TROCA DE ELITE, MAS OS INIMIGOS AINDA SÃO OS MESMOS!

Não tarda, nem falha. Em pouco tempo os efeitos colaterais dessa belicosa, midiática e ineficiente “política de segurança” do governo Cabral, estão sendo detectados. Aliás, por aqui não existe o que podemos chamar de política de segurança pública. O que se pratica com vigor renovado é a criminalização da pobreza, como costumam dizer alguns estudiosos. Aqueles poucos que ainda guardam um mínimo de senso crítico. Esses mesmos que não costumam se inebriar pelo canto da sereia, encantando-se com os ch oques de ordem, nas suas mais diversas feições. Uns e outros que encaram os fatos, de frente, sem lançar mão do discurso fácil, eleitoreiro e mais palatável. Remando na contracorrente do “opinionismo” distorcido de parte da sociedade apavorada e da mídia grande que, notadamente interessada, fornece parte do suporte necessário para a proliferação de políticas elitistas e segregadoras.
Exageradamente falando, claro, temos um Rio em chamas: veículos incendiados, onda de assaltos, mortes, atos de vandalismo, bloqueios de vias públicas, explosões. Inevitavelmente o medo floresce, o pânico não está só na tevê. A paz tão apregoada mostrou-se mera peça de ficção. Mas convenhamos: isso não é de agora! Evidente que os acontecimentos feitos de forma “planejada” causam maior impacto. Todavia, isso não acontece somente nos locais ora visitados pelos facínoras de plantão. Esse clima generalizado de terror que a população vivencia – em maior ou menor grau – faz parte do cotidiano das diversas comunidades, onde o Estado é totalmente omisso. Onde o poder despótico d o tráfico ainda impera. Onde as milícias – braço criminoso do verdadeiro poder paralelo estatal – reinam absolutas. É que a dor dessa gente nem sempre sai nos jornais. Enquanto a “lei de murici” – onde cada um trata de si – continuar vigorando em nossas mentes autocentradas, esses e outros pesadelos seguirão nos atormentando, a todos.
É óbvio que o Estado deve dar respostas enérgicas e rápidas à população. Não podemos admitir que bandidos, presos ou não, queiram nos ditar regras, controlar territórios – nas favelas ou no “asfalto” – e intimidar governo e cidadania. Não é aceitável que meliantes inescrupulosos vivam cotidianamente nos constrangendo, passeando com bananas de dinamite, bazucas, armamento de guerra.  A repressão a esses e a outros atos proto-terroristas deve ser intensificada.
Está patente que o Poder Público deve se precaver, lançando mão dos setores de inteligência das polícias estaduais, em parceria com entes federais (Polícia Federal, Receita, Exército, Marinha e Aeronáutica). Não é razoável que não se tenha um mínimo de interatividade e planejamento. Até para que se possa fiscalizar rigorosamente portos, aeroportos e rodovias. É de se estranhar que a polícia fluminense não se dedique à permanente vigilância da Baia de Guanabara, por onde grande parte do armamento utilizado por criminosos entra. Aí sim estaríamos combatendo, com eficácia, o verdadeiro crime organizado e identificando os legítimos “senhores das armas e das drogas”. Iríamos ao cerne da questão. Quem fornece e quem lucra com tudo isso? Ao invés de estarmos enxugando gelo, fazendo operações espetaculosas nos morros e favelas. Combatendo um dos efeitos, não a causa.
A verdade é que o Governo do Rio investe muitíssimo pouco em inteligência. A DRACO (Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado), por exemplo, que é de fundamental importância, está jogada às traças. Esse não é um caso isolado.
Nossa polícia é a que mais mata e a que mais morre. O que nos fornece pistas robustas, se quisermos averiguar sua medíocre eficiência e seu despreparo. Junte-se aí um dos mais baixos salários pagos à categoria, no Brasil, o que se torna um dos fatores para o desestímulo dos profissionais. O sistema carcerário está falido. Não “ressocializa”, não “reeduca”. O que temos hoje são grandes depósitos, onde se despeja um bando de gente, na sua grande maioria negros e pobres. Pessoas que cometeram pequenos delitos convivem lado a lado, com assassinos violentos, traficantes inescrupulosos, bandidos de altíssima periculosidade. O sub-humanismo a que estão submetidos nossos presos, tra nsforma-os em verdadeiras feras feridas. Seus familiares, por outro lado, sofrem todo tipo de conseqüência. Mas isso nossas vistas nem sempre alcançam, consequentemente, o coração não sente.
 As UPPs, tão cantadas em verso e prosa, certamente, foram uma espécie de nau capitânia da frota Cabrália, rumo ao porto seguro do Guanabara. Política considerada, por muitos, como uma solução para a falta de segurança. Um bom paliativo, convenhamos, mas não o remédio. O que avistamos, no dia a dia, não é um horizonte pacificado, como aquele mostrado nos programas coloridos da televisão. Num retrato em branco e preto… com seus mesmos tristes, velhos fatos, que num álbum de retratos, teimo em colecionar… Somente o poeta para nos socorrer da reinante hipocrisia.
