Violência faz comunicadores e ambientalistas serem incluídos em programa de proteção

Por Marcos Barbosa.

No último mês de julho, por meio do decreto nº 9.937 do governo federal, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) incorporou à sua nomenclatura oficial a atenção a comunicadores e ambientalistas, passando a se chamar Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. O decreto, assinado pelo atual presidente Jair Bolsonaro (PSL), revoga o decreto nº 8724, de 27 de abril de 2016, da ex-presidenta Dilma Rousseff.

O PPDDH funciona por meio de cooperação entre União, estados e Distrito Federal, e tem o objetivo de articular medidas para a proteção de pessoas ameaçadas em decorrência de sua atuação na defesa dos direitos humanos, além de buscar garantir que essas pessoas continuem desenvolvendo suas atividades em defesa desses direitos.

Na página do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) na internet, órgão responsável por promover e assegurar os direitos humanos no Brasil, é informado que, atualmente, o programa atende a atendidas 665 pessoas em todo o Brasil, incluídos casos em análise e em triagem. Mais da metade desses casos são referentes a pessoas que lutam em defesa dos interesses de povos indígenas ou quilombolas, ambientalistas, ou envolvidas em conflitos por terra.

De acordo com o advogado Cláudio Silva, membro da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará (OAB-CE) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) Cláudio Silva, o programa foi criado na perspectiva de atuar em um processo de superação de ameaças a pessoas em razão da militância em direitos humanos, com um público-alvo bastante delimitado às populações do campo.

Ainda segundo Cláudio, que já atuou como advogado e coordenador do programa no Ceará, “nos últimos anos, principalmente a partir de 2016, houve um agravamento da situação de ameaça e perseguição aos defensores e defensoras de direitos humanos, com uma intensificação desse processo no campo brasileiro, mas, também, o deslocamento dessa situação de ameaça para o ambiente urbano, o que é uma novidade relativamente recente”.

O advogado sublinha que, atualmente, setores da sociedade que sofriam situação de violência, mas não necessariamente vinculados à militância em defesa de direitos humanos, como a população LGBT, lideranças feministas e, mais recentemente, comunicadores, também passam a ser vítimas de ameaças.

De acordo com Iara Moura, integrante do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), esse processo de inclusão de comunicadores ao PPDDH vem de um antigo esforço da sociedade civil, que já pautava a ampliação da proteção a profissionais da comunicação.

Ela relembra que, em maio de 2018, o Conselho Nacional de Direitos Humanos realizou a audiência pública “Estratégias de enfrentamento à violência contra comunicadores no Brasil” em Brasília. A audiência contou com a presença de autoridades representantes da Procuradoria Geral da República (PGR), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Organização dos Estados Americanos (OEA), do MDH, entre outros órgãos e instituições. Ainda segundo Iara, o espaço apontou problemas de falta de proteção, prevenção e impunidade às violências sofridas por comunicadores.

“A gente tinha uma pressão da sociedade civil, das entidades representantes, porque os comunicadores não acessavam o programas de proteção, mesmo com tantas ameaças e mesmo mortes de comunicadores. Naquele momento, já aconteceu uma recomendação, para que o Ministério de Direitos Humanos ampliasse o programa, de forma que ele atendesse melhor aos comunicadores”, salienta. A representante do Intervozes conta que, após a audiência pública, foi realizada uma campanha virtual de incentivo a jornalistas e outros comunicadores para que conhecessem e buscassem a proteção do programa quando necessário.

Ainda que considere importante a ampliação desse escopo para o público de ambientalistas e comunicadores, Cláudio Silva analisa que, atualmente, a postura assumida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) é a de tratar como inimigos justamente esses setores que o programa deve atender. “Esse cenário é bem complexo. Seja por discurso ou por ações práticas, o governo federal tem esse público, que deveria ser protegido, como alvo”, critica.

Para João do Vale, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a mudança no nome do programa, quando colocada ao lado das práticas do presidente, perde sua relevância. “Essa mudança no nome do PPDDH, em tese, poderia ser algo bom. Mas, analisando de forma mais atenta, a gente percebe que não adianta essa inclusão no nome, quando, o presidente, no auge da sua irresponsabilidade, praticamente destrói todas as políticas públicas ambientais e agrárias”.

João reforça, ainda, que Bolsonaro “tenta a todo custo acabar com o licenciamento ambiental, quer permitir mineração na área dos povos tradicionais e é racista com indígenas e quilombolas”. Iara Moura, do Intervozes, também se demonstra preocupada com a postura autoritária do estado brasileiro em relação aos comunicadores. Ela relembra os recentes casos em que o atual presidente da República se demonstrou contra o sigilo de fonte, a presença de jornalistas em espaços de coletivas e o acesso a informações de interesses públicos, questões que comprometem o livre exercício da profissão no Brasil.

