“A greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos para libertar pessoas. Imagina se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade!”
Deveria, simplesmente, alegar que se tratava de assunto interno cubano, sobre o qual não lhe cabia se manifestar.
“Pessoalmente, admiro Lula e sua trajetória. Mas foi infeliz na comparação com os detentos de São Paulo e nos deve desculpas”, disse outro dissidente, Pablo Pacheco. Corretíssimo. A Folha também foi à caça, por telefone, de um desabafo do Guilherme Fariñas, que deve ser o recordista mundial em quantidade e duração de greves de fome (nunca imaginei que cubanos se igualassem em determinação aos militantes do IRA…). Com todo respeito que sua luta merece, ele também deu exemplo de incontinência verbal:“O Lula é um mal-agradecido. Esqueceu-se de sua essência humana. Sorte para o povo brasileiro que já não pode mais ser eleito”.
São palavras ofensivas para o “povo brasileiro”, pois dão a entender que este faria a escolha errada se não tivesse a “sorte” de Lula não poder mais ser reeleito.
É outro que deitou falação sobre o que não lhe diz respeito.
Por último, os leitores certamente estranharão o parágrafo final:
“Ouvido pela Folha, o Palácio do Planalto afirmou que não irá se manifestar sobre as declarações dos ex-presos”.
No tempo em que eu trabalhava na Coordenadoria de Imprensa do Governo paulista, o serviço propriamente dito acabava por volta das 21h, mas sempre um de nós ficava de plantão até mais tarde, para qualquer eventualidade.
Acontecia de jornalistas ligarem no fim da noite, querendo saber a posição do governador face a qualquer notícia ou declaração adversa, para publicação na edição que estava fechando.
Era pura má fé: sabiam que não havia a menor chance de obtermos um retorno do governador em tempo hábil.
Meus colegas de trabalho respondiam que era impossível atender a essa solicitação e o repórter, satisfeito, colocava na matéria que o Palácio dos Bandeirantes não tinha se manifestado.
Eu era mais ousado: de tanto processar entrevistas do governador, estava careca de saber qual seria sua reação face ao que estava sendo perguntado.
Então, não só transmitia ao repórter a posição “do Palácio dos Bandeirantes”, como o fazia, vingativamente, da forma mais vagarosa possível, saboreando a aflição do jornalista do outro lado da linha, ansioso por entregar o quanto antes sua matéria…