Um dia de Feng Shui no Viveiro dos Guarus

Guaiúba… vê que o mar aquieta sonolento
E o pôr do sol encanta a mim e aos manguezais.
Areado em brisa, zanza em volta zonzo o vento:
Um dia em curvas, farto em formas divinais.
Nas Pitangueiras, Tombo, o mar se entrega ao tempo
E quedo em vãos da areia, abreja e imersa em ais;
No Pernambuco – a praia, é só quebrantamento:
Choveu sereias, creiam… bem continentais.
Do Éden à Enseada onde é remanso deita,
Enfim, São Pedro à vista, a lida ele abstrai;
Outrora insone, bebe ao ócio e se deleita.
Mas meu prazer além, Nordeste, não te trai;
Meu fuso… meu! somente em teu solo se azeita,
Em outro prado o besta entrava e se retrai.

5 comentários sobre “Um dia de Feng Shui no Viveiro dos Guarus”

  1. Esse texto quebra completamente aquela angulação dura que o soneto herdou do parnasianismo é que vem sendo mais e mais enrijecida por uma espécie abundante de cordelismo glorificador de façanhas e bravatas! Aqui a paisagem hesita e os passos ondulam na areia semimovel, aqui convivem os grandes arruados fictícios da aventura humana, como o Estado de Pernambuco, por ex, com o brejo vivo regurgitado de pântano na alma do poeta. A forma dúctil dos versos ressoam da própria paisagem. O verso ondula ao longo de si mesmo e quase que dispensa o emprego de rima em seu final. Me prendeu a atenção desde o início, daquela forma que um rato consegue capturar um gato.

  2. Poesias que muito me agradam são estas de onde brotam imagens, as quais estão impregnadas de cheiros, emanam bafejos, proporcionando ao leitor uma experiência singular da leitura de cada verso à concretude abstrata das sensações. Maravilha de soneto Alexandrino!

  3. O belo soneto de Assueros traz a flor do lácio renascida, palavras tecidas, bem definidas, em uma arquitetura semântica suave e afinada como as costas do guaiúba, no deslize imprevisível em seu balé com as ondas do mar. Altera cores e bafejos literários como a transpirar sentimentos. saudades, louvações entorpecidas pela lembrança da alma que tudo guarda e liberta na presença do mar.
    Força inspiradora que aglutinam o encantamento dos sons, paisagens, natureza, confronto vento, terra e mar, assim como a nossa mente embalada por sentimentos tão dispares mas que formam no aflorar das nossas raízes sonhos lembrados e o doce repouso da alma saciada.

  4. Esse poema me pegou! E, por ele levado, o percebi me percebendo renovado a cada leitura. É que lê-lo, apenas, pareceu-me, desde o primeiro momento, algo cartesianamente limitado. Com suas imagens, ele opera milagre rítmico de beleza numa relação espaco/tempo própria. E tudo converge em delicada suavidade, quase caleidoscópica: o mangue, a praia, o areal… O mar ao por do sol que avança e o prazer que se relança, nordestino, a sua essência.
    Esse é um olhar poético de grande simplicidade e beleza! Cada palavra viva tem, em sua profusão semântica, o poder imagético que a restabelece telúrica no ser flutuante sobre a terra. E reinaugura o mundo a partir do seu próprio mundo.
    Guaiúba…
    Nesse momento tão desértico, o amigo e poeta Assueros nos traz esse oásis! E eu só tenho que agradecê-lo.

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