Claudio Silva ainda declara, que havia o debate sobre a estruturação de um sistema de proteção nacional e sobre uma política de proteção, tanto às vítimas de violência e testemunhas, quanto às crianças, adolescentes e defensores de direitos humanos. Este debate, no entanto, vem sendo desestruturado a partir de uma mudança da natureza de como o Estado brasileiro lida com essas questões.

“Havia a possibilidade de estruturar um sistema nacional que envolvia não só o executivo, mas um debate junto à segurança pública, à rede de atendimento socioassistencial, à saúde e políticas setoriais. Hoje, o que eu tenho percebido, é que não há, por parte do governo federal, esse interesse de estruturação do sistema”, conclui Cláudio.

Conselho Deliberativo

Com o novo decreto, o Conselho Deliberativo do programa ganha mais atribuições e sofre mudanças em sua composição. O Conselho já tinha como competências a formulação, monitoramento e avaliação das ações, a definição de estratégias de articulação com os demais Poderes e a deliberação sobre ingresso ou desligamento no PPDDH do defensor de direitos humanos ameaçado.

Com o novo decreto, além dessas competências preexistentes, o Conselho Deliberativo também passa a ser responsável por decidir sobre “o período de permanência de casos específicos no programa”, em situações não previstas inicialmente, e sobre “o valor da ajuda financeira mensal para pagamento de despesas com aluguel, água, luz, alimentação, deslocamento, vestuário, remédios e outros, nos casos de acolhimento provisório”.

No que se refere à composição do Conselho, serão mantidas as duas representações da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, sendo um deles o coordenador, e o representante da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça.

No entanto, no decreto de 2016, estava prevista a possibilidade de convite a um representante do Ministério Público Federal e um representante do Poder Judiciário para integrarem o Conselho. Com o novo decreto, além destas representações, também passa a ser possível o convite a “representantes do Poder Executivo federal cujas atribuições estejam relacionadas aos casos analisados no âmbito do Programa”.

Para João do Vale, esta mudança na composição Conselho Deliberativo pode ser interpretada como uma tentativa de aparelhamento da instância do programa. “É muito claro que o presidente quer colocar algum representante do poder executivo para controlar o Conselho e, com isso, influenciar nas decisões do programa”, avalia.

Números denunciam violência

A inclusão de comunicadores e ambientalistas ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos chama ainda mais atenção quando observados os recentes números referentes às violências sofridas por esses grupos no território brasileiro.

De acordo com a ONG Global Witness, o Brasil é o 4º país que mais mata ambientalistas no mundo. Segundo relatório divulgado pela organização na última terça-feira (30), 20 ativistas ambientais foram assassinados no país no ano de 2018. O Brasil aparece atrás, apenas, das Filipinas, Colômbia e Índia.

Para o agente da CPT João do Vale, o Brasil “é um dos países que mais mata militantes socioambientais do mundo porque tem uma das estruturas agrárias mais injustas do mundo”. Ainda segundo João, o que se espera para mudar esse quadro é que o estado assuma posição favorável ao cumprimento da Constituição Federal.

“Nossa Constituição fala que devemos demarcar os territórios indígenas, titular os territórios quilombolas, fazer reforma agrária, respeitar a natureza e aumentar a legislação ambiental. Só vai resolver a questão da violência no campo quando o problema do campo for resolvido”, defende.

O Brasil aparece, também, como o 6º país mais perigoso do mundo para jornalistas em ranking elaborado pela Unesco. No estudo “Violência contra comunicadores no Brasil: um retrato da apuração nos últimos 20 anos”, realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) e divulgado em abril de 2019, entre 1995 e 2018, 64 jornalistas, profissionais de imprensa e comunicadores foram mortos no exercício da profissão no Brasil.

A perseguição a profissionais da comunicação tem aumentado nos últimos tempos. É o que aponta estudo da ONG Artigo 19, que monitora violações à liberdade de expressão. Segundo relatório divulgado este ano, aumentou em 30% os casos de ameaças e assassinatos de jornalistas, radialistas e blogueiros no Brasil em 2018. Ao todo, foram registrados 35 violações consideradas graves, como ameaças de morte, homicídios, tentativas de homicídio e sequestro. Em 2017, esse número era de 27 casos.

Iana Moura afirma que a defesa das entidades representantes dos comunicadores apontam que o ideal é uma mudança também de metodologia. “Nós entendemos que, em caso de comunicadores que sofrem ameaça de violência, não podemos tratar como um defensor comum, porque existem peculiaridades. Em alguns contextos locais, o jornalista possui um papel fundamental de liberdade de expressão e acesso à informação. De forma que, se o profissional for retirado pelo programa daquele lugar, a população daquela comunidade será punida, tendo seus direitos também violados”, completa.

Fonte: Brasil 247

 

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