulso do seminário pelo seu comportamento já conhecido;
– abrupto afastamento imposto pelo Sr. Arcebispo da Paraíba ao Pe. Bosco Francisco do Nascimento e Guiany Campos Coutinho, ambos componentes da Pastoral Carcerária, no âmbito da Arquidiocese da Paraíba, sem justificativa convincente. Tanto que o mesmo Pe. Bosco segue sendo o responsável da Pastoral Carcerária, no âmbito do Regional Nordeste II da CNBB, com amplo e expresso apoio;
– o pouco apreço do Sr. Arcebispo aos diferentes conselhos colegiados da Arquidiocese, ao convocá-los de modo quase estritamente formal, sem tomada de decisões de forma colegiada.
Aqui destacamos apenas uns poucos de uma série bem mais extensa de episódios pouco edificantes, com ampla divulgação pela imprensa, a provocar um constante mal-estar, não apenas à comunidade católica paraibana, como também revolta ao conjunto da sociedade, já tendo havido diversas manifestações públicas da parte de setores da sociedade civil contra a postura agressiva e divisionista do Sr. Arcebispo.
Entristece-nos saber que boa parte desses episódios, protagonizados pela mesma figura, durante anos a fio, dada a repercussão inclusive na imprensa, chegou ao conhecimento de pelo menos parte dos irmãos destinatários desta, inclusive com pedido de providências, sem que até aqui nenhuma solução concreta tenha sido tomada por parte de quem deveria. Temos certeza de que esta não é a posição do Papa Francisco, nem, antes dele, do Evangelho que somos todos, todas, chamados a anunciar e testemunhar.
Eis por que nos dirigimos aos queridos irmãos, por meio desta Carta Aberta, para solicitar, com filial apreço, URGENTES providências, nesse sentido, pois o Povo de Deus na Arquidiocese da Paraíba não merece tal tratamento por parte de seus pastores. Permitam-nos, ainda, externar-lhes nosso desejo de que as distintas representações do Povo de Deus na Igreja da Paraíba, em seus vários segmentos (Leigas, Leigos, Religiosas, Religiosos e Ministros Ordenados) possam ser escutados, inclusive quanto ao perfil dos nossos futuros Pastores.
João Pessoa, 30 de abril de 2014.
Kairós/Nós Também Somos Igreja;
Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil/ SINTRICON
Movimento dos Trabalhadores Cristãos/MTC;
Rede Celebra;
Rede Grito pela Vida;
Grupo Igreja dos Pobres;
Pastoral Operária/PO;
Comissão Pastoral da Terra/CPT.
(*) A título de informação, seguem alguns “links” com notícias ou reportagens sobre os fatos que vêm infelicitando expressivas parcelas do Povo de Deus na Arquidiocese da Paraíba; e, ao final, cópia da carta dirigida ao Sr. Arcebispo da Paraíba, pelo Pe. Gedeon José de Oliveira.

1. Sobre o caso da suspensão do Pe. Luiz Couto
– ARQUIDIOCESE SUSPENDE O PADRE LUIZ COUTO DO USO DE ORDEM
http://www.professorjosa.com.br/2009/02/arquidiocese-suspende-o-padre-luiz.html
– SOLIDARIEDADE AO PE. LUIZ COUTO, EM DEFESA DA VIDA, E CONTRA A PUNIÇÃO ATRIBUÍDA PELO ARCEBISPO DA PARAÍBA
http://consciencia.net/solidariedade-ao-pe-luiz-couto-em-defesa-da-vida-e-contra-a-punicao-atribuida-pelo-arcebispo-da-paraiba/
– ENTIDADES ASSINAM CARTA EM REPÚDIO A DOM ALDO E EXIGINDO RETRATAÇÃO; ARCEBISPO SILENCIA
http://www.wscom.com.br/noticia/paraiba/ENTIDADES+ASSINAM+CARTA+EM+REPUDIO-16978
2. Sobre o caso do afastamento do Pe. Bosco Francisco do Nascimento e Guiany Campos Coutinho da Pastoral Carcerária da Paraíba
– CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS CRITICA ARCEBISPO DA PARAÍBA
http://www.parlamentopb.com.br/Noticias/?conselho-de-direitos-humanos-critica-arcebispo-da-paraiba-25.03.2014
– NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE A PASTORAL CARCERÁRIA NA ARQUIDIOCESE DA PARAÍBA
http://carceraria.org.br/nota-de-esclarecimentos-sobre-a-pastoral-carceraria-na-arquidiocese-da-paraiba.html
3. Sobre os casos de pedofilia envolvendo alguns padres da Arquidiocese da Paraíba
– QUATRO PADRES QUE ATUAVAM NA PARAÍBA SÃO DENUNCIADOS POR PEDOFILIA
http://www.parlamentopb.com.br/Noticias/?quatro-padres-que-atuavam-na-paraiba-sao-denunciados-por-pedofilia-27.02.2014
– MP DA PB INVESTIGA PADRE SUSPEITO DE ABUSAR DE MAIS DE 20 ADOLESCENTES
http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/02/mp-da-pb-investiga-padre-suspeito-de-abusar-de-mais-de-20-adolescentes.html
4. Sobre conflitos com algumas Pastorais Sociais
– VIRANDO AS COSTAS À CNBB, O ARCEBISPO DA PARAÍBA APOSTA CONTRA O PLEBISCITO E O GRITO DOS EXCLUÍDOS
http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=50580&lang=PT
– CRISE NO CLERO: críticas a Dom Aldo Pagotto ganham repercussão nacional; arcebispo da Paraíba é acusado de se posicionar a favor dos poderosos
http://pb-agora.jusbrasil.com.br/politica/5951727/crise-no-clero-criticas-a-dom-aldo-pagotto-ganham-repercussao-nacional-arcebispo-da-paraiba-e-acusado-de-se-posicionar-a-favor-dos-poderosos
5. Sobre situações notórias de discriminações
– Ver carta denúncia do Pe. Gedeon de Oliveira, abaixo inserida