Afinal, centenas de homens e mulheres viram extirpada sua “atividade laboral”. Não mudaram de ramo. Não, nem todos! Apenas se deslocaram para outras localidades, onde o tráfico varejista de entorpecentes, armado até os dentes, corre solto. Onde o “bagulho é doido”. Estão varrendo a “sujeira” para longe dos nossos olímpicos olhos. Da “Copa”, para a cozinha e, da cozinha, para os “aglomerados de lixo tóxico não reciclável”, para a periferia relegada ao permanente abandono.
Quantas prisões foram efetuadas e quanto armamento e entorpecentes foram apreendidos – quando da tomada dos territórios “conflagrados” – pelos policiais? Santa Marta, Cidade de Deus, Borel, Macacos, Formiga, Salgueiro, Andaraí, Turano, entre outros… A polícia entrou, o bandido “saiu”? E aí? Na maioria dos casos, sem a ocorrência de grandes confrontos, ainda bem. Porém a bandidagem simplesmente fez suas malas, recolheu drogas e armas, despediu-se dos familiares e foi cantar em outra freguesia. Simples assim!
O que até agora não chegou, nessas ou em outras favelas, com ou sem o “advento das pacificadoras”, foi o braço social do Estado. Creches, escolas, postos de saúde, inexistem ou estão, com raras exceções, entregues às baratas. Falta água, não tem esgoto encanado. Iluminação pública é luxo. Lixo é cartão postal. Mais isso não consta do discurso. Entra a polícia, a sociedade aplaude, pede bis… E aí?
Nossos governos também estão “investindo” na construção de muros nas favelas. Constroem monumentais teleféricos e exorbitantes barreiras acústicas ao longo das vias circundadas por comunidades. Nesse último caso, com o intuito único de tornar a vista mais limpinha, para os que saem do aeroporto em direção à Barra e Zona Sul.
O discurso de nossas autoridades é feito de forma a convencer a população de que estamos numa guerra. Onde o inimigo do Estado deve ser aniquilado. Morto, exterminado. Quem são nossos verdadeiros inimigos? Que Estado queremos? A população apavorada, claro, induzida, principalmente, pelos jornalões televisivos, embarca nessa onda e “apoia” todo e qualquer tipo de atrocidade que se cometa em nome da volta a “normalidade”. Desde que essas atrocidades não sejam cometidas contra os “seus” e nem aconteçam em seu “território”, claro.
O que pode implicitamente entrar nesse jogo para endurecer, ainda mais, a criminalização da pobreza, com certeza, são a realização dos Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo. Os patrocinadores das campanhas eleitorais milionárias de nossos “políticos”, grandes empreiteiros, personalidades do meio social e esportivo, já estão cobrando as faturas. Isso é líquido e certo! E, por óbvio, quem é o dono da grana é o dono da bola. Daí só joga quem estiver focado no objetivo único da conquista das medalhas de ouro. As mega obras. Os grandes empreendimentos. A privatização dos espaços públicos. Quem viu a Marina pode não ver mais a Glória… graças ao grande patrono Eiqui Batista. A “abertura” dos portos e sua s maravilhas às nações amigas. As vilas olímpicas com belas pistas. Onde quem dança é o povão. As remoções indiscriminadas já estão em curso e esse processo tende a se radicalizar. Está dada a largada para a intimidação e cooptação de lideranças comunitárias. Os movimentos sociais, desde sempre, estão marginalizados. É, meu camarada!
E aí? Será que a sociedade, como um todo, vai se mobilizar contra essa assepsia social que nos atropela? Será que esses cidadãos que hoje assistem atônitos (com toda razão) a tudo que está acontecendo, vão compor a vanguarda da defesa dos direitos dos menos aquinhoados? Ou, como de costume – excetuando-se as raras e importantíssimas exceções – vão se recolher, vão para a retaguarda a espera de uma resultante que os beneficiem? É uma reflexão que deve ser buscada.
Enfim… a temática da segurança pública é extremamente complexa. Transita pelas mais diversas avenidas, ruelas e becos da vida social. Não se trata meramente de um problema de polícia. Trata-se de políticas que devem interagir, convergir, sempre visando o bem comum. Não os bens de poucos, ou os negócios de alguns.
Historicamente observamos – me cantava um Passarinho – que o “capital” constantemente se renova, se reinventa. As elites permanecem “organizadas” e contam eternamente com o apoio luxuoso da mídia grande. E, paradoxalmente, os aprendizes pés de chinelo de terroristas alimentam esse sistema poderoso com seus feitos imbecíl-troglodita. De certo esses fatores conjugados nos impõem uma sutil e tenebrosa “troca de elite”, mas os inimigos ainda são os mesmos. Mas, como disse, nesse exato momento, um jornalista da tevê dos Marinho: apesar de toda essa tragédia a população está otimista. Vai vendo…
 
(*) Ricardo Crô é diretor da associação dos moradores dos Trapicheiros, na Tijuca (RJ).

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