João Pessoa, 31 de outubro de 2012.
Ao Exmo. Revmo. Dom Aldo Pagotto
Membros do Conselho de Presbíteros
Objetivando entender propósitos dos diálogos deferidos por Dom Aldo, junto a minha pessoa em oportunidades bem pontuadas, disponho através destes signos, alguns pontos dispersos.
Geralmente as manifestações do racismo e da discriminação ocorrem de maneira implícita, raramente aparecem em formas diretas através de hostilidades ou defesa radical da ideia de inferioridade “natural” do negro. Tal negação dificulta a identificação da presença do racismo e da discriminação racial nas relações cotidianas resultando no silenciamento e na naturalização, favorecendo a produção e manutenção do pensamento racista no seu interior, pois uma gama de estudos comprova que piadas envolvendo negro, homossexual ou mulher, fazem com que prolifere e perpetue o racismo, assim como a homofobia. Com este enunciado, aciono a pessoa de Dom Aldo como aquele que ocupa um lugar determinado no discurso sobre o negro e que configura a razão desta carta.
No ano de 2009, conversamos cinco vezes, das cinco vezes, Dom Aldo fez referência ao negro, de forma depreciativa ou com piadas do gênero. Em 2010, Dom Aldo me fez a proposta de retornar a Bahia para cuidar dos “negrinhos” em Camaçari. Demorei muito a acreditar que Dom Aldo fosse racista e expusesse tão explicitamente mediante atitude.
Alguns padres já haviam me alertado para esta possibilidade, devido a perseguição que o mesmo desencadeou a três padres da diocese, que por “coincidência” também são negros. Não obstante, tive a oportunidade de validar a postura racista no dia 27 de setembro de 2012, por ocasião da visita de Dom Aldo a paroquia onde exerço meu ministério. Depois de uma explanação acerca da administração paroquial, Dom Aldo interviu sem mais nem menos, e disse que uma determinada rua em são Paulo que se chama “negrão” agora se chama rua “afrodescendentão”.
Ironizando, o Bispo explicou que agora, não poderia mais, sob pena jurídica, se dirigir a outrem, chamando-o de negro, e que o “modo correto” seria “afrodescendente”. A quem o bispo queria fazer rir? As pessoas insensíveis à vida e a luta das pessoas negras brasileiras, e ainda acusa-las de serem responsáveis pela disparidade social entre negros e brancos?
Estávamos avaliando e planejando algumas decisões no contexto da contabilidade da paróquia, de modo que a falácia criou certo desconforto para a comunidade, que ao término da reunião me perguntou por que razão o bispo fez referência ao negro com desdém. Procurei fazer-me de desentendido, para não acirrar, ainda mais o descontentamento por parte da comunidade. Descontentamento, precedido pela ação do Arcebispo de jantar na casa do prefeito na semana da eleição. Porém, esse não é o foco da carta. Voltando a acusação de racista, todas às vezes que conversamos Dom Aldo, se referiu à sua condição de branco e branco europeu.
Isto posto, e na impossibilidade de compactuar e aceitar uma postura tão abominável, sobretudo para uma autoridade eclesiástica que teria como missão o cuidado, espero que o Conselho de Presbíteros possa me ajudar neste caso especifico, porque ao estabelecer a relação negro e branco, de modo a depreciar o negro e exaltar o branco, como nas conversas que tivemos, chego a conclusão de que o Bispo é um racista e isso pode causar muitos constrangimentos, inclusive dentro das leis que regem as relações étnico-raciais no Brasil. A exemplo da lei n 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Devo salientar ainda, que não estamos mais vivendo sob o regime colonial, tampouco sob o regime nazista.
Negro ou negroide são termos usados em sistema de classificação racial para os seres humanos, como um fenótipo de pele escura em relação a outros grupos raciais, de modo que negro, aparece para qualificar o substantivo raça, onde se acredita que existe uma raça superior a outra. Neste sentido a classificação tem implicações sérias e violentas. Segundo APPIAH (1997) falar de raça é particularmente desolador para aqueles de nós que levamos a cultura a sério. É que, onde a raça atua, ela atua como uma espécie de metáfora da cultura; e só o faz ao preço de biologizar aquilo que é cultura, a ideologia .
Ao estabelecer a relação entre negro e branco, efetua-se sempre uma classificação, a qual permite definir quem entra na categoria do verdadeiro, do natural e quem fica fora dela. Toda classificação é construto da ideologia social que define o campo do admissível e do rejeitável. Desse modo, define-se aquilo que é considerado bom, verdadeiro, ou melhor. Em contraste, destaca-se aquilo que é considerado mau, falso ou pior. É o discurso classificatório que define quem são os diferentes, os desprezíveis: eis aqui a base do racismo que se encontra nos discursos de Dom Aldo.
Ciente de que é desnecessário fundamentar ou discutir o absurdo de uma postura racista, sectária e retrógrada como a discriminação racial, finalizo, compartilhando com o Conselho, nosso compromisso cristão com o respeito à alteridade e dignidade de todas as pessoas, independente da sua condição econômica, política ou epidérmica.
Aguardo uma resposta.
Atenciosamente,
Pe. Gedeon José de Oliveira

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